Lusa / Estela Silva

Discurso do Presidente da República no I Congresso de Redes da Diáspora Portuguesa

Senhor Primeiro Ministro,

Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros,

Senhor Secretário de Estado das Comunidades,

Senhores Deputados

Senhor Vice Presidente da Câmara Municipal do Porto

Senhora Bastonária da Ordem que aqui nos acolhe

Queridas e queridos amigos,

Hesitava em dizer uma palavra porque o essencial estava dito, do ponto de vista político pelo Senhor Primeiro Ministro e pelo Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros, e do ponto de vista cultural pelo Senhor D. José Tolentino Mendonça.

O máximo que eu poderia dizer é que o Presidente da República se reconhecia em todas essas vozes, como todos os Portugueses se reconhecem nelas.

Mas decidi contar a história da minha vida e da minha família. E é uma história curiosa que tem a ver muito com aquilo que aqui se disse.

O meu avô paterno partiu para o Brasil na sequência da fome e da crise económica do final do século 19, das terras de Celorico de Basto e pelo Brasil andou, sem sucesso, entre o Rio de Janeiro e S. Paulo, até ir do Brasil, atravessando o Atlântico, para Angola. Em Angola se fixou com sucesso, durante as poucas décadas do início do século 20 até ter morrido prematuramente.

Esse gérmen arrastou a família, que ele mandou que fosse ter com ele, primeiro ao Brasil e depois a Angola, irmãos e outros parentes, que por lá foram ficando entre o final do século 19 e o princípio do século 20.

Essa emigração, foi uma emigração de emergência, de contingência, de miséria, de falta de condições para continuar a viver numa terra muito pobre.

Décadas volvidas, são os meus pais que partem para o Brasil, onde vivem durante algumas décadas também, seguindo-se o meu irmão mais novo, que fica a viver no Brasil e do Brasil vai viver para os Estados Unidos da América.

Antes desse momento histórico, coincidência das coincidências, o meu pai, membro do Governo de Marcelo Caetano, é chamado a acumular, com as pastas que tinha, uma quase pasta da emigração.

A primeira vez que o Governo português olha, ao de leve, para o problema da emigração, é a partir de 1970. Porquê? Por causa da emigração massiva dos anos 60 e 70 e lembro-me que os dois primeiros acordos que são então celebrados, com a França e com o Luxemburgo, são o reconhecimento, minúsculo, parcial, pobre, de uma realidade que já tinha tido expressão no final do século 19, no início do século 20, através de migrações, de perseguidos políticos da ditadura nos anos 20, 30, 40, 50, e portanto uma emigração diferente da emigração económica e social que tinha marcado o final do século anterior e o principio desse século. Mas regressa a emigração económica e social do início dos anos 60, ao longo dos anos 60 e dos anos 70.

No entretanto, tinha decorrido, com o advento da democracia, a descolonização e novas vagas emigratórias surgiram a partir, sobretudo, de Angola e de Moçambique, para a África do Sul, para o Brasil, para a Venezuela, a somar-se às migrações que por razões económicas e sociais tinham ido, sobretudo dos Açores para o Canadá e os Estados Unidos da América, e também da Madeira sobretudo para a América Latina.

Regressando à experiência dos anos 70, aí o que se passa é que é diferente a razão pelos quais os vários membros da minha família emigram. Os meus pais, por razões que têm a ver com a conjuntura política, o meu irmão por razões profissionais, logo a seguir, uns anos mais tarde, o meu filho mais velho por razões de natureza profissional também. É outra realidade, completamente diferente. Coexistem no Brasil, pais e irmão e depois para lá vai filho, antes de ir trabalhar para vários países europeus. É uma nova geração, na viragem do século que escolhe, por razões de complemento de formação académica ou de natureza profissional, atravessar o oceano ou circular na Europa.

Prossegue a história e, de tal maneira ficou forte na vivência do meu filho mais velho a ideia de viver fora do país, que regressa ao Brasil, se fixa há mais de uma década no Brasil e daí parte um ramo dos meus netos para a China, sendo hoje, essa geração, todos os meus netos, dividida entre 4 na China e uma no Brasil.

