Saúde : Misofobia: quando a mania da limpeza é um sofrimento_LusoJornal·Saúde·28 Abril, 2025 A misofobia, medo obsessivo e irracional de germes, sujidade ou contaminação, é, na verdade, uma manifestação clínica da Perturbação Obsessiva Compulsiva (POC). Esta perturbação é muito mais do que simples manias ou esquisitices. São sintomas de um sofrimento emocional profundo que foi codificado em padrões mentais rígidos. A POC caracteriza-se por duas dimensões principais: as obsessões, que são pensamentos intrusivos, repetitivos e angustiantes; e as compulsões, que são comportamentos repetitivos ou atos mentais que a pessoa sente necessidade de realizar para aliviar a ansiedade provocada por essas obsessões. No caso da misofobia, a obsessão gira em torno da ideia de contaminação, e a compulsão pode traduzir-se em lavagens constantes, desinfeções exageradas ou evitamento de qualquer potencial “risco”. É importante dizer que estas pessoas sabem, muitas vezes, que os seus medos são exagerados. Mas não os conseguem controlar. A mente racional perde força perante o domínio da mente emocional. É aqui que a psicoterapia se torna fundamental para restaurar esse equilíbrio e tratar a causa, e não apenas o sintoma. A misofobia pode surgir em qualquer idade. No entanto, é mais comum que se manifeste durante a adolescência. Esta é uma fase de grande transformação interna, onde o jovem começa a desenvolver maior consciência do corpo, do ambiente e do risco, o que pode amplificar medos que estavam latentes. Apesar dessa prevalência, é importante sublinhar que o surgimento da misofobia não está diretamente ligado à idade, mas sim a experiências emocionais vividas de forma intensa. Pode surgir após episódios traumáticos, situações de doença, educação muito rígida em relação à higiene ou até momentos de perda de controlo. A idade é apenas o cenário. O que a desencadeia, verdadeiramente, é a carga emocional associada a essas vivências. A misofobia é uma forma de Perturbação Obsessivo-Compulsivo (POC). Trata-se de uma manifestação concreta dessa perturbação, em que o foco da obsessão está no medo constante e irracional de germes, sujidade ou contaminação. No POC, a mente fica presa num ciclo de obsessões, pensamentos repetitivos, intrusivos e angustiantes, seguidos de compulsões, que são comportamentos realizados para tentar aliviar essa ansiedade. No caso da misofobia, isso traduz-se em atos como lavar constantemente as mãos, evitar tocar em superfícies, usar luvas ou desinfetantes em excesso, ou mesmo evitar o contacto com outras pessoas. É importante perceber que, apesar de muitas vezes parecer um comportamento “exagerado”, quem sofre de POC sente um verdadeiro terror interno. Não é uma escolha, nem uma mania. É um mecanismo psicológico de proteção que, com o tempo, se torna disfuncional e limitador. A origem da misofobia costuma estar ligada a eventos vividos como traumáticos, sendo muito comum surgir após episódios intensos de ansiedade, como ataques de pânico. Nestes casos, a pessoa associa o mal-estar físico e emocional à presença de germes, criando uma ligação entre o medo e a contaminação. A mente, num esforço de sobrevivência, procura controlar o ambiente externo para evitar reviver o sofrimento interno. A educação também pode ter um papel importante, mas não como causa isolada. Quando a pessoa já passou por experiências de pânico ou ansiedade extrema, um historial educativo muito rígido em relação à higiene, com hábitos de limpeza exagerados ou mensagens constantes de alerta e punição, pode amplificar ainda mais o problema. É como se a mente encontrasse “provas” que confirmam o seu medo, tornando o comportamento obsessivo ainda mais enraizado. Assim, o que começa por ser uma reação de proteção pode, com o tempo, transformar-se numa prisão comportamental. Os sintomas da misofobia são bastante característicos e, muitas vezes, visíveis para quem está de fora. O mais evidente é o medo constante e desproporcionado de contaminação. Isto pode levar a comportamentos como lavar as mãos repetidamente, limpar objetos e superfícies de forma obsessiva, evitar o contacto físico com outras pessoas, não tocar em maçanetas, não usar transportes públicos, e até recusar-se a sair de casa em determinadas