Home Comunidade As Invasões francesas nas Beiras: O General e a ÁguaDiamantino Gonçalves·7 Novembro, 2020Comunidade [pro_ad_display_adzone id=”46664″] Charles Mathieu Gardanne nasceu em Marseille em 1766 e faleceu em 1818. Entrou muito novo para o exército, foi General de Brigada (1799). Passados que foram mais de 200 anos das Invasões francesas, este artigo tem como objetivo: trazer à razão qual o papel de algumas figuras que são de alguma forma pouco tratadas em outros artigos. Assim como o povo que sempre fica à margem dos grandes acontecimentos. É figura principal neste artigo o General Gardanne, que não conseguiu chegar com os reforços que trazia de Salamanca, para os campos de Santarém, onde as sitiadas tropas francesas estavam sem víveres, para continuar a sua campanha. Felizmente para os Portugueses e também dos martirizados soldados franceses, que o Gardanne não cumpriu a sua missão, impedido principalmente pelo combate feroz das milícias e paisanos nas montanhas e campos da Beira. Tanto na primeira incursão que fez pela Beira Baixa até Constância, assim como na segunda, pelo vale do rio Mondego, do Alva e do Ceira, até Tomar. Comprometendo toda a estratégia de Masséna, que, depois disso, o único caminho foi a retirada, diga-se uma retirada digna dos grandes exércitos. Gardanne inverte a marcha uns dias antes de Masséna iniciar a retirada, sem saberem um do outro. Tanto Masséna como Gardanne perderam o comando, quando as notícias chegaram ao Imperador. Para Napoleão: “perdi a face do império em Portugal” escreveu ele nas suas memórias. Desastrada Campanha de Charles Mathieu Gardanne, General “A efémera conquista de Portugal foi a causa de todos os desastres que para a França depois se seguiram (…) A nossa passagem através da Beira Baixa foi terrível e ao mesmo tempo milagrosa. Melhor seria se fosse um insucesso (…), evitaria futuras humilhações que depois tivemos que sofrer quando os nossos generais mais célebres baquearam contra simples gente do campo e contra um Wellington (…) e mais tarde ver a França retalhada e submetida” (1). Não sendo a Beira Baixa campo de grandes batalhas, foi sim o eixo onde se jogou parte das manobras que vieram a determinar a retirada das tropas francesas do território português, sempre com grandes custos para o povo anónimo, sempre fora dos grandes estudos históricos e militares. O Marquês de Alorna, D. Pedro de Almeida Portugal, foi enviado em 1801 para a Beira, comandando o setor da Beira Baixa. Em 1807, de acordo com as suas posições, apoiou a aliança francesa e o corte com a Grã-Bretanha. Aceita comandar as forças portuguesas dominadas pelo exército francês e formam a Legião Portuguesa. Saiu de Portugal em abril de 1808, com o melhor que tínhamos como exército. Foi mandado inspecionar, já como General de Divisão, a Legião Portuguesa, que se junta em Salamanca ao exército francês, que mais tarde invadiu a Rússia, em 1812 onde o Marquês morreu. Alorna, em 1801, como comandante do setor da Beira Baixa, toma então algumas medidas: reconstrução das muralhas e fortificações existentes na Beira, construção da Estrada nova de Tomar ao Fundão, cria um centro de víveres em Cardigos e outro no Fundão com hospital. A Estrada-nova foi uma das vias de comunicação mais determinante na Beira, para os dois lados em conflito. Seguia do Fundão, Castelejo, Enxabarda pelo cume da serra, Eira dos Três Termos, Ingarnal, Zebreira, Sarnadas de S. Simão, Isna, Sobreira Formosa, Proença-a-Nova, Cardigos, Ribeira de Codes e Tomar. “As obras foram dirigidas por José Pereira Pinto Castel-Branco, o Mil Diabos da Capinha, e a sua vida como militar daria uma boa obra cinematográfica”. August du Fay, um dos engenheiros que Napoleão manda a Portugal, fez um levantamento notável sobre os caminhos e junta no relatório também, outros fatores económicos e dados topográficos da Beira, onde o Fundão é parte central. Fala da qualidade do vinho do