LusoJornal / António Borga Home Entrevistas António Costa: o voto eletrónico “não está no nosso horizonteCarlos Pereira·22 Maio, 2019Entrevistas O Primeiro Ministro português António Costa veio a Paris esta segunda feira para se encontrar com o Presidente Emmanuel Macron. Antes disso esteve nos armazéns BHV Marais, onde Portugal tem um lugar de destaque até dia 25 de junho como país convidado num evento intitulado “Sous le soleil du Portugal”, e teve depois uma reunião com a Maire de Paris Anne Hidalgo. “Temos a ganhar se partilharmos este gosto que temos os dois pelo futuro da Europa nestas eleições e temos de construir, com outros colegas, por uma coligação de progresso e futuro para o próximo Parlamento Europeu, mas também para o próximo executivo europeu para juntos construirmos uma nova etapa do nosso projeto”, disse o Presidente da República francesa, quando recebeu António Costa no Palácio do Eliseu. António Costa evocou a urgência da construção desta aliança para fazer face à extrema-direita. “É uma semana decisiva para o nosso futuro. É a semana em que chamamos todos os cidadãos a participar nestas eleições, que são decisivas. Precisamos de construir uma grande coligação de democratas e progressistas”, afirmou o Governante português. Antes do jantar de António Costa e Emmanuel Macron, o Primeiro Ministro português deu uma entrevista exclusiva ao LusoJornal. LusoJornal / António Borga O seu Governo alterou a Lei do recenseamento eleitoral, tornando-o automático para os Portugueses residentes no estrangeiro com Cartão do Cidadão. Todos os Partidos parece concordarem com esta decisão. Mas porque não resolveu logo tudo e porque não uniformizou o método de voto? É que para umas eleições vota-se pelo correio e para outras vota-se presencialmente nos postos consulares. Acho que o passo mais importante que foi dado foi o do recenseamento automático. Passámos de 350.000 para 1.400.000 recenseados. Mas temos de ligar esta lei com a alteração da Lei da nacionalidade que agilizou particularmente a aquisição da nacionalidade portuguesa pelos netos da primeira geração de emigrantes, o que significa que não só alargámos o recenseamento, como também alargámos o universo dos que se podem recensear com o alargamento do acesso à nacionalidade portuguesa. Claro que podemos ir depois aperfeiçoando os sistemas. Há uma preocupação muito grande, hoje em dia, em todo o mundo, para garantir a autenticidade do voto e por isso, não parecia prudente a ninguém que neste momento alterássemos as regras do voto que têm sido adotadas, seja por correspondência, seja o ato presencial. Mas isso leva a que hoje, muitos Portugueses estão excluídos desta eleição porque moram a centenas e até a milhares de quilómetros dos postos consulares. Isso não é muito democrático, pois não? Na situação anterior, em que o recenseamento não era automático, as pessoas estavam muito mais excluídas, mesmo quando moravam próximas dos Postos consulares. Nós temos de ir encontrando fórmulas, temos de ir encontrando a autenticidade do voto. Hoje, como sabemos, o voto eletrónico tem muitas fragilidades. Os países que o adotaram, estão a adotar medidas muito restritivas. Mesmo no nosso território nacional, nós não avançámos para essas medidas de voto eletrónico, precisamente pelos riscos que existem e aquilo que é essencial para preservar a democracia é a autenticidade do voto e é isso que temos de assegurar. A minha pergunta seguinte era precisamente sobre o voto eletrónico. O voto eletrónico está então definitivamente fora de hipóteses? Não está no nosso horizonte. Para muita gente, seria a única possibilidade de participar… Mas não está no nosso horizonte. Se nestas eleições para o Parlamento europeu e nas eleições Presidenciais o voto fosse por correspondência, os resultados em Portugal só poderiam ser conhecidos duas semanas depois… Esta é a verdadeira razão pela qual este voto não pode ser por correspondência? No caso das Presidenciais é mesmo uma imposição institucional. É a Constituição que obriga a que o voto seja feito nessas condições. Presencial? Sim. Há quem defenda que os Emigrantes devem votar nas eleições locais em Portugal. Há uma franja à Direita que defende isso no PSD e há militantes do seu Partido, como por exemplo o Presidente da Câmara municipal de Montalegre. É um assunto que pode vir a lume? Como vê esta questão? O entendimento que tem existido tradicionalmente em Portugal é que todos os Portugueses residentes no estrangeiro devem participar nas eleições a nível nacional. As eleições locais, dizem respeito à escolha dos residentes. Nós fomos dos primeiros países do mundo a abrir aos imigrantes em Portugal o direito de voto nas eleições locais, não o tendo nas eleições nacionais e temos acarinhado muito a participação da nossa Comunidade no voto nas eleições locais, nos seus locais de residência, porque nós simultaneamente temos que reforçar