E os da China, em Shenzhen, que é um polo económico que tem cerca de 10 anos, e portanto, não existia e não era concebível enquanto tal há cerca de uma década.

Aquilo que isto significa na vida do dia a dia, é mais ou menos aquilo que todos nós conhecemos: para contactar com os netos da China há que somar 7 ou 8 horas relativamente à hora de Portugal – de Portugal físico, porque todos fazem parte de Portugal espiritual – e para falar com a neta brasileira, há que fazer variar duas a quatro horas a menos, relativamente à hora portuguesa, o que dá uma amplitude que não corresponde à nossa diáspora, mas no ponto de vista horário, dá uma pequena noção daquilo que é um português comum, viver com uma família repartida pelo mundo.

O mais curioso disto tudo é que não há uma família portuguesa que não tenha casos como este, que não tenha tido, que não tenha, ou que não venha a ter.

 

Como disse o Senhor Primeiro Ministro e o Senhor D. Tolentino Mendonça, há várias emigrações e essas várias emigrações, que correspondem a várias emigrações, que tiveram causas diferentes, tiveram motivos diferentes e têm problemáticas diferentes e cada vez que, ao longo de todo este tempo, que começa há quase 50 anos, fui visitando a família repartida pelo mundo, convivi com comunidades de portuguesas e portuguesas, com associações, com formas de viver a sua própria comunidade de formas completamente diversas e a linguagem, por exemplo em relação aos nossos compatriotas brasileiros que lá viviam, vindos do século 19, ou do começo do século 20, com as suas associações, com os seus grupos, com os seus ranchos folclóricos, com as suas academias do bacalhau, era completamente diferente do diálogo dos jovens quadros que encontrava nos Estados Unidos da América, por onde também passou o meu irmão Pedro durante um longo período, exercendo funções profissionais, e certamente daquilo que encontrei na China, quando falei com os meus netos.

São comunidades diferentes e daí um grande desafio, como muito bem descreveu o Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros: como fazer cruzar estas gerações, estas Comunidades, que são uma só, mas vivem em tempos diferentes, de modos diferentes, com linguagens diferentes, com preocupações diferentes? Uma coisa é discutir com quadros dos mais sofisticados nos Estados Unidos da América, na Europa, na China, no Brasil ou em França, outra coisa é compreender a problemática de alguns mais velhos que têm outro tipo de viver Portugal, outra maneira de ver o seu Portugal.

E à medida que o tempo passa, que são as novas gerações que se vão substituindo e que o meu neto mais velho, ele que está agora no Brasil de férias, embora viva na China, que tenciona talvez convencer o pai e a mãe para vir estudar em Portugal, para partir outra vez para o estrangeiro para a formação do superior, numa universidade anglo-saxónica, nós estamos perante uma realidade que diz tudo. Diz tudo sobre como é complicado o desafio da diáspora feito de muitas diásporas.

E por isso haverá sempre um contencioso entre os nossos compatriotas espalhados pelo mundo, esperando do Poder político e dos vários Poderes políticos portugueses resposta para o seu problema, que não é um, são múltiplos problemas e a capacidade de os Poderes políticos apreenderem a mudança acelerada desses problemas.

Porque em relação a esta novíssima geração – estamos a falar de uma realidade que em alguns casos tem pouco mais de uma década, ou menos de uma década – imaginem o que é a rede de respostas concebidas para realidades vindas do passado – e aqui foi muito bem citado o exemplo da Senhora Doutora Manuela Aguiar – e o que é ter de atualizar essa resposta a um ritmo alucinante.

Eu sou testemunha que o senhor Primeiro Ministro vive permanentemente essa preocupação. Sou testemunha que o Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros, vive, ao lado de todas as preocupações da política externa, essa preocupação.

E que o Senhor Secretário de Estado das Comunidades nunca se sabemos onde é que ele está. Eu, para o encontrar, ligo e pergunto: Está na Venezuela? Não estou em França. Está em França? Não, agora estou a caminho do Canadá. Está no Canadá? Não tenho de passar pelo Brasil. Não vê a família? Pouco, vou ver se passo pelo Porto depois de dois meses sem ver as crianças, cresceram muito, e ver se ainda há diálogo possível não apenas com a diáspora, mas também com a família!

