Home Entrevistas Legislativas: Tiago Pinheiro quer mais cultura nas Comunidades portuguesasCarlos Pereira·1 Outubro, 2019Entrevistas Tiago Pinheiro, enfermeiro, de Lisboa, mas tendo residido cerca de 5 anos em Londres, agora a mudar-se de volta para Portugal, é o Cabeça de lista do Bloco de Esquerda pelo círculo eleitoral da Europa. O candidato tem sido um elemento ativo no núcleo do BE em Portugal, e foi escolhido desta vez para encabeçar uma lista que habitualmente era encabeçada por Cristina Semblano. Desta vez, a dirigente do Bloco de Esquerda na Europa é a número dois da lista candidata às Legislativas por este círculo eleitoral. LusoJornal / Carlos Pereira Quando começou a sua experiência de emigração? Eu tive um percurso profissional em Portugal, mas em 2014 decidi emigrar, até lá era ativista também na defesa dos direitos de trabalho, estive envolvido na primeira greve de Recibos Verdes em Portugal na linha Saúde 24 e dadas as condições no período da Troika, com uma perda grande de vencimento, acabei por emigrar. Continuei a ser enfermeiro, estive emigrado em Londres até ao mês passado, e estou agora por algumas razões familiares a tentar fazer o meu regresso a Portugal. Durante todo este tempo, tive sempre ligação ao Bloco evidentemente, ganhei aqui toda a sensibilidade e toda a experiência do que é ser emigrante e das dificuldades inerentes e estou a representar a voz dos emigrantes do Reino Unido e dos emigrantes de toda a Europa e das dificuldades que é, na verdade, ser Português fora de Portugal. Como se dá o salto de ser militante para ser candidato às eleições Legislativas? Já fui candidato pelo Bloco a nível autárquico em Portugal, sempre pertenci à Comissão de trabalho do Bloco, sempre estive ligado à luta pelo Serviço Nacional de Saúde e pelos Direitos laborais. No Bloco funcionamos muito assim, nós representamos mais do que uma pessoa, representamos ideias e mais do que ser a minha cara que está aqui hoje, é a ideia que ela representa. E o Bloco funciona assim, vai-nos chamando para alguns desafios e vamos respondendo a esses desafios com aquilo que é a nossa ideia, aquilo que continua a ser o nosso projeto enquanto partido, que está aqui muito bem enraizado dentro de nós. Como avalia a política de Comunidades que o Bloco de Esquerda validou com o seu apoio? Evidentemente temos de realçar que o recenseamento automático foi um ponto positivo. É o ponto mais positivo. E eu recordo da primeira vez que tive de votar enquanto emigrante de ter a surpresa de não poder votar. Uma pessoa mudava a morada no Cartão de Cidadão e depois tinha de se inscrever no Consulado, dizer que queria votar. Isto é, sem dúvida, o ponto mais positivo de todos. Depois, enquanto emigrante, tive necessidade de utilizar serviços consulares desde muito cedo, por circunstâncias de vida e logo desde muito cedo percebi que não conseguia fazer nada. Todo o tipo de documentação que eu tratei nos últimos 6 anos, documentação legal de que precisei, tive de ir a Portugal. A primeira vez que o fiz, por minha surpresa, estava na conversa com um funcionário e dizer-lhe que tive de ir a Portugal propositadamente e a senhora respondeu-me que era o normal. A minha experiência é essa. LusoJornal / Carlos Pereira Londres é um caso particular, há muitos anos que há queixas sobre o funcionamento daquele Consulado. Mas tem tido este tipo de queixas em relação a outros postos consulares? Tenho tido os mesmos ecos, mesmo que os funcionários continuem a dar mais do que o seu melhor, os serviços estão extraordinariamente sobredimensionados, não só em termos de recursos humanos e até recursos físicos, como em termos da abrangência de serviços que se pode ter. O caso mais evidente é que um cidadão pode casar num Consulado, mas não se pode divorciar, a uma dada altura não se consegue registar crianças, ou melhor, pode fazer, mas é difícil obter marcação para fazer esse registo. O que propõe o Bloco de Esquerda? Mais funcionários e mais Consulados? Abrir mais Consulados, sim, e se calhar estudar aqui a hipótese de dotar os Consulados de alguma mobilidade. Nós temos edifícios públicos que podiam ser usados, associações,… podíamos ter aqui alguns serviços satélite, para que os funcionários se desloquem uma vez por mês, uma vez todos os três meses,… Isso são as Permanências consulares que já estão a funcionar há muito tempo… É necessário disseminá-las mais. Mas isso não se faz sem mais funcionários. Existe também um novo fenómeno que nunca foi estudado. Há um grande número de pessoas que saiu de Portugal sem nunca ter mudado a morada fiscal, nunca chegam a ser emigrantes e que continuam a necessitar de apoio. Não podemos negar a estas pessoas o direito de continuar a ter apoio. Tal como existe um número significativo de pessoas que continuam a trabalhar no estrangeiro por temporadas, duas semanas no estrangeiro, depois voltam para Portugal… é também um grupo de pessoas que continua a necessitar de apoio, e neste momento, nenhum destes grupos conta como emigrantes em si. Esses não vão aos Consulados… Alguns deles poderão ter problemas para resolver. Se, por alguma distração, caduca um Cartão do Cidadão num destes países, não vão conseguir regressar a Portugal. Claro que pode fazer um Cartão do Cidadão ou tirar um Passaporte de urgência em qualquer Consulado. Mas depois não consegue marcação no Consulado… LusoJornal / Carlos Pereira Claro que sim, as urgências são atendidas. Há países que nem sequer existem serviços ou então estão nas grandes metrópoles. Quais as propostas do Bloco de Esquerda para motivar a participação cívica dos Portugueses que moram no estrangeiro? Antes de mais é necessário fazer com que eles se sintam Portugueses. O esforço de