os vínculos a Portugal, mas é muito importante também a inserção e a participação ativa das Comunidades nos locais onde residem. E a experiência tem-nos revelado que quanto maior é essa participação dos Portugueses, quanto mais eleitos existirem com origem portuguesa, maior é a força política da Comunidade nesses locais. Onde isso foi muito visível em primeiro lugar foi nos Estados Unidos onde há uma fortíssima participação da Comunidade portuguesa e é também crescentemente visível em particular em França, onde hoje a rede de eleitos locais portugueses é muito forte. E isso é uma condição muito forte para que as Comunidades estejam bem inseridas nos locais onde vivem. Eu fui Presidente de Câmara durante 8 anos, e não tenho dúvidas nenhumas que a participação dos estrangeiros que vivem em Lisboa nas eleições locais é um fator muito importante da sua integração na vida da cidade. Por isso eu diria: as Comunidades nacionais devem votar nas eleições nacionais, as Comunidades locais devem votar nas eleições locais. Mas há um problema: eu, que sou mono–nacional, nunca poderei ser Maire em França, mas um Francês pode ser Presidente de Câmara ou de Junta de freguesia portuguesa. Esta discriminação não o choca? Choca. Mas eu acho que o trabalho que temos de fazer é de forma a garantir que haja, a nível europeu, uma igualdade de direitos das participações às eleições locais. Disso nós somos os grandes defensores e entendemos que assim deva ser. A capacidade eleitoral ativa e passiva deve ser determinada em função da residência para as eleições locais e não em função da nacionalidade. Vamos falar de ensino da língua portuguesa. A França recuou recentemente deixando a língua portuguesa numa situação delicada neste país. Não se percebe o recuo da França. Este é certamente um assunto na sua reunião com o Presidente Macron. Como vai argumentar junto do Presidente francês? Fiquei bastante surpreendido porque houve avanços muito importantes, ainda muito recentemente, no tempo do Presidente Hollande. Lembro-me perfeitamente quando celebrámos, em 2016, o 10 de Junho aqui em França na intervenção que o Presidente Hollande fez no Hôtel de Ville aqui de Paris, fez uma declaração muito importante sobre a valorização do ensino da língua portuguesa e, a partir daí, desenvolveu-se um trabalho crescente, que estava a ir no bom caminho e com excelentes resultados. Vamos falar com o Presidente Macron sobre esta matéria. Seria um retrocesso não somente para a Comunidade portuguesa, mas também para uma França que quer ser uma entidade global, visto que o Português não é uma língua apenas da Comunidade portuguesa residente em França. É uma das línguas europeias com maior projeção global e que seguramente, pela dinâmica demográfica ao longo das próximas décadas, vai ser uma língua de maior crescimento à escala global. Por isso, quem queira ter uma presença diferenciada no mercado global e que não queira falar exclusivamente em inglês, o português é seguramente uma língua que tem de ser de aprendizagem, que tem de estar disponível na oferta curricular. LusoJornal / António Borga Então vai otimista a este encontro. Esta é a razão principal do encontro? Não é a razão principal, mas é seguramente um dos temas da nossa conversa. Há um acordo antigo entre a França e Portugal. Portugal paga o ensino primário e a França para o secundário. Portugal já reduziu muito a presença de professores que passou de 380 para 82. Este é um sinal negativo… mas é dado por Portugal. Há uma questão que está relacionada com a alteração demográfica da Comunidade e em segundo lugar, os anos difíceis que o país passou. Nos últimos anos temos começado a alterar e a aumentar o número de professores de português no estrangeiro. A trajetória que temos é de prosseguir essa trajetória de crescimento de forma a recuperar os níveis que tínhamos e adequado obviamente ao nível etário da Comunidade portuguesa hoje. Há muito investimento francês em Portugal. Mas é possível medir a parte dos investimentos “emocionais” em Portugal? É possível medir a intervenção dos Portugueses de França nestes investimentos em Portugal nos últimos anos? Eu não lhe posso dar a medida, mas há uma coisa sobre a qual eu não tenho a menor dúvida: um dos sucessos da atração estrangeira para Portugal, deve-se à Diáspora portuguesa. Em primeiro lugar pela excelente imagem que em todos os países os Portugueses dão de Portugal e dos Portugueses. Em segundo lugar pela posição económica que muitos deles têm hoje, seja nas suas próprias empresas, seja nas empresas onde trabalham, o que ajuda muito, claro, para que as empresas tomem decisões nesse sentido. E em terceiro lugar, pela forma como a presença da Comunidade chama a atenção para um país que os estrangeiros têm vindo a descobrir, primeiro como turistas e que acabam por descobrir como um excelente local para investir. E há o próprio investimento muito