Não sei se imaginam que, apesar de todos os problemas que a política portuguesa sempre provoca no espírito dos responsáveis, são nada comparáveis com as preocupações que vos dizem respeito.

A qualquer hora do dia ou da noite há um acidente com um português em qualquer ponto do mundo, um crime, um desaparecimento, uma situação tensa numa sociedade e há sociedades que são tensas durante anos, um português perdido no meio de uma guerrilha ou de um conflito onde menos se esperava, um conjunto de portugueses atingidos por um tufão ou a necessidade de evacuar de urgência nos países mais insuspeitos e esta notícia não é uma, são não sei quantas notícias que chegam todos os dias, todas as horas, quase todos os minutos.

Como somos milhões, imaginem o que é acompanhar a vivência desses milhões, como certamente da vossa parte há o acompanhamento da vivência dos vossos familiares e próximos.

E é disso que se faz também aquilo que é muito importante que é o contacto entre todos vós, que é estarmos constantemente a acompanhar as vossas alegrias e os vossos desgostos.

Estivemos juntos, porque estivemos, o Senhor Primeiro Ministro e eu, na Vitória do Euro’2016 e nem imaginem como os nossos compatriotas cresceram 10, 20, 30 centímetros, naquele dia, e nos dias seguintes, comparados com os seus amigos e nossos queridos amigos franceses. Foi um crescimento exponencial.

Há notícias que nos chegam de cientistas, da melhor enfermeira do Reino Unido ser uma portuguesa, mas isto é permanente, vamos acompanhando aquilo que depois é difícil traduzir. D. José Tolentino falou de cultura, mas a cultura também é gastronómica – é insubstituível a nossa gastronomia. Português que não leva bacalhau para onde vai, não é português. Português que não gosta de bacalhau tem uma vivência um pouco parcelar de ser português. Por muito bonitos que sejam todos os países, há belezas que são só nossas. É assim…

 

Mas como foi dito – e termino – há dois grandes desafios que temos pela frente e um deles tem a ver com este Congresso que é tentar cruzar tudo isto de que nós falámos. Na medida do possível. Para que não se queixe a geração mais antiga, nem a intermédia, nem a mais jovem, nem aqueles que estão a partir e a regressar, porque hoje há migrações que são migrações de ir e voltar a um ritmo de circulação no mundo. O meu neto quer vir para Portugal, mas quer vir para cá para depois ir para fora, para depois vir para cá. Isto foge à lógica clássica de política das migrações, mas existe, e há cada vez mais do que os jovens.

Portanto, este Congresso é uma ocasião para cada um dar o seu testemunho e dizer: o meu caso, o nosso caso, é uma mistura disto e dacoloutro, vejam como conseguem dar resposta. E vejam também como é um quebra-cabeças dar resposta diplomática e consular, económica e financeira, social, política e cultural a estas situações.

Mas depois, há outro desafio e esse é o que me preocupa mais. Eu não tenho encontrado solução para ele. E vou ser muito franco: é – não havendo uma família em Portugal que não viva no seu dia a dia esta diáspora – no entanto, no dia a dia, os Portugueses que vivem no território físico de Portugal, acham isso tão natural, tão natural, que o problema da diáspora não é uma prioridade para eles em termos nacionais.

Esse é um problema incompreensível.

É tão óbvio, tão óbvio, que há uma prioridade que é a saúde – e é – que é a segurança – e é – a situação económica e financeira – e é – a perspetiva de futuro deste ou daquele domínio – e é. Mas se perguntarem num inquérito, num leque de preocupações, as pessoas não dizem que é, mas é uma preocupação nacional. Não só por corresponder a uma visão estratégica, como é o título deste Congresso, mas poderia ser assumida por cada um, porque tem a ver com a sua vida no passado, no presente ou no futuro. É uma prioridade pessoa, é uma prioridade comunitária quando está inserido numa determinada comunidade e tem um problema concreto a resolver, não é uma prioridade global.

Ainda não encontrei solução para isso.

Tem um lado virtuoso. Quer dizer que consideramos isso como parte integrante da nossa vida, é como respirar. Mas mesmo ao respirar, devemos respirar bem, isto é, mesmo ao respirar, devemos olhar com alguma atenção para aquilo que, além do mais, é um ponto importantíssimo, é muito importante para Portugal.