Fundão (2). As entidades turísticas ainda não descobriram a importância deste estudo, admira ávidas como são. Curiosamente assinala nos estudos e chama a atenção para alguns pontos da Estrada-nova, para se travar combates, como já tinha acontecido no cabeço Zibreiro e Moradal, aquando da Guerra das Laranjas, ali se travaram confrontos, diz August du Fay. A Beira Baixa, até então algo poupada ao saque das tropas francesas, mesmo na terrível passagem que Louis Henri Loison (o Maneta) fez por Almeida, a caminho do Alentejo. Em Alpedrinha faz, a 5 de julho, 31 vítimas. Sobre isso escreveu o General Maximilien Sébastien Foy (3). Loison não se afastou da Estrada-real, Alpedrinha foi a excepção (4). Com a aproximação de Loison, temeu-se o pior, mas o seu objetivo era esmagar os levantamentos que ocorriam por todo o Alentejo. Loison ruma a Sarzedas e acampa no Chão da Vã. O Bispo de Castelo Branco D. Vicente Ferrer da Rocha junta com os víveres que tinham sido exigidos pelos Franceses para as suas tropas, um banquete para Loison, que o Bispo lhe manda pelo seu criado. Carlos Frederico Lecor (5) foi ajudante de campo do Marquês de Alorna. Lecor, assim como as forças inglesas, peregrinaram pela Beira Baixa, principalmente durante os anos 1809 e 1810, sacam tudo o que havia para comer. Permanecem no Fundão muitos meses. História de fome e dor, um esforço de guerra ainda por fazer. Poderemos avaliar os custos desses milhares de militares pouco ou nada disciplinados? Com a política de “terra queimada” imposta ao país, nunca se saberá quanto. As ordens de serviço mostram o frenesim constante da movimentação das tropas e milícias por toda a Beira Baixa. Alguns bispados, como o de Coimbra, mandou logo após aviso Régio de 25 de março de 1811, ainda os Franceses estavam na região da Guarda, fazer o levantamento do rasto da destruição que os Franceses deixaram atrás de si. Sucederam-se as epidemias, a fome e os assassínios, acompanhando as vagas de órfãos e de desalojados. Quando regressavam às casas, as populações viam a destruição e os campos incultos, sem sementes sequer para renovar as culturas. Os párocos não incluem os mortos em combate do exército regular, nem da guerrilha e muito menos dos Franceses. Só registam os civis das suas paróquias, acometidos pelos Invasores. Nem sempre referem todos os mortos que sofreram maus tratos, ou mortos causados pela epidemia. Há um número do Bispado de Coimbra, que nos dá uma ideia fria do sucedido: na Figueira da Foz, onde não houve crimes porque os Invasores não passaram pela cidade, morreram 4.135 indivíduos por doença, entre naturais e refugiados. Lecor, num golpe de antecipação quando é informado de que Masséna não vai descer pela Beira Baixa, mas sim pelo vale do Mondego, com passagem por Viseu onde fica 5 dias, é por isso alvo de duras críticas pelos seus oficiais. Lecor parte do Fundão para o Espinhal com as suas forças mais de 3.000 homens e milícias. Fazendo caminho pela Pampilhosa, Pedrógão Grande, mobiliza todos os ganhões, os meios de transporte que há. Muitos desses pobres ganhões não voltariam vivos, como se vê um pouco por estas aldeias nos acentos de óbito, mesmo os seus animais eram, muitas das vezes, talhados para suprimir a fome. Quando Lecor chega ao Espinhal, a 20 de setembro, toma conhecimento da ordem de Wellington exactamente nesse sentido (6). Depois da desastrosa entrada em Portugal do Marechal André Masséna, é muita vez confrontado pelos seus Generais, da má escolha tática e condução das tropas, perdidos em combates menores impostos por Arthur Wellesley, Duque de Wellington. Quando chegou às linhas de Torres Vedras, no mês outubro, trava um renhido combate em Sobral de Monte Agraço, 8º Corpo francês, comandado pelo General Jean Andoche Junot e é rechaçado. Fica, claro da impossibilidade de ultrapassar as Linhas de Torres construídas em segredo. O tempo passa e começa a faltar comida para os militares