Opinião: Até parece que nos têm raiva


Raiva a nós, os portugueses no estrangeiro, de parte de vários governos e políticos que durante as campanhas eleitorais demonstram grande interesse pelos problemas da emigração, mas logo que terminam as ditas depressa se esquecem das promessas feitas.

O assunto mais recente e que abertamente mostra o pouco que os portugueses no estrangeiro valem para os governantes em Portugal foi a decisão do Ministro Manuel Castro Almeida, que seguidamente ao grave surto de incêndios durante o verão declarou sem hesitação que os apoios previstos visando construção ou reabilitação de habitações permanentes e alojamento urgente e temporário excluiriam emigrantes que tivessem tido casas destruídas ou danificadas.

Muitíssimo correta a decisão, Sr. Ministro! Então os portugueses no estrangeiro, que enviam anualmente milhares de milhões de euros para o país que consideram como seu, que apoiam a economia portuguesa adquirindo imóveis e pagando impostos, pessoas que trabalham, poupam e fazem sacrifícios para poder adquirir uma casa em Portugal, que não é uma casa de férias mas habitação para o resto da vida, para eles e para a sua família, caso tenham tido habitações e bens destruídos ou danificados por incêndios causados tantas vezes por mão criminosa, nada recebem, sendo bom que tenham seguros, pagos, como a casa, com o dinheiro fruto de trabalho no estrangeiro, porque o Estado Português não vê razão para os indemnizar.

Lamentável que o Sr. Ministro pertença àquela triste fação que pensa que os emigrantes são todos “ricos”, que têm casas em Portugal e no estrangeiro, onde na verdade vivem em habitações arrendadas, porque a “casa”, a sério, é em Portugal.

Casa agora talvez destruída e sem ajuda para reconstruir.

Infelizmente não é a primeira vez que isto acontece, já em 2022 vários pensionistas portugueses, com modestas pensões pagas por Portugal, foram excluídos do complemento adicional de pensão, sob o muito débil argumento de que não residiam no país.

Mas em que se baseiam para afirmar que se é ou não residente em Portugal? É obrigatório estar lá 365 dias por ano ou ter no Cartão de Cidadão a morada portuguesa? Caso assim seja, quem viver parcialmente no estrangeiro fica imediatamente excluído da possibilidade de voto por correspondência.

Os cidadãos estrangeiros que adquirem um imóvel em Portugal têm direito a redução de impostos e até a um Visto Gold.

Aos emigrantes portugueses com casa em território nacional são recusadas ajudas estatais por não serem “residentes”.

Para os estrangeiros sim, para os portugueses não, embora estes desde há largas décadas contribuam para a economia portuguesa, sem praticamente nada receber de volta.

Na verdade, foi sempre assim. Tudo o que seja a favor dos portugueses no estrangeiro é considerado “caro”.

Em 1998 a Secretária de Estado da Educação, Ana Benavente, referia-se aos professores de Português no estrangeiro como os “emigrantes ricos”, embora fossem apenas cerca de 600 a nível mundial e com salários bastante inferiores relativamente àqueles auferidos pelos docentes locais.

Com esta treta política dos professores no estrangeiro “caros” em 2006 reduziram-lhes os vencimentos, o que levou a uma larga saída de docentes que regressaram às suas escolas em Portugal.

Mas a poupança não bastou, pois logo surgiu a deplorável teoria de ser “melhor” que a Língua Portuguesa só fosse ensinada nas escolas dos países de acolhimento como língua estrangeira, com custo zero para o Estado Português, pois seriam os tais países a suportar as despesas, teoria recentemente apoiada em Assembleia pelo então presidente da mesma, Augusto Santos Silva, ex-MNE, que não teve qualquer pejo em declarar que seria bom o Português ser disciplina nas escolas locais, porque onde não pudessem colocar um professor, leia-se onde não quisessem, as crianças portuguesas poderiam aprender Português como língua estrangeira, sem nada saber sobre a cultura, a História e a Geografia do seu país de origem.

No poupar é que está o ganho! E como é preciso poupar, nos primeiros anos até o porte de correio do voto por correspondência era pago pelos votantes, injustiça só terminada através de intervenção do Bloco de Esquerda.

Isto não significa que não se pague para votar, claro que se paga! Principalmente, caso se resida a centenas de quilómetros do Consulado, nos casos de voto presencial, como irá suceder em janeiro com as eleições para a presidência da República.

Em 2013 o então Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Cesário, voltou à carga com os “professores caros”, um professor no estrangeiro para ensinar Língua e Cultura Portuguesas aos filhos dos emigrantes era muito caro, custava três vezes mais que um professor em Portugal, por isso era preciso que os pais dos alunos ajudassem pagando uma propina de 100 euros anuais para que os seus filhos tivessem direito às aulas de Português previstas na Constituição.

Uma pequena contribuição, os portugueses no estrangeiro são todos ricos, não é?

Afirmar que um professor de Português no estrangeiro era muito mais caro que um professor em Portugal era um cálculo sem qualquer base pois o número de professores portugueses não chegava a ser um terço sequer daqueles que lecionavam em Portugal, mas o que interessava era fazer propaganda para chegar aos bolsos dos pais que queriam que os seus filhos estudassem a sua língua e cultura de origem.

O fim desta triste história já é conhecido. Após 32 anos com tutela do Ministério da Educação e ensino gratuito para todos os alunos, portugueses ou não, a partir de 2013 os portugueses na Alemanha, Suíça e Reino Unido pagaram para terem aulas de Português Língua Estrangeira e um certificado inútil da mesma vertente. Nos restantes oito países do sistema ninguém pagou nada, havia muitos alunos estrangeiros que a entidade portuguesa não quis ofender. Foram 12 anos com três países a pagar e oito a olhar e a usufruir.

Em consequência o número de professores e de alunos desceu para metade, o que também é poupança. E os poucos professores restantes desde 2009 não têm aumento de ordenado nem subsídio de instalação. Mais poupança ainda.

E para onde foi a verba de cerca de 18 milhões de euros que rendeu a vergonhosa propina? Foi, como os responsáveis já tinham informado, aplicada no processo de certificação que o Instituto Camões instituiu nos Estados Unidos, Canadá, Venezuela, Austrália e Nova Zelândia, colocando coordenadores de ensino para fazerem propaganda junto dos portugueses nesses países dos manuais e certificados do Instituto, Português Língua Estrangeira, que os portugueses pagam e até se acham apoiados pois durante anos tinham sido ignorados.

Também pagam 60 euros de propina nos cursos que aí funcionam, porque na “rede apoiada”, como lhe chamam, a propina não acabou. Nem consta que acabe, porque afinal o que interessa é poupar com os portugueses no estrangeiro.

Tudo isto com a anuência, indiferença ou conivência de vários governos, incluindo o atual.

Será que nos têm mesmo raiva?

Ou simplesmente não querem saber?

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Maria Teresa N. Duarte Soares

Secretária-Geral

do Sindicato dos Professores nas Comunidades Lusíadas (SPCL)