se adaptar a uma realidade noutro país é grande e as pessoas focam-se nisso e quando se tem tão pouco apoio do país de onde vêm, acabam por perder um bocadinho o contacto com ele. É necessário fomentar o ensino da língua, gratuitamente, e da cultura em si. É importante para que as pessoas continuem a ter um contacto com o seu país. Se já em Portugal a cultura é extraordinariamente difícil, obviamente que a trazer a algum país da Europa ainda mais difícil é, sobretudo para as estruturas que a trazem. Trazer muita cultura portuguesa aos outros países é essencial para que as pessoas não percam a ligação com Portugal. Deve-se incentivar, disponibilizar os próprios espaços consulares, associativos, financiar associações que promovam cultura… neste momento não existe nada disso, existe um distanciamento tão grande que se agrava ainda mais com os lusodescendentes e nós conseguimos entender que a faixa dos filhos dos emigrantes entre 20, 25 anos não têm qualquer contacto com Portugal, falam só o pouco português que ouviram em casa ou que ouvem naquelas férias que passaram na infância mas em termos de cultura não vai existindo nada. Em França ainda vai existindo alguma agregação da Comunidade portuguesa que vão fazendo algumas festas, alguns convívios, já na Inglaterra não existe absolutamente nada, o associativismo está muito atrasado, muito esquecido e eu acho que é preciso mesmo uma intervenção económica para trazer aqui pessoas, artistas, música… Houve um festival em Londres no ano passado com um artista plástico português que teve certas dificuldades, até para o próprio artista que trouxe música e trouxe exposições, a pouca divulgação da Comunidade e zero apoios. Estas situações têm de ser apoiadas e incentivadas. Tem de haver dinheiro disponível para que a cultura não fique só concentrada em Portugal, mas para que a cultura chegue a todos. Como se devia ajudar as associações? Eu acho que neste momento é necessário fazer alguns contratos programa com algumas associações, mediante programarem ou conseguirem organizar algum tipo de eventos. O próprio associativismo em Portugal não está fácil, as pequenas associações estão a desaparecer, há falta de apoios, nós temos de começar a investir mais nessa rede de apoios, investir mais dinheiro. A proposta do BE é ter mais meios financeiros para apoio às associações? Sim, pode ser pela Direção Geral dos Assuntos consulares, mas o Ministério da Cultura também tem de estar envolvido num programa de disseminação da cultura em si, de modo a que isto não seja apenas um assunto de emigração, mas um assunto de cultura em Portugal. Não deixamos de estar em Portugal, estejamos nós onde estivermos. Qual a proposta do Bloco de Esquerda em relação ao ensino de português no estrangeiro? Abolição da Propina no ensino de Português no estrangeiro, ensino gratuito para todos quantos queiram e ter este ensino para todos, que não seja só em grandes centros urbanos como acontece nestes países que falseiam aqui os números: os Estados Unidos, o Canadá e a Austrália, onde isto é simplesmente um anexo ao ensino privado. Portanto, que seja público, que seja gratuito e que seja abrangente a todos os níveis e que não seja apenas o que está a acontecer que são sessões de leitura e mais nada. Nós queremos um ensino estruturado de português para quem queira aprender português e que não sejam apenas sessões de leitura que qualquer um de nós pode fazer. LusoJornal / Carlos Pereira Sessões de leitura? O que quer dizer com isso? Os cerca de 80 professores de Português a lecionar em França, pagos pelo Instituto Camões vão apreciar o que está a dizer… Tem-se perdido muito daquilo que foi considerado como este ensino. Têm sido apenas sessões de leitura. Não me refiro àquilo que os professores fazem. O problema é que há cada vez menos professores e muito daquilo que é contabilizado como sessões de ensino de português, cada vez são menos. Defende ensino público pago pelo país de residência. Mas como vai fazer isso se é esse país que vai decidir se vai ou não ensinar português? Não, estamos a falar dos Consulados de Portugal disponibilizarem professores para ensinarem português. Seria melhor se, por exemplo, a França aceitasse ensinar o português como uma segunda língua a ser ensinada e acho que o próprio Estado poderia negociar isso, mas isso obviamente vai ser difícil, um país tão grande não vai querer que o português seja a sua segunda língua a ser ensinada. Mas parece-me extremamente bem incentivar o ensino de português. O português não precisa de se limitar aos Portugueses. Se nós conseguirmos mais pessoas a despertar curiosidade pela nossa língua, melhor. Temos orgulho naquilo que somos. Se for Deputado, o que vai mudar no seu comportamento? Ser Deputado tem sempre inerente a responsabilidade de representar os que nos elegem, já sabemos que no círculo da Europa, um Deputado tem obviamente uma representatividade teórica em termos de número de habitantes muito maior do que qualquer outro Deputado de qualquer outro círculo. Aquilo que tem sido exemplo do Bloco em termos de Grupo parlamentar, é que não há propriamente uma imposição partidária ou de pessoas com voz ausente, serei sempre uma voz presente. Aquilo que nós temos visto nas Legislativas passadas é que os Deputados eleitos, seja por que círculo for, pouco fazem. Não tem sido o exemplo do Bloco, um Grupo pequeno de Deputados, desde os dois iniciais até ao dia de hoje, continuam a ser os Deputados que mais propõem na Assembleia da República e assim vai continuar. Não pretendo ser diferente em termos de atividade, vou ser tão ou mais ativo, sempre tendo em mente todos estes problemas que eu trago inerentes e para os quais estou aqui para dar resposta.