Consistório israelita quer “dar nova vida” ao primeiro cemitério da “nação judaica portuguesa” em Bordeaux

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Em Bordeaux existe um cemitério privado, destinado à “nação judaica portuguesa” instalada na Gironde desde o século 16. Foi inaugurado em 1724 num terreno oferecido pelo comerciante armador David Gradis (1665-1751). E o atual Cônsul-Geral de Portugal em Bordeaux decidiu dar-lhe mais visibilidade e tem trabalhado nesse sentido, com o Consistório Israelita.

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Este é o primeiro cemitério israelita de Bordeaux, onde eram sepultadas as Comunidades portuguesa e espanhola, expulsas do país durante a Inquisição.

A sepultura mais antiga pertence a Ezéchias-Issac Peres e data de 14 de março de 1725, sendo a mais recente a de David Lameyra, enterrado a 29 de outubro de 1788.

David Gradis ofereceu este terreno à Comunidade porque até ali, as pessoas eram enterradas nos adros das igrejas e nos claustros. Até ao início do século 18, o terreno tinha mais de 4.000 m². Tinha cerca de 800 túmulos distribuídos por dezassete fileiras. Mas em 1911, um terço do cemitério (1.000 m²) foi expropriado pelo Ministério francês da Guerra “para aí instalar uma fábrica de armamento antes da I Guerra mundial”, explica ao LusoJornal Erick Aouizerate, o Presidente do Consistório israelita de Bordeaux.

Nessa altura, desapareceram 279 túmulos. As ossadas dos defuntos foram transladadas para o novo Cemitério israelita, situado no Cours d’Yser, mas todas as lápides foram reunidas na parte do cemitério não expropriada.

“Há muitos anos que o Cemitério da Comunidade judaica de Bordeaux é conhecido das autoridades portuguesas e da própria Comunidade, mas ao longo dos anos foi-se degradando, e a própria possibilidade de o visitar tornou-se cada vez mais escassa” afirma o Cônsul-Geral Mário Gomes. “Depois da minha chegada, uma das primeiras preocupações foi contactar o Consistório Israelita e renovar esses laços entre a Comunidade Israelita e o Consulado”.

Fazendo-o, Mário Gomes diz que está a “reivindicar para a Comunidade portuguesa, um espaço que em última análise começou por ser da Comunidade portuguesa. A nossa preocupação foi visitar o espaço, procurar ajudar o Consistório Israelita na sua recuperação e mobilizar a Comunidade portuguesa atual”.

O próprio Cônsul-Geral mobilizou alguns dirigentes associativos e funcionários do Consulado e começaram a limpar os arbustos e a vegetação que já cobria as campas.

 

Projeto de identificação em curso

Erick Aouizerate explica que o Consistório tem em curso um projeto de identificação de todas as campas com a ajuda de um historiador. “É um trabalho minucioso” confirma ao LusoJornal. Até porque são campas deitadas no chão e muitas foram ali amontoadas quando parte do cemitério foi expropriado.

O próximo passo é o de limpar todas essas as campas, uma a uma, fotografá-las e criar um site internet. “Junto a cada uma dessas campas, queremos pôr a história dos judeus portugueses enterrados aqui e quanto eles trouxeram a esta Comunidade ou à cidade”.

A relação entre o Consistório Israelita e o Consulado-Geral de Portugal “são muito boas” confirmam o Presidente do Consistório e o Cônsul-Geral de Portugal. Até porque os liga uma outra situação: a do Cônsul de Portugal em Bordeaux durante a II Guerra mundial, Aristides de Sousa Mendes, que salvou milhares de Judeus, passando-lhes vistos, à revelia de Salazar, para transitarem por Portugal e daí seguirem para outros destinos.

David Gradis, que doou o terreno para o cemitério, foi um dos maiores financeiros e comerciantes da região de Bordeaux. “Não só a família dele, como muitas outras famílias, tiveram aqui uma importância muito relevante. Estou a pensar nos Henriques, nos Rabat, nos Pereira” diz o Cônsul-Geral Mário Gomes ao LusoJornal. “Esta recuperação histórica da importância da Comunidade judaica portuguesa para o desenvolvimento económico desta região, ajuda-nos, por analogia, a fazer com que as próprias autoridades locais valorizem a Comunidade portuguesa no seu todo, incluindo obviamente a Comunidade portuguesa que nos dias de hoje contribui também para o desenvolvimento socioeconómico da região”.

“Se olharmos para a cidade de Bordeaux e para a sua toponímia, identificamos logo um conjunto de ruas, estações de metro, monumentos históricos com nomes portugueses…” afirma Mário Gomes.

A parede de vedação, a porta de entrada, o pavimento e o subsolo do cemitério foram inscritos na lista dos Monumentos Históricos a 27 de setembro de 1995. “Nós trabalhamos muito com o Posto de Turismo de Bordeaux e os guias vêm aqui regularmente a este cemitério, pela sua história e valor patrimonial” confirma Erick Aouizerate. O Consistório já contactou um arquiteto paisagista e pretende dar, por assim dizer, “uma nova vida a este cemitério”.

 

Tradição portuguesa mantém-se na Sinagoga

O Presidente do Consistório diz conhecer famílias de descendentes de pessoas sepultadas neste cemitério, como os Torres ou os Cardoso. Manuel Pereira Guimarães, por exemplo, é um historiador e trabalha muito neste projeto. Michel Cardoze, o conhecido apresentador do boletim meteorológico da televisão francesa “vem muitas vezes aqui, assim como a família Mendes com quem nós mantemos muitas relações” diz Erick Aouizerate.

“Estas famílias, que nós conhecemos, ainda estão muito voluntárias para que se preserve este cemitério e esta história. É por isso, por exemplo, que nós viemos aqui todos os anos, com o Rabino de Bordeaux, prestar a homenagem ao primeiro Rabino da Comunidade portuguesa que está enterrado aqui, Ruben Falcão” explica Erick Aouizerate. “Mas para nós, a memória dos Portugueses, está inscrita nos nossos ofícios de todos os dias porque nós guardamos a ‘Minar’ uma tradição portuguesa”.

Quando chegou a França, “a Comunidade judaica portuguesa trouxe muitas coisas que nós conservamos ainda hoje. No Consistório Israelita, nós temos de guardar o rito sefardita. Claro que nós cantamos em hebreu, como em todas as outras Sinagogas, mas também temos cantos e liturgias que foram trazidas pela Comunidade judaica portuguesa que veio para Bayonne, Amsterdão ou Bordeaux. Nós ainda cantamos em ladino nas festas” explica Erick Aouizerate.

O Consistório Israelita quer agora restaurar o órgão da Sinagoga porque “a nossa Sinagoga foi utilizada como prisão durante a II Guerra Mundial e o órgão foi vandalizado”.

 

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LusoJornal