25 de Abril : «Estava em Cabinda, mas a Revolução não me surpreendeu»Chico Correia·Opinião·25 Abril, 2024 Quando se deu o 25 de Abril de1974 tinha eu um pouco mais de 21 anos e encontrava-me em Cabinda (Angola) em serviço militar. Tendo chegado uns dias antes de Luanda para uma missão especial naquele enclave, eu encontrava-me na mata, sabendo só da Revolução dois dias depois, quando do regresso à nossa base provisória na aldeia de Belize. Por conseguinte, não participei no Golpe de Estado, mas posso, contudo, dizer que a Revolução não me deixou surpreendido. Com efeito, tendo ido de França em abril de 1973, depois de 5 anos passados neste país, fui para cumprir o meu dever militar e ao longo do ano que se passou entre o momento que assentei praça e o momento em que se deu a Revolução, vários casos me levaram a perceber que algo se estava a tramar. O primeiro caso deu-se na escola de sargentos, no R5, das Caldas da Rainha. Vinha eu de terminar a recruta à qual deu seguida o Juramento de Bandeira. Quando chegou o momento da separação, depois de 3 meses de vida partilhada, cada elemento do grupo já sabia da etapa seguinte numa outra unidade, a fim de seguir uma especialidade. O meu destino estava traçado, seria o CIOE em Lamego onde iria tirar o curso de Comandos. Como forma de despedida, organizámos um jantar de convívio entre membros do mesmo pelotão. O jantar decorria num ambiente quase festivo entre nós, quando o Comandante da Companhia apareceu no restaurante. O nosso Comandante era o Tenente Varela, um madeirense, bom militar, mas com ideias um pouco revolucionárias, que já lhe tinha custado uma despromoção. Depois de saudar toda a malta, perguntou ao meu oficial instrutor presente no jantar, qual era o elemento que foi de França para fazer a tropa. Fui designado pelo Chefe de pelotão. O Comandante Varela chamou-me ao lado com duas cervejas na mão e instalamo-nos numa mesa ao fundo da sala. “Está à vontade”, disse, e estendendo a mão passou-me uma cerveja e continuou: “Eu agora deixei de ser o teu Comandante, por isso está à vontade”. Começou por me perguntar como era a vida em França. Fui respondendo o melhor que podia, falando do que vi por exemplo em Maio de 1968 entre outras coisas. Mas apercebi-me que a conversa ia fugindo para o campo político. Fui forçado a dizer: “Meu Comandante, eu de política não percebo nada, nunca fiz, nem nunca me interessei”. Aí o meu Comandante saiu-me uma frase que nunca mais esquecerei: “Todos nós fazemos política mesmo sem saber. Tu sabias que tua mãe ao te dar à luz cometeu um ato político?”. E prosseguiu “uma mãe ao dar à luz, ninguém sabe se um dia o recém-nascido não vai ser um Ministro ou mesmo um Presidente.” Ousei colocar a questão: “O meu Comandante quer fazer uma revolução?”. Com um sorriso maroto ele respondeu: “Mas que ideia!”. Falamos mais um pouco, mas de tropa, e despedimo-nos, ele desejando-me boa sorte para o meu curso de Comandos. No dia seguinte lá fui para Lamego, nunca mais ouvi falar no Tenente Varela, mas nunca mais esqueci a nossa conversa. Três meses mais tarde, o curso de Comandos terminado, passaram-se quase três semanas de espera até ao momento de embarcamento para Angola. Foi precisamente num desses três fins-de-semana em que fiquei no quartel de serviço como Sargento de Dia, em que um segundo caso se deu. No quartel aos fins de semana, apenas ficavam aqueles se encontravam de serviço, e aqueles que moravam distantes, caso dos Madeirenses, Açorianos, dos Algarvios ou ainda Alentejanos. Depois de toda agente ter partido do quartel, pude presenciar que quatro Oficiais instrutores, colocavam nas malas de dois carros, armas automáticas tentando dissimular. Manifestei a minha presença, e ao ver-me um dos Oficiais, o Capitão Diogo disse-me. “Tu não abres o bico, tu não viste nada, senão já sabes o que te acontece”. Apesar da ameaça perguntei: “Mas que vão fazer com essas armas?” Só tive como resposta: “Caça grossa”. Fiquei com a minha dúvida. Os dias passaram, e no dia 7 de dezembro cheguei a Angola, onde com os meus soldados fomos integrar uma companhia já presente, a 2044. Era Comandante o Alferes Antunes de Sousa. A 17 de março 1974, encontra-me na messe de sargentos, no Grafanil, quando chegou a notícia que no dia anterior tinha havido uma tentativa de Golpe de Estado por parte de certos Oficiais do RI5 das Caldas da Rainha, entre os quais o meu ex-Comandante, o Tenente Varela. Para com os meus botões, pensei, “afinal eu tinha razão, ele sempre estava a preparar um Golpe de Estado”. Uma semana mais tarde, os Oficiais que eu vira esconderem armas em Lamego, chegaram a Luanda, para tomarem o comando de companhias, sobretudo o Capitão Diogo (esse mesmo que me ameaçara) que passou a comandar a companhia 2044 à qual eu e os meus soldados pertencíamos. Poucos dias depois, embarcamos num avião para Cabinda onde permanecemos 1 mês para executar duas missões. Foi durante a nossa presença em Cabinda que soube que Pompidou, o Presidente francês, faleceu, e que no dia 27, depois de 4 dias na mata, soube do Golpe de Estado, tinha sido bem-sucedido no dia 25. De regresso a Luanda, vim a saber que os Oficiais que tinham chegado de Lamego um mês atrás, tinham como missão preparar o terreno no caso que a Revolução do 25 de Abril falhasse, para acolher os Capitães da Revolução, assim que os prisioneiros da tentativa falhada do mês de março uma vez que enquanto decorria a Revolução, o boeing 707 da Força Aérea Portuguesa se encontrava na Portela, pronto a descolar com os Oficiais revolucionários. O objetivo seria acolher os Oficiais e pedir a independência de Angola. Nada disso foi preciso, e ainda bem. Quanto a mim, se fiquei felicíssimo com o sucesso da Revolução, tive contudo duas grandes deceções. A primeira, o facto de ter ficado ainda mais doze meses em Angola, e a segunda, aquando do meu regresso ao continente, a 18 de abril de 1975, pude testemunhar como em Portugal reinava um clima malsão e uma grande instabilidade política. Passando à disponibilidade no dia 25, resolvi não me atardar no país. A 1º de Maio desse ano, já me encontrava novamente em França vindo a salto. . Chico Correia Dijon