Home Entrevistas Legislativas: Rita Rato diz que a CDU não está disponível para alterar ConstituiçãoCarlos Pereira·25 Setembro, 2019Entrevistas Rita Rato tem 36 anos e é Deputada na Assembleia da República desde 2009. Desta vez é a cabeça de lista da CDU – a coligação eleitoral entre o PCP e Partido Ecologista Os Verdes – pelo círculo eleitoral da Europa. É Licenciada em Ciências políticas e Relações internacionais pela Universidade Nova de Lisboa e foi até aqui, Vice-Presidente da Comissão parlamentar de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. Como sabe, o número de Deputados varia de círculo para círculo, em função do número de eleitores. Por isso é que o círculo de Lisboa tem mais Deputados e o círculo de Portalegre tem menos Deputados, porque tem menos eleitores. Nas Comunidades isso não é assim. Acabámos de passar de 300 mil recenseados para 1,4 milhões de recenseados, e continuamos com 4 Deputados. Já sei que o PCP não quer alterar esta situação que cria, no fundo, Portugueses de primeira e Portugueses de segunda. Mas, porquê? Para o PCP e para a CDU, os Portugueses residentes no estrangeiro nunca foram Portugueses de segunda, nem nunca serão, de resto, infelizmente, apesar de nunca ter tido nenhum Deputado eleito à Assembleia da República pelos círculos da emigração, não foi por isso que deixámos de intervir, até apresentando mais trabalho do que as forças políticas que têm eleitos. A questão do aumento do número de Deputados eleitos pelo círculo eleitoral da Europa é uma questão que – agora que o recenseamento automático permitiu de facto aferir que há mais Portugueses a viver fora e por isso a participar nas próximas eleições – foi colocada. A Assembleia da República elege 230 Deputados, a atribuição do número de Deputados obriga a um equilíbrio, tendo em conta o número de Portugueses que vivem no território e os que vivem fora do território nacional e que são também, em última análise, atingidos pelas medidas que são discutidas na Assembleia da República. Os Portugueses que vivem fora do país estão integrados nos seus países e, portanto, ao nível da Segurança Social, da Educação, do Serviço Nacional de Saúde, têm também impacto nos países em que residem. Nós dissemos que mais importante do que a quantidade é a qualidade e da parte da CDU, estamos profundamente comprometidos no sentido de garantir e apelar à mobilização de todos. Eu não sei qual é a perceção que têm muitos dos jovens emigrantes e sobretudo a última grande vaga de emigração com quem nós temos contactado, que nem sequer têm consciência que têm o direito de eleger dois representantes para a Assembleia da República. Muitas vezes, quando em contacto, como ainda aconteceu no fim de semana passado em Londres, contactámos com jovens que estavam no Reino Unido há pouco mais de um ano e meio e dissemos-lhes que estávamos a contactá-los no sentido de dar a conhecer as propostas da CDU, disseram-nos que nem sequer sabiam que tinham direito a escolher representantes para a Assembleia da República. Por isso, em primeiro lugar, quando dissemos que a questão não é tanto de quantidade, mas de qualidade, é dizer que os eleitos pelo círculo da Europa têm a obrigação e o dever de defender os direitos da Comunidades portuguesas na Europa e no mundo. E por isso, da parte do PCP e da CDU, temos a profunda convicção que, sendo eleitos, daremos voz aos seus problemas e encontraremos soluções para os resolver. Aliás é isso que temos feito. Não foi por não termos Deputados eleitos pela emigração que a CDU deixou de apresentar uma proposta pelo fim da Propina do Ensino de português no estrangeiro. Não foi por não termos Deputados eleitos que deixamos de apresentar propostas para a contratação de mais funcionários para a rede consular, com propostas concretas, em sucessivos Orçamentos de Estado para a modernização das instalações e dos equipamentos informáticos, para garantir mais funcionários. Apresentámos propostas também, no nosso país, para a contratação de mais funcionários para o Centro Nacional de Pensões, para os Serviços de Registo e Notariado, para garantir os direitos dos Portugueses lá, mas também cá, que através das Embaixadas necessitam de documentos especiais. Não dissemos que tendo ou não tendo Deputado eleito é a mesma coisa, obviamente que não será. Não está a responder propriamente à minha pergunta. Não a interroguei sobre a capacidade ou não dos Deputados, esse é um dado subjetivo por onde não quero entrar. Eu não disse isso, eu disse que mais do que a quantidade é a qualidade. E disse à partida que a atribuição do número de Deputados obriga a um jogo de equilíbrio… Desculpe, mas aqui há um claro desequilíbrio… Há um desequilíbrio tendo em conta o recenseamento, mas também há um