situações. É também comum o uso exagerado de desinfetantes ou luvas, a troca frequente de roupa, e uma constante sensação de desconforto ou ansiedade quando a pessoa sente que está “em risco”. Muitas vezes, há rituais mentais associados, como rever mentalmente tudo o que tocou, ou evitar certos pensamentos considerados “contaminantes”. O sofrimento psicológico é intenso. A pessoa sente-se refém dos seus próprios pensamentos e comportamentos. Não é uma escolha, é um padrão de resposta que se instalou e, com o tempo, se automatizou. A misofobia pode ter um impacto profundo e debilitante tanto na vida social como na vida profissional. Muitas vezes, a pessoa começa por evitar pequenas situações, como dar apertos de mão, partilhar objetos ou frequentar espaços públicos. Mas, com o tempo, esse evitamento alarga-se e toma conta da rotina. No trabalho, pode tornar-se difícil usar transportes públicos, partilhar uma secretária, tocar em equipamentos comuns ou até permanecer num espaço com outras pessoas. Isto pode levar a faltas, baixa produtividade e, em muitos casos, ao isolamento total. Na vida social, o efeito é igualmente devastador. A pessoa evita encontros, festas, refeições fora de casa, ou qualquer tipo de contacto físico. Mesmo dentro da família, pode surgir a distância, recusando abraços, afastando-se dos filhos, dos parceiros ou dos amigos. A misofobia vai, pouco a pouco, roubando a liberdade. A pessoa deixa de viver, começa apenas a sobreviver dentro de um conjunto rígido de regras criadas para evitar o medo. E é aí que o sofrimento atinge o seu auge. Existem estratégias que podem ajudar a aliviar o impacto da misofobia no quotidiano, mas é importante perceber que são apenas formas de gestão temporária do sintoma, não resolvem a origem do problema. Técnicas de respiração, rotinas bem definidas, prática de mindfulness e o desenvolvimento de uma maior consciência sobre os próprios pensamentos e comportamentos podem trazer algum alívio. No entanto, estes recursos funcionam como um penso rápido. O que realmente faz a diferença é tratar a causa. E para isso, a psicoterapia é fundamental. Os modelos mais eficazes no tratamento da misofobia são a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e a psicoterapia HBM. Ambos trabalham o processo emocional e mental que está na base da fobia, ajudando a pessoa a reformular os pensamentos distorcidos e a ganhar controlo sobre os seus comportamentos. Só quando se trabalha o núcleo emocional que alimenta o medo é que é possível libertar-se verdadeiramente da fobia. A misofobia trata-se essencialmente através de psicoterapia. É esse o caminho mais eficaz e duradouro. A medicação pode ser usada em alguns casos para atenuar a ansiedade, e pode, de facto, trazer algum alívio nos momentos de maior intensidade emocional, mas é importante dizer com clareza: a medicação não resolve o problema. Atua apenas nos sintomas, não na causa. A verdadeira mudança acontece quando se trabalha o que está por detrás do medo. É aí que a psicoterapia tem um papel fundamental. Modelos como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e, especialmente, a psicoterapia HBM, permitem à pessoa compreender os mecanismos mentais e emocionais que alimentam a fobia, desmontá-los e construir uma nova forma de estar. É nesse processo de reconexão interna que está a cura. Com acompanhamento terapêutico adequado, é perfeitamente possível ultrapassar a misofobia e recuperar qualidade de vida. É possível ultrapassar a misofobia por completo. Embora o caminho possa ser desafiante, a experiência clínica mostra que, com o acompanhamento certo, a pessoa pode recuperar totalmente a sua liberdade e qualidade de vida. A psicoterapia é a chave para essa transformação. Em particular, a psicoterapia HBM, que tem mostrado resultados muito promissores, permite trabalhar a fundo os padrões emocionais e mentais que estão na origem do problema. Ao aceder à raiz do medo, à história emocional que o alimenta, é possível ressignificar essa experiência e libertar a pessoa dos comportamentos compulsivos. Não se trata apenas de “aprender a lidar”. Trata-se de resolver. E sim, é possível. Já vi acontecer muitas vezes. . Dr. Pedro Brás Psicoterapeuta Diretor da Clínica da Mente