Antiga Ministra Christiane Taubira falou de Hospitalidade e de Democracia num debate da Gulbenkian em Paris

O hall de entrada da Maison des Sciences de l’Homme, no Boulevard Raspail, em Paris, foi transformado em auditório para acolher, no início desta semana, a antiga Ministra da Justiça francesa (de maio de 2012 a janeiro de 2016), Christiane Taubira, para falar de “Hospitalidade” e de “Democracia”, numa conversa intitulada “L’hospitalité dans l’avenir de la démocratie”, organizada pela Fundação Calouste Gulbenkian – Delegação de França, numa iniciativa de Álvaro Vasconcelos.

Teresa Castro, a nova Diretora da Delegação francesa da Gulbenkian deu as boas-vindas e explicou que o ciclo de debates “Passeurs de Mondes, Bâtisseurs de l’Universel” se enquadra nas comemorações dos 60 anos da Delegação, e que o título faz referência a Miguel Torga, que considerou que “o universal é o local sem os muros”. Destacou também a coincidente atualidade destes temas, que também “se enquadram perfeitamente” nos temas que a Fundação Calouste Gulbenkian aborda.

Álvaro Vasconcelos é um destacado intelectual e professor universitário português, com uma carreira marcada pela reflexão sobre política internacional, segurança europeia e relações entre Europa e América Latina. Foi opositor do Estado Novo e viveu no exílio em Bruxelas e em Paris entre 1967 e 1974.

Atualmente é investigador no Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS20) da Universidade de Coimbra. “Fui o responsável pela Cátedra José Bonifácio na Universidade de São Paulo, no Brasil, e quando saí, fiquei a saber que a minha sucessora ia ser a Christiane Taubira” explicou Álvaro Vasconcelos. “Ela mora na Guyanne, mas quando eu a convidei para vir a Paris para este debate, ela aceitou de imediato”.

O investigador português lembrou depois a “Loi Taubira”, resultante do movimento “Mariage pour Tous” que legalizou o casamento de pessoas do mesmo sexo e lembrou também as condições em que a antiga Ministra de François Hollande saiu do Governo.

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O dinheiro circula mais do que as pessoas

“Eu estive exilado entre 1969 e 1974, nomeadamente em Paris, onde havia exilados de muitos países. A França dizia-se orgulhosa por ser uma terra de asilo. O que se passou depois? Como se chegou a este sentimento de anti-hospitalidade?” perguntou Álvaro Vasconcelos para começar o debate.

Christiane Taubira lembrou os tempos de estudante, quando acolheu jovens exilados do Chili, lembrou Mitterrand quando regularizou mais de 100.000 pessoas, lembrou a célebre frase de Michel Rocard “A França não pode acolher toda a miséria do mundo” e acrescentou o resto da frase “que foi deliberadamente esquecida” que era “mas a França tem de assumir a sua responsabilidade”. Depois acrescentou que “hoje a economia é mundial, e o dinheiro circula mais do que as pessoas”.

Na opinião de Christiane Taubira, cada vez se legitima mais a limitação dos direitos. “E quando instalamos restrições de direitos e liberdades, já não conseguimos voltar atrás. Porque depois não é popular”.

Álvaro Vasconcelos fez o paralelo com Portugal, argumentando que as posições anti-hospitalidade estão relacionadas com o colonialismo. “Nós fizemos um trabalho sobre a ditadura, mas não fizemos nada sobre o colonialismo. Ficou aquela ideia de que o ‘outro’ não é civilizado”.

Christiane Taubira falou das pessoas que fogem às guerras ou simplesmente à procura de atingir sonhos. “É necessário uma grande abnegação, mas é preciso perceber que a maioria muda de região, outros mudam de países, mas poucos chegam à Europa”.

A antiga Ministra da Justiça falou de “suspeita generalizada” daqueles que, a um dado momento da vida, necessitam da solidariedade, mas que se tornam suspeitos. “Esta brutalidade é imensa, porque são pessoas que atravessam um momento de vulnerabilidade” diz Christiane Taubira. “O discurso contra as pessoas que estão no desemprego e que são também eles suspeitos, também é uma brutalidade”.

E vai mais longe, quando lembra as palavras do atual Ministro demissionário do interior, que fala de “ensauvagement de la jeunesse”. “É uma palavra de brutalidade. Se a juventude não é turbulenta, se a juventude não é reivindicativa, se a juventude não é impaciente, então para que serve ser jovem?”.

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Defesa da binacionalidade levou-a à demissão do Governo

Um momento de emoção foi quando Christiane Taubira lembrou a sua saída do Governo, no meio de divergências sobre propostas de reforma constitucional, incluindo a retirada de nacionalidade a binacionais condenados por terrorismo.

“Isto durou um mês em meio em que eu tentei convencer o Presidente da República e escrevi três cartas de demissão. Na primeira ele pediu-me que esperasse porque ia encontrar uma solução. Pediu-me que não falasse disso e eu cumpri. Duas semanas depois, vi como estavam a evoluir as coisas e escrevi uma segunda carta de demissão e ele voltou a dizer que ia ocupar-se. Mais duas semanas depois escrevi uma terceira carta de demissão e disse ao Presidente ‘que tu aceites ou não, eu piro-me’”.

Christiane Taubira explicou que a situação era grave. “Estava para ser escrito na constituição que se podia destituir a nacionalidade aos binacionais. Isto aplicava-se a todos os binacionais de França. Isto deixava a porta aberta para que outras leis discriminatórias passassem a ser constitucionais. O meu nome não podia estar ligado a esta lei”.

O momento tornou-se emocionante porque o Presidente da República tinha pedido para ser ele a anunciar a demissão da Ministra e Christiane Taubira só anunciou à sua equipa do Ministério depois do Presidente ter anunciado publicamente. Como duas das Conselheiras da antiga Ministra estavam na sala, Christiane Taubira não se cansou de lhes pedir desculpa por elas terem sido as últimas a saber.

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As batalhas ideológicas são desonestas

Christiane Toubira interroga-se se ainda há espaço para batalhas ideológicas e políticas, “porque aqui, estamos a falar entre nós” diz. “Eu considero que a França continua a ser um país hospitaleiro, incluindo em termos culturais” e evocou o Festival de Avignon, com o “trabalho fabuloso” de Tiago Rodrigues. “O número de peças de teatro, de filmes, as exposições, os museus… a França é extraordinariamente hospitaleira” concluiu. “Isto quer dizer que há meios onde não é necessário convencer que o encontro de culturas, o encontro de civilizações, o diálogo das expressões culturais e artísticos, só nos enriquece”.

“O problema é sabermos como nos podemos dirigir a pessoas que, de boa-fé, se fecham, recusam a diferença, recusam o diálogo” e acrescentou que “as batalhas ideológicas, na maior parte dos casos, são desonestas, então, pessoalmente, eu não quero discutir com gente do Rassemblement National, ali não há ninguém para convencer, não há erro de boa-fé. Há instrumentalização”.

Evocou também as “incoerências”, referindo-se àqueles que “no plano económico são liberais, ultraliberais, neoliberais e no plano das liberdades, dos grandes valores, fecham-se e são pela exclusão”.

O debate foi agradável, houve várias perguntas da sala e tudo acabou com uma intervenção de Christophe Araújo, da Université Paris Nanterre e com uma leitura de poemas de autores vários países – incluindo o português Nuno Júdice – do livro “La poésie sans rivage”, lidos pelos atores da companhia de teatro Cá e Lá, liderado por Graça dos Santos.