25 de abril, Dia dos Deportados, Dia da Memória: Albert et Roselyne Biezunski testemunham

[pro_ad_display_adzone id=”46664″]

 

Portugal não participou na II Guerra Mundial, contudo portugueses houve que participaram e mesmo que acabaram por ser deportados. Destes, alguns acabaram por morrer nos Campos de concentração. Uma das equipas que pesquisa sobre este tema é dirigida por Fernando Rosas. O tema é relativamente novo, os dados numéricos estão com certeza aquém da realidade.

Avança-se o número de cerca de 500 portugueses que foram submetidos a trabalhos forçados pelos nazis, pelo menos 70 estiveram em Campos de concentração. Destes, 53 terão falecido antes do fim da Guerra.

A Memória é universal, o Dever de Memória é ele também universal.

Através do retrato do casal Albert e Roselyne Biezunski, residentes em Lille, podem ser homenageados todos quantos sofreram dos horrores do nazismo, neste dia em que se celebra os Deportados.

Coincidência, este ano de 2021, o Dia dos Deportados é celebrado no mesmo dia do fim do salazarismo, domingo 25 de Abril.

 

Roselyne

Com o retrato de Roselyne e Albert, aqui honramos também quantos contribuíram para salvar judeus, correndo o risco, eles próprios, de serem vítimas. Lembremo-nos, do Cônsul de Bordeaux, Aristides de Sousa, a pessoa individual que terá salvo mais judeus, mas lembremo-nos também dos numerosos franceses que recolheram judeus de famílias com quem não tinham qualquer contacto até ao momento de aceitarem recolher, esconder, crianças.

Roselyne e Albert Biezunski são um casal com 85 e 90 respetivamente. As suas duas famílias sempre se frequentaram. São ambos originários de Lens, acabaram por se casar a 17 de novembro de 1957.

Os mais de 60 anos de união não alteraram o amor de um pelo outro, isso sentimos nas diversas visitas que lhe fizemos. Amizade, amor, alimentado pelas dificuldades vividas desde muito jovens, mas também pelos belos projetos vividos em comum.

Roselyne e Albert Biezunski, ambos de confissão judaica, eram crianças quando a II Guerra Mundial assolou grande parte da Europa e não só. Tiveram que fugir com a família para escaparem às represálias nazis. Para terem mais hipótese de sobreviverem, pais e filhos acabaram por se separarem.

Em 1940, Roselyne tem apenas 4 anos, altura em que seus pais, tios, tias e primos tomam a decisão de abandonarem Lens, num sábado de maio, em pleno shabat, em direção ao sul de França, para se refugiarem na zona livre. Após diversas etapas, a família acaba por se refugiar em Saint Sulpice-le-Dunois, na Creuse.

Em Maio de 1941 nasceu nesta localidade o irmão de Roselyne.

Roselyne e o irmão acabam por ser colocados num orfanato. Roselyne dirá, “os seis meses mais tristes da minha vida”.

A situação sendo extremamente difícil, especialmente durante a noite, as crianças escondiam-se nas florestas. Conscientes do perigo, os pais decidiram tentar colocar os filhos no seio de uma família católica.

A mãe começa a procurar pessoas que pudessem abrigar os seus filhos. Queria-os colocar em lugar seguro. Um médico, o doutor Mourat, com quem confidenciou, aconselhou-a a ir procurar na aldeia de Nay, nos Pirinéus Atlânticos. A procura levou, a mãe de Roselyne, até uma jovem que jardinava, ocupada que estava com a poda das suas rosas. A jovem inspirou confiança à mãe de Roselyne e a quem ela pediu se podia recolher os seus dois filhos. A senhora sugeriu que voltasse à noite quando o marido tivesse recolhido do trabalho. Este, sem hesitação, concordou em guardar as crianças. O casal acolheu Roselyne de 6 anos e o irmão de 1 ano, de 1942 a 1944.

Roselyne ainda hoje se pergunta «como é que minha mãe nos pode confiar, a nós tão pequenos, a um casal que não conhecíamos». Roselyne confessa, contudo, que a decisão tomada pela mãe terá sido a mais indicada, permitindo que tenham sido salvos.