desequilíbrio tendo em conta que a Comunidade portuguesa que reside fora não ter contacto com a maior parte dos serviços como os Portugueses que residem lá, até menos do que as Comunidades estrangeiras que residem no país. Está a dizer-me então que, tendo menos necessidade dos serviços portugueses, os Portugueses que moram fora do país devem ter um estatuto cívico diferente dos Portugueses que moram em Portugal? Eu não estou a dizer isso. O senhor é que está a dizer-me isso. O que eu estou a dizer é que, o PCP e a CDU entendem que a abertura de um processo de revisão constitucional que implique a alteração dos círculos a este ponto, não vai ser iniciado por nós. Entendemos até que pode ser perverso e perigoso a abertura de um processo de revisão constitucional nesse sentido, tendo em conta vontades que existem de perversão da Constituição relativamente a direitos fundamentais, matérias relacionadas com o Serviço Nacional de Saúde, com Escola pública, com Segurança Social, entre outras matérias. O que dissemos é que da nossa parte, estamos profundamente convictos e descansados, tendo em conta a nossa consciência, tendo em conta todo o trabalho que fazemos em defesa das Comunidades portuguesas. E não foi, infelizmente, por não termos Deputados que não fizemos o nossos trabalho, e gostávamos de ter, entendemos que era importante ter e que isso também nos daria mais força. Os Deputados do PS e do PSD que votaram contra a nossa proposta, são eleitos pela Comunidade portuguesa e votaram contra a proposta de fim da Propina no Ensino de português no estrangeiro, votaram contra a contratação de mais técnicos e de mais funcionários para a rede consular e contra o alargamento da própria rede consular e tinham Deputados eleitos por este círculo eleitoral. O que nós dissemos é que o aumento da CDU em número de votos e de mandatos é fundamental para garantir melhores condições de defender os direitos dos Portugueses. Para além disso, o voto é um momento de participação muito importante, mas o direito à valorização da Comunidade portuguesa não se esgota no momento do voto, há muitos momentos em que a aproximação às Comunidades, ao movimento associativo, ao seu trabalho que é desenvolvido todos os dias, muitas vezes em complementaridade com o próprio trabalho do Estado português, deve ser valorizado. Reduzir a Comunidade portuguesa e os eleitores a votos, para nós é uma visão muito limitada do que é a democracia e a valorização da própria Comunidade portuguesa. E sobre a metodologia de voto, porque razão o PCP se opõe constantemente ao voto eletrónico online? O PCP não se opõe constantemente ao voto eletrónico. O PCP alerta para limitações que têm a ver com o voto eletrónico e que, em última análise, não substitui o voto presencial. Ainda assim, houve uma experiência aquando das eleições para o Parlamento europeu, em Évora… Não, não houve nenhuma experiência em Évora sobre voto eletrónico online. Sim, houve um projeto piloto que nunca tinha havido… Claro que já houve. Eu próprio já votei eletronicamente, tendo participado numa experiência piloto de voto eletrónico online, nas Comunidades, suponho que na eleição Legislativa de 2005. Claro que houve. Esta experiência piloto em Évora não é uma experiência de voto online, é uma experiência de voto eletrónico nas urnas. Ora, o nosso problema é ter de andar muitos quilómetros para chegarmos a uma mesa de voto. Esse é o nosso problema. Esta foi apenas uma experiência piloto, para perceber as limitações do exercício do direito de voto. E eu estou a dizer-lhe que esta experiência não tem nada a ver com as Comunidades, por isso não me fale dela porque no LusoJornal queremos ficar focados em questões relacionadas com as Comunidades. Aliás nem se sabe porque razão é experimentado em Portugal, porque já existe há muitos anos em diversos países, nomeadamente no Brasil. Isso é o senhor que diz. Sim, sou eu que digo. Esta experiência não se aplica à nossa realidade, o Governo decidiu fazer esta experiência para dizer que fez uma. Para a nossa realidade trata-se do voto eletrónico online. Mas o PCP só defende o voto presencial. Deixe-me corrigir: o PCP não tem uma posição fechada relativamente ao voto eletrónico. Entendemos até, relativamente às Comunidades portuguesas residentes fora do país, que essa tem de ser uma experiência a estudar. Tem de se perceber as suas limitações, temos de ter em conta recomendações que garantam o sigilo, a confidencialidade, as condições de exercício e direito de voto, mas reconhecemos, como não podia deixar de ser, que um Português residente fora do seu país, seja na Europa ou fora da Europa, não tem as mesmas condições do exercício do direito de voto que tem qualquer outro cidadão Português no território nacional. Não