Celina Busto Fernandes: Lusodescendente estuda as Minas de Ervedosa e a sua relação com a França

Celina Busto Fernandes nasceu em França, em Dijon, em 1973, mas em 1984 regressou a Portugal, com os seus pais que tinham emigrado em 1969.

É alguém para quem o dia deveria ter mais de 24 horas: mulher ativa, mulher de projetos, para quem a educação, o projeto europeu, o estudo sobre o passado “mais ou menos recente” são temas do dia a dia.

Fomos encontrá-la nas comemorações dos 100 anos da assinatura do Armistício, em Villeneuve d’Ascq, nos arredores de Lille.

 

Qual a sua formação?

Possuo um curso de Línguas e Literaturas Modernas, na variante de estudos portugueses, da Faculdade de Letras de Lisboa. Posteriormente frequentei uma Pós-graduação em Bibliotecas e tenho Mestrado em Ciências da Informação (variante de arquivo), é com esta formação que nasce o meu gosto pela investigação (desenvolvida nos meus tempos livres!). Atualmente, sou professora do ensino básico e secundário no Agrupamento de escolas João de Barros, em Corroios, concelho de Seixal.

 

O que a liga à França?

Nasci em Dijon e vivi nessa cidade até aos 8 anos, tendo regressado à terra natal do meu pai, no distrito de Bragança, concelho de Vinhais, a aldeia de Falgueiras, em 1983. Frequentei o liceu em Bragança e vim para Lisboa estudar para a Faculdade. Atualmente vivo na Charneca de Caparica, já lá vão 25 anos. Mas vou com frequência a Trás-os-Montes visitar os familiares. Desde 2011 que tenho participado em alguns projetos europeus, tendo estabelecido alguns contactos com colegas franceses, que se tornaram amigos. Deste modo, vou algumas vezes a França, nomeadamente à região de Lille, Nord Pas de Calais, região Património mundial da Unesco, visitá-los e participar em alguns eventos.

 

Como surge o seu interesse pelas Minas de Ervedosa?

Quando frequentei o Mestrado, surgiu a oportunidade de investigar um tema que eu muito ansiava. Na minha freguesia, Ervedosa, concelho de Vinhais, existiam umas minas desativadas e tive interesse em obter alguma informação sobre elas. Felizmente, na realização desta pesquisa, surgiu a oportunidade de conciliar duas vertentes: por um lado, a recolha e o estudo de toda a documentação relacionada com as Minas de Ervedosa, por outro, a preservação das memórias e afetos que formaram uma comunidade perdida no tempo e na geografia transmontana. Neste sentido, a escolha do tema é justificada por condicionantes de afetividade pessoal, mas também pela necessidade sentida por um coletivo anónimo, que vive, ainda hoje, dependente da herança social e económica, legada pelas experiências de um passado tão particular, oferecendo a toda a região um legado humano, que consideramos de valor histórico.

 

Como efetuou a sua pesquisa para este trabalho?

A tentativa de uma investigação profunda encontrou alguns obstáculos e limitações, uma vez que nos encontrámos condicionados pela pouca informação documentada e pelo facto desta se encontrar dispersa e sobre a tutela de vários organismos, entre os quais o arquivo histórico do INETI em S. Mamede Infesta, Porto, e também o arquivo histórico do INETI, de Alfragide, Arquivo municipal de Vinhais e Biblioteca Nacional de Lisboa. De salientar que a investigação nestes organismos foi realizada ao longo de vários meses. Foi possível a recuperação do passado através da memória individual e coletiva recorrendo à recolha de testemunhos orais, através de entrevistas. Esta foi a forma encontrada para homenagear todos aqueles que trabalharam direta e/ou indiretamente nas minas de Ervedosa, prestigiando não só o seu principal protagonista – o Mineiro – mas também as várias famílias, que, muitas vezes, sofriam grandes desgostos pelo súbito desaparecimento de um ente querido que a mina lhe roubava. Foi ainda possível entrevistar os herdeiros de nacionalidade inglesa, que exploraram a mina de 1920 a 1969.

 

O seu livro faz um resumo histórico das Minas de Ervedosa?

Este livro tenta reconstituir a história das origens das Minas de Ervedosa, até ao seu encerramento, em 1969. Segue-se a apresentação das concessões mineiras e dos métodos de extração e funcionamento das minas, assim como dos recursos técnicos e humanos utilizados ao longo dos anos de laboração da mina. Apresenta-se ainda o mosaico quotidiano e uma breve biografia dos proprietários ingleses. Tive o privilégio de ouvir estórias encantadoras, outras mais mórbidas que envolvem as minas e os seus patrões. Um dos proprietários era Charles Lindley que todos adoravam, e que ainda hoje o seu corpo jaze no alto do monte. Morreu nas Minas depois de se despenhar numa avioneta que tinha adquirido para ir do Estoril a Ervedosa. Para saberem mais estórias devem ler o livro.