Os olhos humidificando-se, Roselyne Biezunski acaba por nos dizer, ao lembrar-se da cena de 1942 em que a mãe a confiou, assim que seu irmão, à família Jean e Madeleine Menaut, família de comerciantes: «foram pessoas maravilhosas, devo-lhes a vida… foram os meus segundos pais».

Roselyne continua: “cuidaram de nós como se fossemos seus próprios filhos, fomos amados, mimados, protegidos. Eu estava matriculada na escola, normalmente, com o meu nome verdadeiro! A família Menault era católica, mas nunca fui levada à igreja. À noite, Madame Menaut quando vinha abraçar-nos dizia ao filho de rezar a sua oração e a mim de rezar as nossas orações”.

Dois anos passaram, sem notícias dos pais, sempre em fuga, clandestinos, com documentos falsos, contudo sem nunca terem sido denunciados. Como todas as famílias judias, foram procurados pela polícia alemã e francesa. «Eu sei que o meu pai vendeu o carro com que trabalhava no campo. Os meus pais mudavam de casa regularmente, muitas vezes dormiam na floresta. Ocasionalmente mandavam algumas encomendas”.

A menina, Roselyne, cresceu ciente dos horrores que aconteciam ao seu redor. Lembra-se de ter estremecido ao ver um alemão com uma arma na rua. «Um dia, os alemães chegaram e fizeram explodir a estação de caminho de ferro, uma senhora veio-me buscar à escola antes que eles chegassem. Atravessamos através campos. Ao chegar a casa, ouvi a reação de M. Menaut perante o decreto da Prefeitura que exigia que qualquer pessoa que abrigasse judeus os declarasse à Prefeitura: “Eles que me levem para a Alemanha se quiserem, nunca declararei as crianças!”.

Roselyne ainda hoje, quando fala dos seus segundos pais, a emoção invade-a. A família guardou relações muito amistosas, com eles, foram convidados ao casamento de Roselyne e Albert. Roselyne diz «sempre desejei que Jean e Madeleine Menaut fossem reconhecidos como ‘Justos entre as nações’, contudo estes recusaram sempre, respondendo que só tinham feito o que o coração deles tinham ditado e que não queriam qualquer tipo de honras”.

Depois do fim da guerra, Roselyne soube que “em julho de 1941, inconsciente do perigo, o meu pai escreveu ao ‘Préfet’ dos Pirinéus para lhe indicar que 17 pessoas judaicas desejavam adquirir carne casher e que para isso tinham necessidade de um passe. O meu pai recebeu como resposta do ‘Préfet’ de dirigir o pedido à secção de ‘Gendarmerie’, esta daria o seguimento julgado útil”.

 

Albert

Albert saiu com os pais de Lille no dia 16 de maio de 1940, passaram por Lens e Avion, para recuperarem outros membros da família, antes de seguirem para Paris.

As estradas apresentavam-se repletas de militares e de numerosas famílias, era o começo do êxodo debaixo de intenso bombardeamento.

Hans Biezinski, ao deparar-se com um camião de soldados, fez subir para o interior desse, crianças e mulheres, sem mesmo se inteirar do seu destino.

Albert Biezunski lembra-se: “a estrada foi muito longa, dormimos no interior de carros, chegamos a Paris 3 dias depois. Paris estava calma, contudo retomamos viagem em direção ao sul, fomos bombardeados por aviões metralhadoras. Passámos por Angoulême e Perigueux, ao chegarmos a Sarlat, ficamos ali alojados até fins de 1940, altura em que ali continuar, estava a tornar-se perigoso. Retomámos a estrada até Gueret, no departamento da Creuse. Os nossos pais deixaram-nos ali num liceu. A nossa mãe vinha-nos ver de tempos a tempos, escondendo-se no cemitério. Não tínhamos novidades do nosso pai, não sabíamos onde ele estava. Comiamos pão negro, beterraba, até que o meu irmão começou a dar-nos senhas alimentares… soube depois da guerra, que o meu irmão fez parte do movimento de Resistência do liceu”.