importante de empresas onde membros da Comunidade portuguesa têm uma participação importante. Dou-lhe um exemplo, talvez o mais extremo de todos, que é o da Altice. A Altice teria investido em Portugal se um dos principais acionistas da empresa não fosse um português? Se calhar não. Aliás agora são os dois Portugueses porque Patrick Drahi também recuperou a nacionalidade ancestral… Nos últimos meses, o Senhor Primeiro Ministro e os restantes membros do Governo apelam os emigrantes para regressarem a Portugal. Mas os salários ainda estão muito baixos. Como quer convencer os lusodescendentes a regressar a Portugal se os salários ainda estão muito baixos em Portugal? O nível de vida em Portugal e em França tem uma diferença muito significativa. Portugal tem vindo a sair da crise, com uma forte recuperação dos rendimentos, o salário mínimo subiu 20%, o rendimento global das famílias aumentou 11% nos últimos 4 anos. Temos de olhar para os vencimentos, mas do outro lado está o custo de vida que não tem comparação. Mas é precisamente para apoiar essa transição que no âmbito do programa “Regresso” nós criámos um benefício fiscal muito importante que é o de só tributar em IRS 50% do vencimento de quem agora regresse a Portugal e isso, obviamente, é uma compensação fiscal importante para ajudar essa transição, num momento em que as empresas portuguesas estão felizmente a conseguir aumentar os salários, mas que obviamente ainda não conseguem pagar os salários que ganham em França. Portanto, se a questão é saber que o salário vai ser igual, isso é um objetivo de muito longo prazo… O estatuto de Residente Não Habitual é que vai acabar, não é? Não, mantém-se. São dois regimes distintos. O programa Regresso aplica-se a quem já foi contribuinte em Portugal, saiu e quer regressar. E pode ter sido contribuinte em Portugal há 30 anos. É um regime que é aplicável em 2019 e 2020 e que assegura uma tributação de apenas 50% dos rendimentos que tenha em Portugal durante 5 anos. O estatuto de Residente Não Habitual, que exonera de imposto as pensões de reforma estrangeiras, já existe há mais tempo, mas o seu Governo anunciou que vai acabar com este regime. Não. Alguns países têm insistido muito para que acabemos com esse estatuto, que se aplica não só a Portugueses como se aplica a qualquer cidadão. Há muitos reformados franceses que têm utilizado esse regime. Aplica-se a todos e no que diz respeito aos Portugueses, aplica-se à emigração histórica, mais antiga, a pessoas que vieram novas para o estrangeiro, que nunca foram contribuintes em Portugal e que têm direito a beneficiar desse estatuto e nós não vamos mudar esse estatuto. Tem vindo a ser muito discutido com alguns países. Até agora, apenas a Finlândia revogou o acordo de dupla tributação, mas enfim, estamos a falar de 80 Finlandeses que vivem em Portugal ao abrigo deste estatuto. A Suécia agora também tem vindo a insistir… Em que áreas é urgente recrutar? Que tipo de pessoas lhe interessa levar para Portugal? Nós precisamos de todos. Todos os que quiserem regressar, que regressem. A Europa em geral, enfrenta um desafio demográfico e Portugal em particular, tem um desequilíbrio demográfico significativo. O nosso potencial de crescimento hoje está muito limitado por falta de recursos humanos e em todos os setores de atividade, em todas as regiões do país. Temos uma fortíssima redução da taxa de desemprego e neste momento, em quase todos os setores de atividade, há oportunidades de emprego que precisam de pessoas para os desempenhar. LusoJornal / António Borga O seu Governo também atribuiu o estatuto de utilidade pública às Câmaras de comércio e indústria no estrangeiro. Essa é também uma mensagem aos empresários portugueses que moram fora? Portugal é uma economia aberta. Para nós, a atração do investimento estrangeiro é muito importante e obviamente, se esse investimento for feito por Portugueses residentes no estrangeiro, melhor ainda, eu diria que fica em família! Por isso reforçamos o vínculo de cidadania e de Comunidade nacional entre todos nós e é nessa lógica que atribuímos agora um estatuto a estas Câmaras de comércio, de forma a que sejam parceiros mais ativos na atração de investimento para Portugal. E não tem necessariamente de ser a Altice, há muitos outros empresários que, felizmente, têm estado a investir, muito fortemente em Portugal. Para finalizar, como estão as relações entre a França e Portugal? A relação tem sido muito boa. Do ponto de vista político tem sido excelente, do ponto de vista da cooperação na área da segurança, na área militar, tem sido excelente também, por exemplo agora na República Centro-Africana. No que diz respeito às relações económicas, elas são muito boas. Depois, há sempre questões a resolver: as duas questões mais difíceis que temos em cima da mesa, uma tem a ver com as interconexões energéticas e a outra sobre o ensino de português em França.