 

Eu repito, em praticamente todas as minhas intervenções, que nós temos uma vocação na história, é somos plataforma entre culturas, civilizações, continentes e oceanos. As pessoas quase que ficam cansadas quando digo isto, porque é uma mania minha. Mas não é. É que nós somos dos melhores do mundo nisso. Fomos durante séculos, somos e seremos.

Não é por acaso, para além do seu mérito excecional e da diplomacia portuguesa, que o Eng. António Guterres é Secretário Geral das Nações Unidas. Não é por acaso que o Dr. António Vitorino é o Diretor Geral da Organização das Nações Unidas para as Migrações. Porque é que se escolhe um português para as migrações? Porque é que o Eng. António Guterres já foi para os Refugiados? Porquê? É porque entendem que nós temos vocação para isso, para fazer pontes, para falar línguas, para nos adaptarmos a climas adversos, para manter o diálogo, mesmo quando o diálogo é impossível. O Eng. Guterres não diz coisas diferentes aos Americanos, aos Chineses, aos Russos, aos Ingleses e aos Franceses. Diz o mesmo. Provavelmente ele fez-se entender por cada um deles, porque sabe como dizer e para isso é preciso conhecer o interlocutor, saber onde é que ele se move. Ele fez, de uma forma superlativa, aquilo que vocês, todos vós, e milhões de Portugueses fazem todos os dias. Todos os dias, em todo o mundo, sois capazes de estabelecer pontes, de fazer diálogo…

No outro dia, um Chefe de Estado de um país irmão estava a visitar um país onde nós temos muitos portugueses e onde há muitos nacionais desse país, que lutam muito com esta fúria que existe agora anti-migratória. Perguntou aos responsáveis políticos: e nós? E eles responderam: não há problema nenhum, vocês são praticamente como os portugueses. Ele contou-me isso, por isso eu permito-me contar. Com os Portugueses não há problema. Nós entendemos muito bem e ele entendem-nos muito bem a nós.

Temos de fazer entender aos 10 milhões e qualquer coisa que vivem aqui, que é um valor nacional incalculável somar a esses dez milhões e qualquer coisa, mais 10 ou 12, ou 8, ou o que for, milhões de portugueses, que lá fora são essenciais para aquilo que todo o mundo pensa sobre Portugal.

Porque não pensa com base nos portugueses que vivem no território físico de Portugal, pensa porque, como disse o Senhor Primeiro Ministro, porque os conhece, em 178 países. Não são uma surpresa.

No outro dia, estava a almoçar com o Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros e com um político europeu muito importante, que foi Primeiro Ministro e Ministro dos Negócios Estrangeiros durante anos, e falou-se disto: estupefacto, ao fim de uma longa carreira política, disse: finalmente percebo porque é que têm o papel que têm no mundo. Agora é que percebo que estão presentes em toda a parte e conseguem chegar onde os outros não chegam. E eu fiquei a pensar comigo – ainda nem falei disto com o Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros – este homem é do melhor que há na Europa, foi Primeiro Ministro e Ministro dos Negócios Estrangeiros, teve uma responsabilidade enorme num caso muito complexo no Leste europeu, descobriu, ao aproximar-se do final da vida, pelo menos numa idade avançada da sua vida política, descobriu o que para nós é uma evidência.

E é essa a onda cultural que é um desafio vosso também. Julgo que cada uma das vossas famílias e cada uma das famílias dos vossos e nossos compatriotas espalhados pelo mundo – eu sei que nós temos uma autoestima muito baixinha, na dúvida, consideramos que não somos tão bons como somos, mas somos muito melhores do que nós consideramos que somos – é explicar que não só somos muito bons, mas que uma das razões porque somos muito bons tem a ver convosco, tem a ver com a vossa e a nossa presença no mundo.

É nisso que eu penso todos os dias quando hei de telefonar, a horas incríveis, para apanhar os meus netos a irem para a escola em Shenzhen ou para apanhar a neta pequenina a uma hora completamente diferente, antes de ela entrar na escola em S. Paulo.

Penso nisso. Como somos muito bons e vamos continuar a ser.

Viva Portugal.

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