“Ali ficámos durante dois anos até que os alemães chegaram. O ‘Proviseur’, responsável do liceu, estando ao corrente da nossa identidade, aconselhou-nos a partirmos… morámos em Perigueux até inícios de 1944. Em certo dia, tendo ido buscar medicamentos a uma casa, tive que me esconder na cozinha… havia metralhadoras que varriam em todos os sentidos. O perigo sendo cada vez maior, decidimos partir para Bourboule, vila mais calma, onde o General Pétain vinha fazer banhos. Os nossos pais tinham falsos documentos com o nome de Lipchinsley, o meu irmão e eu chamávamo-nos Barau, oficialmente teríamos nascido na Argélia, e como esta estava ocupada desde 1942, eu dava como desculpa que não podia pedir atos de nascimento, dizíamos que os nossos pais tinham falecido num acidente de carro. Os alemães passavam de tempos a tempos na vila. Lembro-me de termos dormido três dias dentro de um carro em frente da casa de meus tios e tias. Ali ficamos até até à libertação. Lembro-me de aí ter festejado Roch Hachana, início do ano civil no calendário hebraico. Nunca tinha visto tantas cruzes em mulheres, que ali se escondiam também”.

E completou: “fizemos as nossas malas e pusemo-nos a caminho em direção a Paris, continuamos até Lille. Aqui muitos judeus estavam a fazer as malas dado terem receio que o contra-ataque das Ardennes não resultasse”.

 

Albert et Roselyne

Roselyne e Albert foram dirigentes de uma empresa de 50 assalariados durante 38 anos, tendo trabalhado para as casas de costura, nomeadamente Louis Feraud, Pierre Balmain, Guy Laroche, e Thierry Mugler. O casal, que sempre labutou em binómio, trabalhou para o Gan Capitalisation onde criaram o “contrat études”. Albert terminou a carreira como engenheiro em património, conselheiro junto do Gan.

O casal só cessou as suas atividades profissionais aos 80 anos.

Albert e Roselyne ocuparam postos de direção junto de numerosas instituições judaicas e organizaram muitas manifestações. Faziam parte, entre outros, do Comité lillois a favor dos Refuseniks, termo não oficial para pessoas a quem os vistos de emigração eram recusados pelas autoridades da União Soviética, principalmente, mas não exclusivamente, a judeus soviéticos.

No quadro deste Comité, o casal viajou até Moscovo.

Ao chegarem a Moscovo, Roselyne conta-nos: “fomos revistados, tínhamos livros escondidos nos nossos forros, fomos interrogados. Tendo sido separados, eu respondia muito alto às perguntas que me faziam para que o Albert escutasse e desse as mesmas respostas. Perguntaram-me se ia vender o meu casaco de pele, ao qual eu respondi que estava extremamente frio para o vender… justifiquei a viagem à Rússia pelo desejo de visitar um país rico de história, cultura e que tinha vindo, também, para transmitir livros à Sinagoga de Moscovo.

As perguntas eram tantas, que acabei por lhes dizer que só daria mais respostas na presença do Embaixador de França… fomos libertados. Sentimo-nos sempre espionados. Eu e o Albert transmitíamos entre nós com escritas em papel, papéis que deitávamos na retrete, até ao momento em que nos apercebemos que tinha sido colocada uma rede para recuperarem os papéis com os quais comunicávamos. Tínhamos connosco um caderno com os nomes dos Refuseniks e, de medo que o encontrassem, destruímo-lo, tendo anteriormente aprendido de cor os nomes que continha.

Tivemos encontro com o Sr e Sra Essas, científicos de alto nível que tinham perdido o trabalho, encontrámo-nos com a esposa de Sakharov, cujo marido estava no Gulag. Durante a nossa estadia, o Albert esteve preso pelo KGB durante 3 horas. Havia sempre casais que nos espionavam, mudando constantemente de vestimentas para que os não reconhecessemos”.

