LusoJornal / Luisa Semedo

Chantiers de l’Europe: Amores Pós-Coloniais no Théâtre des Abbesses

A companhia de teatro Hotel Europa voltou ao Festival Chantiers d’Europa com a peça “Amores Pós-Coloniais”. A atuação teve lugar no dia 28 de maio, no Théâtre des Abbesses, em Paris. No ano passado, Hotel Europa já tinha apresentado a peça “Portugal não é um país pequeno” no âmbito deste festival.

A expectativa era grande para quem tinha visto a peça do ano passado e apreciado a elevada qualidade da obra. Desta vez, André Amálio e Pedro Salvador não estavam sozinhos em palco, os atores Tereza Havlíčková, Laurinda Chiungue, Ricardo Cruz e Selma Uamusse enriqueceram as vozes desta peça que tinha como pano de fundo a questão das relações amorosas no espaço colonial e pós-colonial.

A peça parece-nos levar, num primeiro tempo, para uma história feliz feita de amor inter-racial, entre mulheres africanas e soldados portugueses, mas rapidamente a peça troca-nos as voltas para fazer uma demonstração límpida das formas de violência que interpenetravam essas relações de aparência idílica. Relações essas que poderiam creditar as teorias luso-tropicalistas sobre a relação dos Portugueses com os povos escravizados e colonizados. “Amores pós-coloniais” mostra ao contrário a que ponto essas relações eram caracterizadas pelas noções de poder e de crueldade. O ser amado é, na verdade, muitas vezes um objeto “amado”, como no caso de um testemunho de um ex-soldado que diz ter amado muito uma mulher africana para logo a seguir dizer que a ofereceu a um amigo que estava a precisar de uma mulher.

A emoção de “Amores pós-coloniais” está presente do início ao fim da peça, porque o espetador entende a que ponto a realidade não está longe da ficção. Para além dos verdadeiros testemunhos que são utilizados nesta peça, os atores saem por vezes do seu papel para partilhar a sua própria experiência pessoal. A música, o décor e o ecrã são utilizados com mestria e pontuam a peça de criatividade interativa.

Durante a peça percorremos não somente a época colonial, mas temos acesso às consequências que perduram até hoje. Esta peça é claramente engajada, o que lhe dá uma força suplementar, pois Hotel Europa mostra aqui acreditar que a arte pode mudar o mundo, ou pelo menos sensibilizar o espetador para realidades que pode não ter vivido, mas que através da identificação poderá compreender de forma privilegiada. A peça “Amores pós-coloniais” confirma a experiência original de “Portugal não é um país pequeno” a de que a companhia Hotel Europa nos proporciona sermos espetadores da História a acontecer em direto, um percurso longo de tomada de consciência individual e coletiva das questões coloniais e raciais.

Hotel Europa é uma companhia formada por dois artistas de dois países diferentes (Portugal e República Checa). André Amálio e Tereza Havlíčková conheceram-se no programa de mestrado MA Performance Making na Goldsmiths University, em Londres. Desde essa altura que têm vindo a colaborar juntos e a desenvolver teatro documental que trabalha com uma sobreposição de material autobiográfico, histórias familiares, histórias nacionais, testemunhos, entrevistas, pesquisa historiográfica, criando uma complexa teia de referências de cultura popular e clássica que reflete sobre culturas, tempos e géneros.

Hotel Europa criou os espetáculos “Portugal não é um país pequeno” (2015), “Passa-porte” (2016), “Libertação” (2017) e “Amores Pós-Coloniais” (2019). O trabalho da companhia tem sido apresentado em Portugal, Brasil, França, Alemanha, República Checa e Eslováquia.

O “Chantiers d’Europe” é um festival multicultural criado em 2010, numa iniciativa do Théâtre de la Ville, dirigido pelo franco-português Emmanuel Demarcy-Mota, a partir da ideia que “a Europa tem de ser construída por uma ação artística e cultural e não só de um ponto de vista económico” com o objetivo de ajudar os “artistas a circular e a não ficarem fechados em países que estavam economicamente numa crise muito forte”. Por isso a presença dos países da Europa do Sul como a Itália, a Grécia, Espanha e Portugal, mais tocados pela crise económica, estão omnipresentes nas sucessivas edições do “Chantiers d’Europe”.

Em relação à cultura portuguesa em França, Emmanuel Demarcy Mota advoga a importância de “mostrar que Portugal também tem uma vitalidade artística, que não é só um país de sol e de férias, que não é só um país mais barato que a França, onde as pessoas são simpáticas” e que “é um país que também tem uma visão de futuro e não é só um país que está atrás do sistema francês ou alemão dentro da construção europeia”.

 

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