 

A gestão destas Minas está de uma certa maneira ligadas à França, a uma ou mais famílias francesas. Como chegarem os Franceses a este local?

Durante a minha investigação encontrei apenas um relatório de 1913 e que era assinado pelo Diretor técnico das Minas que se chamava François Carpentier, e também apreendi que as minas foram concessionadas pelos Franceses, segundo os Manifestos lidos. Mas durante a investigação não obtive qualquer outra informação. No ano de 2016 fui contactada por um descendente de uma família que esteve a trabalhar com a família Carpentier e de quem eram muito amigos. Facultou-me diversas fotografias do período em que os Franceses exploraram as minas de 1909 a 1917. Contou-me que a família Carpentier teve de abandonar as minas, porque foram convocados para ir defender a sua pátria em 1914, ou seja, participaram na I Guerra Mundial. Este descendente, Jean Rollin, informou-me que o seu bisavô, Maillet, ficou então responsável interino das minas. Acrescentou mais algumas informações, que não vou revelar, pois ficará para uma segunda publicação! Mas foi uma bênção, pois faltava esta peça no puzzle!

 

A família Carpentier teve uma história atormentada, dramática na sequência da I Guerra mundial. Porquê?

Teve… A família Carpentier tinha nas minas dois filhos que regressaram a França, para participar na guerra e havia mais dois irmãos que viviam em França, em Lievin. Todos foram à Guerra. François Carpentier, Diretor técnico das Minas de Ervedosa, e o irmão mais novo faleceram na Batalha de Verdun. O irmão mais velho sobreviveu e o irmão do meio, que também trabalhava nas minas, foi feito prisioneiro. Uma história trágica para esta família. E que alterou a gestão das Minas de Ervedosa, que foi vendida aos Ingleses. No verão de 2018 tive o privilégio de me encontrar, em San Sebastian, Espanha, com o neto do irmão de François que trabalhou nas minas. Foi um encontro bastante emotivo para ambas as partes. Soube que Jean Rollin, que me entregou um espólio vastíssimo de fotos das minas, também faleceu.

 

A Celina faz atualmente parte de uma associação chamada Almada Mundo. Quer falar-nos dela?

A minha ligação à associação Almada Mundo é apenas voluntária! Trabalhei muitos anos com a atual Presidente da associação, Adelaide Paredes da Silva, e este laço de amizade levou-nos a caminharmos em vários projetos e ainda hoje trabalhamos em conjunto. A associação tem por objeto atividades no âmbito do apoio à educação e formação de toda a comunidade local.

 

Entre Almada e Villeneuve d’Ascq há ligações estreitas, porque razão?

A professora Adelaide Paredes da Silva, atual Presidente da Associação Almada Mundo, foi Diretora do Centro de formação para professores do concelho de Almada, durante mais de 30 anos. Foi através deste centro que esta e a sua equipa de professores foi desenvolvendo projetos europeus com vários países, nomeadamente com alguns colegas de Villeneuve d’Ascq. Foi através de um projeto que eu tive oportunidade de conhecer a região do Nord Pas de Calais e o seu património mineiro. Desenvolvemos um trabalho com o nosso amigo Jean Perlein e uma escola de Lens, onde tivemos oportunidade de ver nascer o Louvre-Lens e mais tarde estarmos na sua inauguração. Hoje continuamos a trabalhar no âmbito do Ano Internacional Europeu do Património e fomos às comemorações dos 100 anos da assinatura do Armistício, em Villeneuve d’Ascq. Aceitamos o desafio que a Société Historique de Villeneuve d’Ascq nos propôs e que resultou numa magnífica tarde de partilha de saberes no “Musée du Terroir”, no dia 10 de novembro de 2018. Gostaríamos neste momento de poder trabalhar com escolas desta região, fica aqui o desafio.

 

Já visitou Minas no norte de França?

Conheço muito bem o património mineiro do Nord Pas de Calais, a primeira visita foi em 2011, ao Museu de Lewarde, e toda a região, ver os “Terril”. Encantador! Numa segunda visita, revisitamos novamente a região, visitamos o Louvre-Lens e subimos a um dos “Terril” gémeos. Numa terceira visita levei a família conhecer este património tão bem preservado e valorizado. Um intercâmbio com esta região seria “ouro sobre azul”!

 

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LusoJornal