Roselyne e Albert, um casal exemplar que fundou uma magnífica família. Um casal cheio de amor, de atenção, de energia, de solicitude.

Como o mundo seria magnífico se ele fosse à imagem de Albert e Roselyne Biezunski!

Para Albert e Roselyne, testemunhar é um dever… para que as gerações que se seguem não se esqueçam.

 

A Shoah

Em 1940, viviam na França Metropolitana entre 300 a 330 mil judeus, outros 370 mil viviam na África do Norte.

Dos 330 mil judeus que residiam na França, 200 mil possuíam a nacionalidade francesa e 130 nacionalidade estrangeira.

Dá-se o nome de Shoah ao ato de extermínio sistemático, realizado pela Alemanha nazista contra o povo judeu durante a II Guerra Mundial.

A Shoah conduziu ao desaparecimento de entre cinco e seis milhões de judeus, dos quais 1,6 milhões eram crianças. Dois terços dos judeus da Europa e cerca de 40% dos judeus de todo o mundo foram exterminados durante a II Guerra Mundial.

Outros termos utilizados para designar a Shoah são Holocausto, Genocídio judeu, Judeocídio ou mesmo destruição dos judeus da Europa. O debate opõe historiadores e linguistas sobre o termo adequado.

A um dos atos mais conhecidos de extermínio de judeus durante a II Guerra Mundial deu-se o nome de “La Rafle du Vel d’Hiv” que teve lugar entre os dias 16 e 17 de julho de 1942. Participaram nesta ação de captura de judeus entre 7 a 9 mil policiais franceses. Foram presos neste ato bárbaro 13.152 judeus, dos quais 4.115 crianças, 5.919 mulheres e 3.118 homens.

O III Reich tinha solicitado à França que fossem feitos prisioneiros durante a ação a que se chamou mais tarde “La Rafle du Vel d’Hiv”, 22 mil judeus da região parisiense, entre eles 40% deveriam ser franceses e 60% estrangeiros.

A grande maioria dos judeus foram enviados em “Comboios da morte” para o Campo de concentração de Auschwitz.

Fala-se da colaboração dos franceses, nomeadamente do seu Governo, com o poder alemão, não esqueçamos, contudo, que graças a muitos franceses, na maioria anónimos, 3/4 dos judeus franceses escaparam à morte durante a II Guerra Mundial, contra por exemplo, 55% de judeus belgas e 20% de judeus originários dos Países Baixos.

Algo de monstruoso e que surpreendeu os próprios judeus, foi o facto de terem sido deportados um número importante de crianças e mulheres. Dos 74.182 deportados de França, 11 mil eram ainda crianças, 55 mil eram estrangeiros (3/4). De realçar que houve negociações entre os Governos francês e alemão para que estes últimos aceitassem que a maioria dos judeus que a França lhe enviasse fossem estrangeiros.

Outra estatística do horror é o facto que somente 3% dos deportados escaparam à morte.

De notar que em Campos franceses também foram assassinados 1.200 judeus e que 3 mil morreram por fraqueza ou por doença.

Para escapar à morte, muitos judeus tiveram que se esconder e contar com a generosidade de numerosos compatriotas franceses, estes mesmos arriscaram a morte ao esconderem judeus.

O Dia da Memória dos Deportados é celebrado todos os anos no último domingo de abril devido à proximidade da data aniversário da libertação de vários campos do Holocausto. Este dia é comemorado desde 1954.

O Dia Nacional de Memória da Deportação comemora os milhões de judeus e grupos minoritários que foram assassinados pelos nazistas durante o Holocausto na II Guerra Mundial entre 1939 e 1945. O Holocausto foi um programa estatal sistemático e planeado para matar milhões de judeus e outros grupos minoritários. O Holocausto foi um dos genocídios mais terríveis da história, com uma estimativa de 11 milhões de vidas perdidas (entre estes, 5 a 6 milhões de judeus e 3,5 milhões de prisioneiros russos). O objetivo do dia é lembrar as vidas perdidas e educar as jovens gerações sobre o mundo da deportação.

 

[pro_ad_display_adzone id=”37510″]

LusoJornal