e forragens para os animais nos campos de Santarém. Por ironia, os Oficias sentiam mais dificuldades. Acantonados, eles não praticavam pilhagens, como era prática dos soldados. “Meses duros esses passados nos campos do Ribatejo” escreveu nas suas memórias o Capitão Nicolas Marcel referindo-se também aos soldados feridos na Batalha do Buçaco que ficaram nos conventos em Coimbra, por ordem de Massena (7). Na impossibilidade total de transpor as Linhas de Torres, ou em vez de isso tomar Lisboa pela margem sul, Masséna envia o General Foy a Paris, para dar a conhecer a situação ao Imperador. Depois da queda do império, Foy torna-se num Parlamentar notável. Os seus discursos estão publicados. As únicas notícias do exército de Massena eram obtidas dos jornais de Londres. Três batalhões para sua escolta, até à fronteira espanhola. Sai do Carregado, perto de Santarém, a 29 de outubro e a 23 de novembro é recebido por Napoleão. Segue o caminho da Beira Baixa. Foy recomenda ao General d’Erlon, Comandante do 9º Corpo do exército acantonado perto de Salamanca, para seguir para Portugal, e dá instruções ao General Gardanne como encontrar o exército francês (8). Começa o drama de Gardanne por terras da Beira (9). Dia 13, o General Silveira levanta o cerco que faz a Almeida, em poder dos Franceses, devido à aproximação das tropas de Gardanne e logo no dia seguinte enfrenta-o num combate sangrento em Valverde, Pinhel. Gardanne passa no Sabugal, chega ao Fundão. Daquilo que se sabe da passagem dos Franceses pelo Fundão, Gardanne parece-nos ser o principal protagonista das histórias e relatos que se conhecem sobre os Franceses na Vila do Fundão. Já que as passagens do General Foy são apressadas, quando passa a caminho de França, faz o caminho até Sarzedas e depois continua a Estrada-real, Atalaia, Penamacor e Sabugal. Era normal a coluna seguir um percurso, ao mesmo tempo que a cavalaria invadia as aldeias próximas, na busca desesperada de alimentos. Apanhavam de surpresa as pessoas e daí um número elevado de mortos onde menos se esperava. Quando volta de França faz caminho por Cidade Rodrigo, Sabugal, Belmonte, Peraboa, Ferro, dorme em Alcaria, segue pelo Freixial e Enxabarda, dia 1 de fevereiro é atacado junto à Enxabarda pelas Ordenanças de Alpedrinha apoiadas pelo povo das aldeias da Maunça, nesse ataque perde 207 soldados (10) no sopé do Cabeço Zibreiro, onde a estrada contorna o cabeço para o Ingarnal (o cemitério dos Franceses), a mortandade aí ainda é maior. Se os números que se conhecem estão certos, de Salamanca a Santarém, o General Foy perde 1.200 homens. Segundo alguns depoimentos, a coluna dividiu-se, os soldados ficaram por sua conta e risco. Quando o General Foy chega, no dia 5 de fevereiro 1811, não fala do que se passou, mas o disfarce era impossível. O desaire foi total. Ficam então a saber que a primeira tentativa de Gardanne de se juntar a eles com os reforços, falhou. O irmão de José Acúrcio das Neves (11), o Padre Manuel Gomes Nogueira, que era padre em Arganil, tem na família casas em Sarzedo, que fica muito perto de Arganil. Acúrcio das Neves era uma figura pública sem ser militar que lutou e escreveu sobre os Invasores franceses, tendo ascendentes em Janeiro de Cima, mãe, avós. Numa carta enviada ao irmão (12), das duas vezes que refere a passagem do General Gardanne, dia 23 e 24 de novembro de 1810 pela Estrada-nova e o General Foy a 1 de fevereiro de 1811. A carta muito extensa está recheada de acontecimentos relatados na primeira pessoa. Gardanne seguiu depois de acampar no Castelejo, também pela Estrada-nova, onde sofre ataques das Ordenanças do Coronel Nicholas Trant e de alguns paisanos, a estas colunas que são terríveis. Coluna composta segundo os ingleses 9 mil, outros referem de 5 a 6 mil soldados. No dia 25 de dezembro está a uma jornada de Punhet, Constância. O percurso pela Beira, descrito por alguém que segue com a sua