Alberto Martins falou dos 50 anos da Crise universitária de Coimbra em Saint Germain-en-Laye

Na quarta-feira 13 de novembro, a Secção portuguesa do Liceu internacional de Saint Germain-en-Laye programou uma conferência-debate com Alberto Martins, sobre os 50 anos da Crise académica da Universidade de Coimbra. O evento teve lugar no auditório do Château Hennemont, no interior do espaço do Liceu, e contou com a presença também de alunos do Liceu Montaigne de Paris.

Há 50 anos, Alberto Martins era o Presidente da Associação Académica de Coimbra e quando foi inaugurada a Faculdade de Matemática, levantou-se e pediu a palavra ao Presidente da República.

“Houve uma reunião antes e ficou decidido que eu devia pedir a palavra, se houvesse condições para isso” explicou Alberto Martins aos alunos. “Confesso que não dormi a pensar na importância dessa tomada de decisão”.

Alberto Martins contou que entrou na sala, onde estava um lugar reservado para o Presidente da Associação Académica, no meio de outras personalidades de outras instituições. “Foi um momento de grande solitude, à minha frente estavam os Chefes da Ditadura e a Ditadura metia medo. Aquilo metia medo! Mas de repente ouvi fora, os estudantes a manifestar, a minha gente a gritar, isso deu-me força”. Depois de vários intervenientes, antes de falar o Ministro das Obras Públicas, Alberto Martins levantou-se, de batina e capa, projetou a voz e, em nome dos estudantes da Universidade de Coimbra, pediu a palavra. “Tinha de ser naquele momento, não queria que o meu gesto fosse tido como uma provocação, antes de começarem a falar os membros do Governo, para não quebrar o protocolo” contou Alberto Martins. Instalou-se um silencio na sala, todos se levantaram, lá fora batiam palmas, e o Presidente da República disse, “mas agora fala o Ministro das Obras Públicas”.

“Eu fiquei com a ideia que me ia ser dada a palavra”, mas não foi. No final dos discursos, o Presidente levantou-se, saiu da sala, seguido por todos os demais Ministros, Reitores e outras personalidades.

“É uma prática nossa, sempre que possível, trazer aqui para falar aos alunos, atores da história de Portugal, testemunhos, porque como dizia Salgueiro Maia, os jovens de hoje precisam de ouvir os testemunhos, porque tendo nascido em Liberdade, não lhe sentem a falta” explicou José Carlos Janela, o Diretor da Secção portuguesa do Liceu internacional de Saint Germain-en-Laye. “E o próprio Alberto Martins escreveu e repetiu durante a conferência que só quem conhece o passado, dele tem consciência, é que pode sonhar e construir o futuro”.

Como disse a Coordenadora do ensino de português em França, Adelaide Cristóvão, na apresentação do conferencista, Alberto Martins foi mais tarde – depois do 25 de abril – Deputado e duas vezes Ministro, uma no Governo de António Guterres e outra no Governo de José Sócrates.

Mas naquela noite, em Coimbra foi preso e interrogado pela PIDE, acusado de “ofensa pública ao Presidente da República”.

Este momento foi importante porque a luta dos estudantes da Universidade de Coimbra intensificou-se com greve às aulas e até aos exames. Levou mesmo à mudança do Ministro da Educação.

Alberto Martins contou, por vezes com humor, momentos da vida académica de Coimbra, da luta e até da forma como os seus próprios pais minhotos receberam a notícia de que ele tinha sido libertado, “eles que nem imaginavam que eu estava preso”.

Os professores da Secção fizeram um enquadramento histórico, “até porque nem todas as turmas têm esta fase da história contemporânea de Portugal no programa” explicou ao LusoJornal José Carlos Janela. “Depois, o próprio clima de informalidade, a maneira como Alberto Martins falou, levou os alunos a participar. Se há um jovem que há 50 anos arriscou a Liberdade para pedir a palavra e não lhe foi dada, foi explicado aos alunos que graças à luta destes jovens, hoje eles podem usar a Liberdade e como diz Paulo de Carvalho, numa canção célebre, os meninos têm de saber o que custou a Liberdade”.

“A cultura portuguesa é muito importante. Que seja difundida a identidade de Portugal, dos Portugueses. Esta identidade tem a ver com a história, a nossa história, a história da resistência à Ditadura, as questões da nossa língua, as questões de momentos singulares do Portugal moderno, é fundamental que sejam conhecidos por estes jovens” explicou Alberto Martins interrogado pelo LusoJornal. “Não há futuro que se possa construir esquecendo o passado. A memória é um elemento muito estruturante da identidade destes jovens e por isso, saber que Portugal viveu numa Ditadura, que teve uma Guerra colonial, que teve dificuldades, que foi um país pobre, subdesenvolvido, com 30% de analfabetos e que hoje é um país distante… mas que os pais deles e as gerações que emigraram fugiram muitas vezes à fome e à miséria e o fizeram de forma heroica, é uma homenagem que nós lhes devemos para que eles se reconciliem com essa história grandiosa dos seus, que é a história de todos nós, é a história da resistência”.

Alberto Martins estava visivelmente contente com o acolhimento que teve em Saint Germain-en-Laye e com as perguntas dos alunos. “A juventude pode voar com asas de águia para todo o lado e estes jovens têm de perceber que têm de construir o sonho, têm de construir a realidade, mas compreendendo que é preciso ousar, ousar criar, ousar novos rumos, ousar criar uma vida diferente, um desenvolvimento sustentável, um planeta mais equilibrado, uma sociedade que combata as desigualdades, uma sociedade mais igualitária, uma sociedade mais justa, os valores da justiça, da solidariedade, da liberdade e da felicidade, que no fundo os jovens procuram, são valores intemporais” disse Alberto Martins.

No Liceu internacional de Saint-Germain-en-Laye há 14 Secções internacionais, e a Secção portuguesa é frequentada por 420 alunos, desde a Moyenne Section de Maternelle, até à Terminale.

“Diz-se muitas vezes que é um liceu de elite e é. Mas não é a elite do dinheiro, nem da gente importante – mesmo se também os recebemos – mas é a elite do mérito, do trabalho, a meritocracia republicana, porque a nossa Secção é pública, os pais não têm de gastar dinheiro e a partir daí é pelo mérito de cada um” refere para concluir José Carlos Janela.

 

LusoJornal