Opinião: Entre ‘gilets jaunes’ e ‘casseurs’: a urgência da fraternidade

«Jerusalém, deixa a tua veste de luto e aflição e reveste para sempre a beleza da glória que vem de Deus. Cobre-te com o manto da justiça que vem de Deus, com a misericórdia e a justiça que d’Ele procedem» (cf. Bar 5, 1-2.12). E Paris?

Vivemos dias difíceis em França, devido à indignação justa de muitos e à violência inaceitável de alguns. A desinformação e as «notícias falsas», a manipulação de imagens e de factos à mistura com aquilo que é verdadeiro, provoca confusão e reações extremistas. O medo e a incerteza no presente e em relação ao futuro dominam já o coração de muitos.

Embora hoje se viva muito melhor que há cinquenta anos, é verdade que os mais ricos enriquecem ainda mais, a classe média estagna e “fica presa ali no meio” e os mais pobres empobrecem ou, também eles, não se libertam da precariedade extrema em que sobrevivem. Uma certa burguesia urbana bem pensante – desde a direita chic à esquerda caviar – e a ditadura do pensamento único que é o politicamente correto, impõem a sua visão de uma vida facilitada nas grandes cidades e com altos rendimentos. Aprofundam o abismo que os separa do resto da nação: os que vivem nas zonas suburbanas e, pior ainda, os que vivem na província. Esticado ao máximo o Estado Social – altamente endividado e à beira da falência – já não consegue fazer mais nem melhor. Erro de quem quis um Estado omnipresente em tudo, qual Papa-Maman de todos.

Daí que os cristão devem ser portadores deste apelo profético, já antigo: «Deus decidiu abater todos os altos montes e as colinas elevadas e encher os vales, para se aplanar a terra, a fim de que Israel possa caminhar em segurança». (Bar 5, 7)

É urgente redescobrir fraternidade, que está em completa «faillite» nesta sociedade que nós fazemos. Até as comunidades cristãs estão ameaçadas por esta falta de fraternidade que nos leva a olharmo-nos como adversários ou concorrentes numa qualquer competição, em vez de irmãs e irmãos, todos nós filhos muito amados de Deus e salvos por Cristo. Esquecemos isto. Esquecemos o Pai comum de todos, que nos amou e nos salvou. E sem Ele, o nosso coração entra em «faillite» – em falência – incapaz de amar e de perdoar como Cristo, de servir e querer a verdade como Cristo, de suportar incompreensões e toda a forma de sofrimento como Cristo.

A fraternidade “republicana e laica” faliu, é estéril, desligada da sua origem divina. Hoje, facilmente as pessoas se insultam, se agridem, se magoam, a começar pelos mais jovens. Como é possível que um país rico e desenvolvido, como a França, pátria da «fraternité, egalité et liberté» degenere nas cenas de destruição, violência e intolerância que vimos em direto? Mas não é apenas na rua e em manifestações excecionais. É em casa, nas famílias, nas comunidades, nos quartiers, nas escolas, na estrada, na Igreja… ‘D’un coup’, as pessoas alteram-se completamente, parecem estranhos que não reconhecemos mais.

Hoje há uma atitude de permanente insatisfação e de queixa contra os outros, que «não fazem nada suficientemente bem» e «nunca são suficientemente bons». Há sempre que dizer e que criticar, há sempre alguém que culpar: a mulher ou marido, os filhos, o padre, o professor, a escola, o Estado ou o Governo, a sociedade ou o vizinho, os políticos, os cidadãos ou o emigrante, o católico, o ateu, o dinheiro ou a falta dele, «peu importe»! Há sempre alguém a quem se pode apontar o dedo e acusar que não faz o que devia…

Hoje, qualquer um de nós é capaz de ser um «casseur», em sentido metafórico: a violência verbal, a hiper-crítica e o banal falar mal dos outros, «cassent» o bom nome do próximo, a sua honra, «cassent» a unidade entre pessoas (apesar de todas as diferenças), a paz de espírito… Qualquer um de nós, e frequentemente os mesmos, com a sua médisance – a má-língua, invenções ou calúnias – a recusa em perdoar: tornamo-nos «des casseurs» que quebram os corações, o diálogo e toda a possibilidade de entendimento e de convivialidade, quebram o bem individual e comunitário!

É urgente redescobrir a fraternidade, escreve o arcebispo de Paris, D. Michel Aupetit, em comunicado aos mídias, a que provavelmente poucos ligaram. É pena. Se não salvarmos a fraternidade, não salvaremos este país. Salvemos a fraternidade e salvaremos o nosso futuro e o futuro dos nossos filhos, pois só pelo amor somos salvos.

Como alerta o arcebispo de Paris: «Notre pays souffre d’une incompréhension généralisée. L’individualisme devient la valeur absolue au détriment du bien commun qui se construit sur l’attention aux autres et en particulier aux plus faibles. Les valeurs de la République que sont la liberté et l’égalité sont parfois détournées par des réseaux d’influence qui réclament des droits nouveaux sans égard pour les plus vulnérables. Où sont les véritables priorités? Les urgences nationales, les ‘grandes causes’ de notre pays ne peuvent légitimement être celles des revendications communautaristes ou catégorielles. Le devoir primordial de l’État est de garantir pour chacun les moyens d’entretenir sa famille et de vivre dans la paix sociale. Il nous faut reconstruire une société fraternelle. Or, pour être frères, encore faut-il une paternité commune. La conscience de Dieu le Père qui nous apprend à nous ‘aimer les uns les autres’ a façonné l’âme de la France. L’oubli de Dieu nous laisse déboussolés et enfermés dans l’individualisme et le chacun pour soi». (www.sanctuaire-fatima.com)

Orfãos do amor de Pai, tornamo-nos mais facilmente «fratricidas» do nosso irmão? Eu pessoalmente direi com o Apóstolo São Paulo «tenho plena confiança de que Aquele que começou em vós tão boa obra há de levá-la a bom termo até ao dia de Cristo Jesus. (…) Por isso Lhe peço que a vossa caridade cresça cada vez mais em conhecimento e discernimento, para que possais distinguir o que é melhor e vos torneis puros e irrepreensíveis para o dia de Cristo».

Preparai bem o Natal de Jesus para renascerdes com as festas do Seu nascimento.

 

LusoJornal