Home Cultura Concerto de “Sou” no Théâtre de Bry-sur-Marne promete ser “noite inesquecível”Carlos Pereira·29 Setembro, 2022Cultura [pro_ad_display_adzone id=”37509″] A associação Gaivota organiza esta sexta-feira, dia 30 de setembro, um concerto com o artista franco-português “Sou”, no Théâtre de Bry-sur-Marne, para apresentação do álbum com o mesmo nome. “É o meu primeiro álbum e, por isso mesmo, o álbum da minha vida” disse Sou ao LusoJornal, em língua mirandesa. “Sou” nasceu em França e sempre guardou uma forte ligação com a terra de origem dos pais, no Planalto Mirandês, no nordeste transmontano. “A minha língua materna é praticamente o mirandês. Os meus pais falavam o mirandês em casa, aliás falavam sendinês, que é uma variedade do mirandês e eu sempre ouvi falar essa língua em casa. Apenas ouvia falar português quando estávamos na Comunidade portuguesa. Aliás eu aprendi o português bastante tarde, para fazer o 12º ano em França”. Como todos os filhos de emigrantes, o jovem Alain passava o verão em Portugal, de férias com os pais. “Eu tive a sorte de viver todos os rituais de Portugal, bastante diferentes dos rituais daqui. Havia sempre música, era algo muito importante. Nos bailes tínhamos uns conjuntos de muito boa qualidade, que tocavam toda a noite e eu aproveitei esses concertos – porque eram mais do que bailes, eram verdadeiros concertos – e guardei sempre essa ligação à música, à amizade dos jovens que lá encontrei”. Não é de estranhar que depois tenha ficado muito ligado à cultura mirandesa e hoje continua com vontade de aproximar ainda mais as suas duas culturas. O “cartão de visita” de Sou, pode mesmo ser essa procura da pluralidade das suas raízes. Nasceu em França, estudou em França, aprendeu música clássica e enveredou depois pelo jazz, pelo blues, pelo canto lírico, já que é contratenor, gostando particularmente da música barroca. “A minha identidade não se pode reduzir à cultura mirandesa, claro. É uma parte muito importante da minha identidade, do meu ser, porque é a cultura dos meus pais, são as minhas raízes, mas é apenas uma faceta de mim. Outra faceta é o Zeca Afonso e a ligação que pode ter o Zeca Afonso com a cultura mirandesa faz-se através da poesia do Amadeu Ferreira, o grande defensor da cultura mirandesa já falecido” explica o artista. Nota-se o fascínio de Sou pelas canções de Zeca Afonso e pelo percurso poético, musical e de defesa da cultura mirandesa de Amadeu Ferreira. “Há uma filiação entre os dois. Os temas tratados têm a ver com a natureza, com o povo, com as condições de vida do povo, pelo menos no início da segunda parte do século XX, antes do fim da ditadura, quando o povo português se encontrou numa situação económica muito difícil, onde o povo tinha de trabalhar muito para sobreviver” explica. Não é tanto pelo registo da canção de intervenção que Sou gosta de Zeca Afonso, mas é sobretudo “pela forma de escrita fotográfica do povo português, do povo de uma região” explica ao LusoJornal. E vai mesmo até comparar a escrita muito poética de “Mulher da Erva” de Zeca Afonso, com o tema de Amadeu Ferreira “Por Caminhos e Ladeiras”, “que fala de uma mulher que se bate contra a natureza difícil de Trás-os-Montes, com 9 meses de inverno e 3 meses de inferno” explica Sou. “As condições climáticas do Planalto Mirandês eram e ainda são muito adversas e essa mulher tem de sobreviver vendendo um dia sardinhas e outro dia ir roubar lenha”. O álbum – e por conseguinte o concerto desta sexta-feira – tem alguns temas “mais fortes” de Zeca Afonso, que têm a ver com a condição humana, o planeta, o amor perdido, temas de “Cantigas do Maio”, mas também uma “Grândola Vila Morena” revisitada. “Muitas vezes pedem-me para cantar a Grândola, mas eu não me sinto um cantor de intervenção, sou um cantor com a minha sensibilidade, com as minhas influências, mas encontrei nessa canção do Zeca Afonso – sobretudo conhecendo as origens dessa canção, como ela nasceu, que era uma forma de agradecimento aos amigos de Grândola – imaginei-o na frente daquela azinheira, sozinho, sentado no chão, com a sua guitarra e a sua voz, nesse planalto alentejano, e fez-me sentir que era nessa via da interpretação da Grândola que eu tinha de ir” contou numa entrevista ao LusoJornal quando o álbum ainda estava em estúdio de gravação. Canta também “Senhor Arcanjo”, uma canção de intervenção, mas cujo tratamento “muito surrealista na maneira de escrever, interessa-me muito, porque além de dizer coisas sobre a situação da época, também traz ao ouvinte um imaginário e eu tento com a minha interpretação e os arranjos musicais que fiz, traduzir num estilo World-Music”. No álbum não haverá canções de Amadeu Ferreira, mas há a sua poesia. “São poemas que eu musiquei, que também me deram a oportunidade de criar, a partir do meu imaginário, ligações com vários estilos ligados ao jazz, à música contemporânea, e também ir até alguma música mais folk”. “Sou” chama-se, na realidade, Alain Paulo. Ao mudar de nome artístico, há cerca de 10 anos, foi também uma forma de afirmação pessoal. “Comecei a encontrar uma identidade própria, comecei a sentir-me mais afirmado, mais ligado às minhas culturas, tanto do lado mirandês, como do lado mais literário português, como ainda do lado mais musical, que no fundo é a minha formação musical francesa” explica ao LusoJornal. “Neste projeto encontrei uma forma de aglomeração de todas estas influências e hoje, quando eu canto lírico sou eu próprio, quando canto Zeca Afonso, ele escreveu coisas tão universais que eu sinto que quase fui eu que as escrevi – com muita humildade, claro – sinto-me existir através dos seus textos, igualmente com os textos de Amadeu Ferreira. Eu também já estou na fase da composição de algumas canções minhas, então eu penso poder dizer hoje que eu Sou. Eu Sou eu próprio, nem mais nem menos”. Este concerto no Théâtre de Bry-sur-Marne é pois um momento muito importante para “Sou” e vai certamente ser uma noite inesquecível. O artista franco-português vai apresentar-se com os seus músicos: Aurore Daniel, Maxime Pérrin, Florian Juillard, Patrício Lisboa e Guillaume Arbonville. A organização está a cargo da associação Gaivota, presidida por Maria-José Henriques, que também já mostrou ter a chave para a organização de eventos inesquecíveis. Sexta-feira, 30 de setembro, 20h30 Théâtre de Bry-sur-Marne Rue Paul Barilliet 94360 Bry-sur-Marne Infos: 06.64.13.48.94 [pro_ad_display_adzone id=”46664″]