coluna que não assina o texto: “Cidade Rodrigo, Sabugal, Sortelha, Capinha, Fatela, Ribeira da Pouca Farinha, Valverde, dia 22 de novembro Fundão” (13). Continua a sua descrição dos lugares, das aldeias desertas e destruídas, da Estrada-nova até Cardigos, onde pararam. Invertiram a viagem até à Sobreira Formosa e ai deixam a Estrada-nova e fazem a Estrada-real pelo Salgueiro do Campo, Tinalhas, Atalaias, Penamacor: “Uma vila bonita e fortificada”. No Sabugal, o narrador já só fala da fome, do cansaço insuportável. Saem de Portugal para Valverde del Fresno, em Espanha (14). Gardanne faz ainda uma segunda entrada em Portugal, pelo vale do Mondego. Mais uma vez a água é a grande barreira. A coluna comandada por Gardanne sai de Almeida no dia 16 de dezembro 1810, dia 18 está em Celorico, dia 21 em Sampaio, dia 22 a coluna chega à Chamusca, dia 23 por Galizes Venda da Serra, dia 24 manda inspecionar a Ponte da Mucela. A ponte da Mucela está parcialmente destruída e mesmo assim guardada pelos Ingleses. Então, muda de caminho e vai a Coja, Arganil, Góis, Foz de Arouce, Lousã, Corvo, Espinhal, até Tomar onde chega dia 1 de janeiro, anda de aldeia em aldeia. A 22 de janeiro inicia a marcha de regresso para Almeida, passa por Rego da Murta. Teve a mesma sorte, não entra em contacto com Masséna. Da viagem de regresso não conhecemos muitos pormenores, mas o irmão de Acúrcio das Neves relata na sua carta que enviou ao seu irmão para os Açores, em datas coincidentes, barbaridades só praticáveis por um exército em desespero, nas vilas de Góis, Arganil e Sarzedo. Principalmente Arganil, com dezenas de mortes que ele presencia (15). No mês seguinte, segue-se a retirada de Masséna, que começa a 9 de março de 1811. Aproveita as manhãs de nevoeiro para não serem notadas as manobras da retirada dos ainda 49.135 homens que restavam das forças Francesas: Breyner 10.251, Junot 9.794, Loison 4.734, Ney 11.066, Montbrun a Reserva de Cavalaria 2.435, Conroux 5.000 Reservas 5.855. As forças Inglesas eram no total de 32.080 homens e as Portuguesas de 14.250. Depois da saída dos franceses de Portugal, prolonga-se um pouco por toda a Espanha. Junto à fronteira portuguesa há combates e batalhas, no Sabugal, em Salamanca, em Fuentes de Honor, que se estendem até Castelo Bom, na margem do Côa de entre outras, durante mais de um ano, onde as tropas portuguesas participam com bravura. As duas forças movimentam-se continuamente de Badajoz a Salamanca. O novo comandante depois da destituição de Massena em abril de 1811. Auguste-Frédéric-Louis Viesse de Marmot, Comandante-em-chefe da Armée du Portugal, no lugar de Masséna, a 7 de maio de 1811, invadiu novamente Portugal no final de março de 1812. Tomou Almeida a 3 de abril de 1812, e chegou a Castelo Branco, recuou de volta para a Espanha a 23 de Abril de 1812. Terminou assim a quarta invasão, que dura apenas 20 dias. Entrou por Fuentes de Honor e sai pela Aldeia do Bispo. Nessa Invasão, o General Foy vem outra vez à Beira Baixa, esteve no Alcaide, Alpedrinha e no Fundão. O exército de Marmot estende as suas forças até à Guarda, dia 6 cerca o Sabugal, investindo para Castelo Branco, com uma Divisão inteira. Federico Lecor entretanto manda evacuar a cidade. Um ano antes, a 3 de abril, durante a Batalha do Sabugal, os Franceses em 1 hora de combate perderam 61 oficiais e 699 soldados. Para Charles Oman, os números são outros: os Franceses perderam entre mortos e prisioneiros 1.500 homens. Esta curta invasão de 20 dias apenas, em 8 de abril, as tropas estão em Penamacor. Vários grupos percorrem Covilhã, Fundão, Alcaide e Alpedrinha, passaram nos dias 9 e 15 de abril com pelo menos mais três mortes. Pilharam ainda Pedrógão e Medelim. Gardanne foi humilhado por um povo revoltado, morto de fome e pela ação das guerrilhas do Coronel Nicholas Trant, forças essas coordenadas pelo discreto Marechal de Campo Benjamim d’Urban. Gardanne tem muita