Reitor Nuno Aurélio Fatima

No país dos campos de cocaína e do sangue

O Papa Francisco, sucessor de Pedro e sinal visível da presença de Cristo entre os homens (cf. Lc 16, 10) chegou dia 6 de setembro, à Colômbia, país latino da América do sul, mais conhecido por ser um grande produtor de cocaína e uma das pátrias do narcotráfico mundial.

Também foi durante dezenas de anos um país ferido pela guerra civil e pela guerrilha que fez oito milhões de vítimas, entre as quais «984.507 homicídios, 166.407 desaparecidos, 16.340 assassinatos seletivos, 1.982 massacres, 35.092 sequestrados, 19.684 vítimas da violência sexual, 6.421 casos de recrutamento forçado e 12.000 amputados» (segundo o missal pontifício para a celebração pela reconciliação nacional).

Um acordo de paz foi alcançado, recentemente, para pôr fim ao conflito armado entre os guerrilheiros comunistas e o Governo. E com a sociedade: as vítimas não foram apenas militares ou polícias, foram também os cidadãos comuns, desde crianças a adultos. Não serão muitas as famílias colombianas poupadas à dor desta violência.

O Papa beatificou e declarou mártir da Fé a D. Jesús Emilio Jaramillo Monsalve, bispo de Arauca, que foi torturado e assassinado por guerrilheiros do Exército da Libertação Nacional (ELN) em outubro de 1989, quando voltava de uma ação missionária na sua diocese.

Recentemente, o Governo da Colômbia e os representantes do ELN acordaram um cessar-fogo bilateral, com início marcado para 1 de outubro, como já o tinham feito os guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), o mais importante dos movimentos da guerrilha.

Francisco também beatificou outro mártir da Fé, o padre Pedro Maria Ramírez Ramos, morto a 10 de abril de 1948 em Armero, na sequência da revolução do «9 de abril», após o assassinato de um dos candidatos à presidência da República.

Triste história a deste país, o segundo no mundo com maior biodiversidade animal e vegetal, onde Deus parece ter recriado o Paraíso, pela beleza das suas paisagens, e no entanto, terra de muitas lágrimas e de abundante sangue derramado.

Não esqueçamos que simpatizantes destas ideologias, que promovem o progresso e a revolução pela violência extrema, têm assento nos nossos Parlamentos, onde pregam a liberdade e a democracia, são acarinhados por muitos cidadãos, acabando por justificar a tirania como necessária à mudança! Triste ironia, tritíssima mentira: não há verdade na violência.

Mas o cristão não vive no passado mas no presente. E nesse presente está sempre Deus com o dom da Sua misericórdia e do perdão. Ele não procura os puros nem recompensa os impecáveis, mas veio no Seu Filho «procurar e salvar o que estava perdido» (Lc 19, 10).

E é este olhar renovado pela graça de Deus que permitiu ao Papa poder dizer: «a Colômbia é rica pela qualidade humana das suas populações, homens e mulheres de espírito acolhedor e gentil; pessoas tenazes e corajosas na superação dos obstáculos». Recusemos reduzir este povo à caricatura de se pensar que os colombianos são «apenas e sobretudo» produtores e traficantes de droga e/ou terroristas.

Os acordos de paz alcançados com os dois movimentos da guerrilha comunista – FARC e ELN – e a sua integração política na sociedade e democracia colombianas, são um sinal de futuro novo.

Francisco disse logo à chegada: «Sem dúvida, neste último ano, progrediu-se de modo particular; e os passos dados fazem crescer a esperança, na convicção de que a busca da paz é uma obra sempre em aberto, uma tarefa que não dá tréguas e exige o compromisso de todos. Uma obra que nos pede para não abrandar no esforço por construir a unidade da nação e – apesar dos obstáculos, das diferenças e das diversas abordagens sobre o modo como conseguir a convivência pacífica – persistirmos no trabalho de favorecer a cultura do encontro que exige que, no centro de toda a ação política, social e económica, se coloque a pessoa humana, a sua sublime dignidade e o respeito pelo bem comum».

Infelizmente perdoar não é fácil para todos. A dor e a memória, quando permanecem enraizadas ou prisioneiras do passado, têm dificuldade em olhar noutra direção. Acontece connosco, por coisas muito mais pequenas e sem grande importância. Quanto mais não o será nestas situações de assassinatos em massa (por exemplo, como no ataque a uma igreja onde se tinham refugiado mais de cem pessoas, muitas das quais eram crianças, e todas elas mortas).

Por isso, o desafio mais difícil de todos, muito mais que negociar e assinar acordos de paz, é outro como lembra o Papa: «Que este esforço nos faça evitar toda a tentação de vingança e busca de interesses apenas particulares e a curto prazo. Quanto mais difícil for o caminho que conduz à paz e ao bom entendimento, tanto mais esforço havemos de fazer para reconhecer o outro, curar as feridas e construir pontes, para estreitar laços e nos ajudarmos uns aos outros».

Na Colômbia espelha-se muito da humanidade que somos e de muitos outos conflitos que têm lugar um pouco por todo o lado.

Veja-se a situação na Birmânia, onde os Rohingya, uma minoria de religião muçulmana, com mais de um milhão de pessoas, estão a sofrer uma limpeza étnica. A Birmânia, atual Myanmar, chefiada por uma mulher Prémio Nobel da Paz, recusa-lhes a nacionalidade e o direito a existirem no país.

Na verdade, o género sexual e os prémios de prestígio dos governantes não significam nada, se o coração não estiver aberto ao respeito profundo dos outros e de todos.

Às vezes, parece que nós os humanos nascemos guerreiros(as). Mas só os que fazem a paz se chamam filhos de Deus. Na Colômbia, na Birmânia, na família, aqui ou ali, em todo o lado.

 

LusoJornal