sendo indiferente a isso, não podemos rejeitar essa proposta em absoluto, e tem de ser estudada, tendo em conta a garantia do sigilo, de confidencialidade… Não é uma posição fechada do PCP relativamente a isso. Isso obviamente deve ser estudado, mas não é apenas garantir o sistema, a preparação antes do dia da eleição é fundamental. O que sabemos hoje é que muitos Portugueses não tiveram conhecimento em relação ao seu recenseamento porque fizeram a atualização do seu Cartão do cidadão, depois houve o recenseamento automático e passaram a estar incluídos como eleitores, não sabem que podem votar. Como não sabem? Receberam uma carta em casa e agora receberam o boletim de voto também pelo correio. São duas cartas… Claro, mas conhece certamente o fluxo migratório dos dias de hoje, em que as pessoas mudam de morada, a instabilidade é muita, deve existir um contacto permanente com as pessoas por forma a garantir que no dia da eleição as pessoas participam. O seu esclarecimento, a sua mobilização, a sua informação, deve acontecer e, portanto, a preocupação do Estado não pode estar apenas na garantia do modelo do voto, que deve ser discutido, mas também na informação, no esclarecimento cabal sobre algumas destas matérias. A CDU defende a reabertura de Consulados… A CDU defende a reabertura dos postos consulares que foram encerrados… De todos os postos que foram encerrados? Dos mesmos ou outros, acredito que em 2019, o fluxo migratório possa ponderar a abertura de outros postos consulares onde a Comunidade portuguesa tenha número que justifique a necessidade de haver esses serviços. Mas também a modernização dos próprios serviços. Eu acredito que uma modernização do próprio serviço informático. Por exemplo, se a rede consular não tem contacto com o Centro Nacional de Pensões, não é aceitável que um português no Luxemburgo tenha estado três anos à espera da atribuição de uma pensão de invalidez ou de alguém, em Bruxelas, tenha-se dirigido ao Consulado para tratar de uma procuração e lhe tenham feito uma marcação para novembro. Para além do alargamento da rede onde seja necessário – e tem de existir um estudo para saber qual a necessidade do alargamento da rede – há a contratação de mais funcionários, a modernização das instalações e a garantia, de facto, de serviços eficazes, de proximidade ao cidadão. Isto é fundamental e devem ser tomadas medidas nesse sentido. Para que fique claro, trata-se da abertura de postos consulares ou de antenas consulares dos Consulados existentes? Admitimos que haja a necessidade de ambas as soluções, em alguns casos a reabertura de postos, noutros casos, em que não haja necessidade de existir um Consulado, existir uma resposta descentralizada do Consulado que corresponda às necessidades da população. O que não é aceitável é as pessoas terem de fazer centenas de quilómetros, perdendo dias de trabalho, perdendo rendimento, para tratar de assuntos simples, mas que, para além de simples, a sua vida depende deles. Nós não estamos a dizer qual deve ser a solução, há realidades diferentes, a Comunidade portuguesa em França, que é o país da Europa que tem maior Comunidade portuguesa, não terá o mesmo tipo de necessidade que outro país onde a Comunidade não existe em número tão significativo e tem de ser encontrada uma solução para cada uma dessas situações. Qual é a posição da CDU e do PCP em relação ao Conselho das Comunidades Portuguesas? Na nossa opinião, é importante manter a autonomia do Conselho como órgão consultivo e isso tem sido, de resto, o que os próprios Conselheiros têm defendido, nas suas múltiplas posições públicas. O PCP tem apresentado propostas em relação ao reforço do financiamento do Conselho das Comunidades. Sabemos que houve um reforço limitado. A nossa proposta é no sentido de garantir ainda mais financiamento para garantir que os próprios Conselheiros possam exercer trabalho em relação aos territórios pelos quais são eleitos. Por outro lado, uma das questões que tem chegado por parte dos Conselheiros, é a questão da sua autonomia face ao Governo e face aos poderes públicos. Entendemos que o Conselho das Comunidades deve ser isso exatamente, um Conselho que represente com a diversidade própria, as várias Comunidades portuguesas no mundo e por isso, que seja também um ponto de referência, de estudo, de análise, de apresentação de propostas sobre a diversidade e a heterogeneidade do movimento que é as Comunidades portuguesas no mundo. Há um velho debate no Conselho das Comunidades sobre o ensino da língua, que tem andado à volta de uma pergunta: como deve ser ensinado o português no estrangeiro? Enquanto língua materna ou língua estrangeira? Como se posiciona o PCP nesta matéria? O mandatário da nossa lista é o Amadeu Batel [ndr: Vice-Presidente do Conselho Permanente das Comunidades Portuguesas, eleito na Suécia] que tem uma larga experiência nestas matérias. Independentemente desse estudo que deve ter lugar, parece-nos fundamental dizer que hoje temos uma realidade em que não é aceitável que haja Portugueses que paguem para ter acesso ao ensino da língua e da cultura. Apresentamos várias vezes a proposta da supressão da Propina, que foi chumbada com os votos contra do PSD, do PS e do CDS. Apresentamos propostas sobre a gratuidade dos manuais escolares, foi muito importante esta medida aprovada para Portugal, mas não é compreensível que para os Portugueses que vivem fora do território nacional, terem de pagar os manuais escolares e o material de apoio. Defendemos que deve ser garantida a gratuidade e o acesso à plataforma virtual, a contratação de mais professores porque só a contratação de mais professores é que vai permitir reforçar e alargar a rede do ensino de português no estrangeiro. Não se fazem omeletes sem ovos, qualquer discussão que tenha de ser feita sobre o reforço e a valorização da língua e da cultura, tem de ter por base um reforço do investimento público nessa garantia e da parte do PCP estamos obviamente disponíveis para continuar a acompanhar a própria discussão do Conselho das Comunidades que, em última instância, é quem mais tem refletido e debatido sobre estas matérias e vamos acompanhar essas posições. O PCP viabilizou este Governo que agora chega ao fim do mandato. Como avalia o trabalho do Secretário de Estado das Comunidades portuguesas? Foi um bom mandato? O Estado português tem obrigação constitucional de garantir o acompanhamento às Comunidades portuguesas e a sua ligação ao território, à língua e ao país e muito há por fazer, ainda mais num contexto em que muito ficou por fazer nos sucessivos Governos. Porque a Comunidade portuguesa no estrangeiro, e em particular na Europa mudou, tem hoje características diferentes, temos ciclos migratórios históricos que, tendo em conta as suas características, são pessoas que conhecem o movimento associativo, que estão integradas, mas temos também nos últimos anos, fluxos migratórios com outras características. Aumentou significativamente o número de Portugueses com qualificações que emigraram, mas continuam a ser pessoas com muito baixas qualificações a maior parte dos emigrantes. E isso obriga a medidas específicas de acompanhamento económico e social daqueles que emigram e das suas famílias. Sobre isso há muito a fazer. Em que se baseia para dizer que a maior parte dos emigrantes têm “muito baixas qualificações”? No último Relatório anual das migrações. O PCP, quando do último Governo do PSD e do CDS – quando houve fluxos recordes de emigração no país, só comparáveis com os tempos do fascismo – apresentou propostas na Assembleia da República, e creio que foi até aprovado por unanimidade que o Governo deve apresentar anualmente um relatório sobre as migrações e o último relatório confirma isso. Os dados do último relatório referem-se à “nova” emigração. Mas, como sabe, apesar do fluxo ter sido enorme, não deixa de ser pouco em relação aos milhões de Portugueses que já residiam no estrangeiro. Por isso, dizer que a maior parte dos emigrantes tem “muito baixas qualificações” não me parece fundamentado. Aquilo que eu digo é que os últimos anos houve um aumento significativo de profissionais com altas qualificações que teve de emigrar. Mas o Relatório diz que quem emigra, na maior parte, continuam a ser pessoas com baixas qualificações. Isto só quer dizer que a rede consular tem de ter um papel na garantia e apoio a questões relacionadas com certificação e com o acesso ao reconhecimento de competências e de validações científicas por parte de quem tem competências para isso, mas também um papel de proximidade para pessoas que estejam em situações de maior vulnerabilidade económica e social. E sobre isso, muito ficou por fazer e muito há ainda muito por fazer, ainda mais num momento em que a rede consular está completamente confrontada com problemas graves no seu funcionamento. Não apenas no mandato deste Secretário de Estado, mas também no mandato do Secretário de Estado anterior, em que houve um encerramento de postos consulares quando a emigração estava a aumentar. Isto não salvaguarda obviamente os direitos da Comunidade portuguesa. Nestas, como noutras matérias, as questões de investimento público e da necessidade de contratação de mais funcionários, mas também da modernização das instalações, é essencial e o PS, sobre isto, tem-se mantido preso a situações em que coloca o deficit e a dívida acima das necessidades dos Portugueses, seja dentro do território nacional ou fora dele. E isso acaba por negar direitos fundamentais.