dificuldade em explicar aos seus o sucedido, não escreve relatórios muito precisos dos locais por onde andou, chega a cobrir-se de ridículo quando escreve “chegámos a uma ilha”, queixando-se também de doença pessoal. Estavam sim entre dois rios, o Tejo e o Zêzere, na então Vila de Punhet, hoje a Vila Poema, Constância. A ilha é Portugal abandonado pelo seu Rei. País com tantos anos de história, um povo que sempre utilizou a água dos mares e rios como poucos, também para a sua defesa militar. Quando água não há, clamamos por milagre e Santo António faz crescer a ribeira da Enxabarda. Ficamos assim dispensados de assumir a força da nossa grandeza. Rios que corriam livres e limpos. Pouco terá ficado destes Invasores, dos ideais que diziam também trazer. Ideais que ainda hoje não cruzaram todos os rios de Portugal e do mundo. A Derrota “Meu caro Marechal, você já ouviu falar da nossa chegada às fronteiras de Portugal: o exército está em um país absolutamente arruinado; e com toda a minha vontade e da paciência, do exército, eu tenho medo de que são capazes de não levar uma semana, e eu vou ser obrigado a regressar a Espanha. Estou escrevendo para Contagem d’Erlon, pois ele faz oferta de Almeida e Rodrigo; estes dois lugares nunca devem ter que deixar de ter três meses de alimentos, que não devemos ter que fechar os olhos sob quaisquer circunstâncias; é minha extrema surpresa ao saber que há apenas dez dias de comida para Almeida. Eu também escrevo-lhe para tomar uma posição entre Rodrigo e Almeida, com suas duas divisões; se você sentir como é necessário que ele se encaixa na faixa de marchar para o auxílio de Almeida. Se eu encontrasse comida, eu não deixaria as fronteiras de Espanha e Portugal, mas como eu disse, eu não vejo a possibilidade de ficar”. (Assinado) O Príncipe de Essling Diamantino Gonçalves (2017) Notas (1) General Thiebault, Chefe do Estado-maior de Junot, Memórias. (2) Já naquela época era exportado pelo Porto da Figueira da Foz. (3) A Covilhã, cidade de manufactura, fica fora da Estrada-real, mas vêm à estrada assassinar os nossos pobres soldados. O mesmo se passou com o Fundão, em Alpedrinha tentaram barrar-nos o caminho comandados pelo juiz de fora João Pedro Ribeiro de Carvalho e pelo Padre-cura. Uma coluna de mil soldados comandados pelo General de brigada Charlaud. A coluna vai da Atalaia a Alpedrinha, massacrou e persegui-os serra acima até Alcongosta. “Em 5 de julho de 1808, ceifou a vida a mais de 30 aldeões, alguns torturados como o boticário queimado vivo. Num sítio até há pouco tempo assinalado com uma cruz, perto do Cabeço do Peixinho”. (4) Castelo Branco, terra saqueada logo com a primeira entrada de Junot por Segura, em outubro de 1807. (5) Federico Lecor, primeiro e único Barão de Laguna por Portugal e primeiro Barão com grandeza, e Visconde com grandeza de Laguna pelo Brasil (Lisboa, 6 de outubro de 1764 – Rio de Janeiro, 2 de agosto de 1836) foi um militar e nobre português tendo servido quer Portugal, quer o Brasil independente. Filho de Luís Pedro Lecor e Quitéria Maria Krusse, casou-se em 1818 com Rosa Maria Josefa Herrera de Basavilbaso. (6) Convento de Lorvão, 20 de setembro de 1810. 10 Horas da noite. Sr. acabo de receber uma carta do General Hill, datada de ontem, pela qual saber ter chegado ontem à noite a Pedrógão Grande. Imediatamente ao receber esta carta solícito andar sobre a Ponte da Mucela, fazendo o caminho que a vocês convirão melhor. Conto que fará o caminho amanhã 21 e que estará em S. André de Poiares dia 22. Tenho a honra de ser, Wellington. (7) “(…) Mas que pensar da condução de um General chefe que abandona assim milhares de corajosos, entre os quais 3.000 podiam pelo menos ser-nos devolvidos se forem guardados ou se seguirem, porque tinham apenas feridas pouco graves. E não impediu os Ingleses de chegar antes de nós perto de Lisboa. Na planície de Vila Franca. Massena queria juntar-se a Wellington, mas