LusoJornal | Carlos PereiraManuel do Nascimento apresentou livro em Paris para desmistificar o soldado MilhõesCarlos Pereira·Cultura·23 Dezembro, 2025 O escritor e historiador Manuel do Nascimento apresentou na semana passada, na Casa de Portugal André de Gouveia, na Cidade universitária internacional de Paris, o livro “Aníbal Augusto Millaes/Milhais” sobre o soldado “Milhões”, herói da Batalha de La Lys, de 9 de abril de 1918, no norte da França. Aníbal Augusto Milhaes – a capa do livro tem uma gralha assumida pelo autor, que escreveu Millaes em vez de Milhaes – nasceu na aldeia de Valongo – que mais tarde se tornou Valongo de Milhais, em homenagem ao soldado – no concelho de Murça, distrito de Vila Real. Nasceu a 9 de julho de 1895, filho de António Manuel e de Humbelina Rosa Milhaes. Órfão de pai e mãe desde criança, foi incorporado a 13 de maio de 1916, no Regimento de Infantaria 30 de Bragança. Um ano depois, no dia 23 de maio de 1917, o soldado de Infantaria n°469 embarcou em Lisboa, rumo a Brest, integrando o Corpo Expedicionário Português (CEP) que combateu no norte da França durante a I Guerra mundial. Aníbal Augusto Milhais recebeu a mais alta condecoração militar portuguesa. Nem antes dele, nem depois, nenhum outro soldado raso recebeu tamanha condecoração, atribuída em geral aos mais altos graduados. O livro de Manuel do Nascimento tenta enquadrar aquilo que se tem dito sobre o soldado Milhões. Logo no subtítulo, recorreu a Fernando Pessoa para escrever que “O mito é o nada que é tudo”. Baseado nas gravações das entrevistas feitas ao soldado Milhões, Manuel do Nascimento demonstra no livro que no dia da Batalha de La Lys ele não estava, contrariamente ao que diz, em La Couture, mas sim em Huit Maisons, assume que o diálogo que é atribuído entre o soldado Milhões e um oficial escocês não poderia ter acontecido porque nem o oficial escocês falava português, nem o soldado Milhões falava inglês, questiona o que Milhões teria comido e bebido se andou 14 dias perdido, e põe mesmo em questão a célebre réplica de Ferreira do Amaral “Tu és Milhais, mas vales Milhões”. “Eu não consegui ler isto em nenhum sítio” garante Manuel do Nascimento. “Tanto foi dito e escrito à volta do soldado Milhões, mas ainda há muitas coisas obscuras” escreve o autor do livro. “Na leitura dos relatos feitos por Milhões é de notar que, muitas vezes, os acontecimentos não se cruzam e, por vezes existem versões diferentes para o mesmo caso e nem sequer fazem referência à língua que falavam ou como conseguiam comunicar em línguas diferentes, como, por exemplo, no encontro entre Milhões e o soldado escocês. Como se conseguiriam compreender se cada um falava a sua língua?”. Na verdade, Manuel do Nascimento também lembra que o Estado Novo só começou a interessar-se pelo soldado Milhões 49 anos depois da Batalha de La Lys. Quase 50 anos depois, a memória já não é a do jovem militar do CEP que, para mais, não sabia ler nem escrever. Nestas condições, é natural que os relatos que deixou já perto do fim da vida, estejam incompletos, sejam até contraditórios e com falta de precisão. Na apresentação feita na Casa de Portugal, Manuel do Nascimento – que já publicou 23 livros, alguns em português, como este sobre o soldado Milhões, e outros em francês, 6 dos quais sobre a participação de Portugal na I Guerra mundial – voltou a apresentar números sobre os mortos, desaparecidos e prisioneiros portugueses durante a I Guerra mundial, destacando o “trabalho imenso” que tem estado a fazer com as milhares de páginas da Cruz Vermelha, com a lista de todos os soldados portugueses que foram presos, feridos ou mortos.