ele ocupou posições tão cortadas e tão fortes, que não era possível mais atacá-lo”. Noutro momento da guerra escreve ainda Marcel: “Todas as aldeias circundantes eram desertas mas abundavam de grãos; foram repartidos entre as Divisões, de modo que cada Regimento pudesse fazer o seu pão. Se um Regimento contasse 1.500 homens, 400 iam colher, 200 batiam o grão, moíam-no, faziam o pão, 400 trabalhavam nas trincheiras. Pode julgar do descanso que tinham os nossos soldados, incessantemente ao trabalho sob um sol escaldante, frequentemente afastados de uma milha da água, que era necessário ir extrair, dormindo mal, e comendo um único pão grosseiro fabricado por eles mesmos. Ah! Pobre soldado, sempre sacrificado, sempre contento aqueles que repreendem teus pecadilhos: nunca, não viu o que suportavas!” (Vale a pena ler as memórias deste Capitão, pela prosa romântica como trata a grande violência de uma guerra. A história que nos conta do seu rapaz que era natural da Aldeia da Cruz, hoje Vila Nova de Ourém. Um rapaz de 10 anos, órfão, que se aproxima do acampamento e ele transforma em seu criado e leva consigo até Espanha, onde é morto pela raiva dos Espanhóis, só por ser criado de um Oficial francês. Diz o Capitão que o seu rapaz o salvou da morte numa Batalha em Espanha. Quando recupera os sentidos, lá estava o seu rapaz com o cavalo à rédea. Sarando-lhe as feridas). (8) Como Napoleão julgava ainda controlar a situação. Despacho: “Para o Sr. Marechal Príncipe de Essling, Comandante em chefe da Armée de Portugal. Paris, a 4 de dezembro de 1810. Príncipe de Essling, o General Foy, por si enviado, chegou a Paris em 22 de novembro. Ele deu a conhecer a Sua Majestade, em grande detalhe, o que aconteceu e sua situação. Em 4 de novembro, o General Gardanne saiu de Almeida com um corpo de 6.000 homens. Contagem d’Erlon. (…) O Imperador, Príncipe, viu através dos jornais ingleses, que você tinha construído pontes sobre o Tejo e você tem o Zêzere, defendido em ambos os lados”. (9) Gardanne, nascido em Marseille em 11 de julho de 1766, morreu no Castelo de Lincel, a 30 de janeiro de 1818. É um General francês e diplomata da Revolução e do Império. Até fazer a desastrosa campanha em Portugal, era considerado um militar exemplar. (10) O Marechal Beresford, participando este mesmo sucesso a Lord Wellington, em ofício de 7 de fevereiro de 1811, expressava-se pelo seguinte modo: “Mylord o Tenente-coronel Grant foi encarregado do comando das ordenanças da Beira Baixa para as partes da Guarda. O General Foy, escoltado desde a Cidade Rodrigo por 2.000 a 3.000 homens, procurava juntar-se a Masséna, para lhe entregar as ordens que Napoleão lhe mandara. O Tenente-coronel Grant postou-se em Enxabarda, vizinhanças de Alpedrinha, ao pé do princípio da Estrada-nova, que se dirige ao Fundão, por onde o inimigo foi obrigado a passar. Postando Grant a sua força de umas 80 ordenanças na posição que julgou acertada no dia1 de fevereiro, dela sustentou um bem dirigido fogo por espaço de duas horas, contra o inimigo, de que resultou fazer-lhe mais de 200 mortos, muitos dos quais acabaram a vida em consequência dos seus graves ferimentos, exacerbados pela inclemência do tempo. Grant fez-lhe além disto 18 prisioneiros, fora Ingleses que havia cinco anos se achavam prisioneiros, e haviam sido metidos ao serviço. O inimigo perdeu também alguns carros de grãos, considerável número de bois e uma grande parte da sua bagagem. Da parte dos atacantes apenas se perdeu 1 homem, havendo alguns cavalos feridos”. (11) Dr. José Acúrsio das Neves, nasceu em Cavaleiros de Baixo, na ainda existente Casa Branca (Fajão) em 14 de dezembro de 1766, e faleceu em Sarzedo, em 1834. Filho do Dr. António das Neves Seco, batizado em Sarzedo aos 03 de agosto de 1727, casado com D. Josefa Gomes da Conceição (ou de Jesus). Avós: Manuel Luís das Neves, do Sarzedo, casado com Antónia das Neves, do Sarzedo. Manuel Gomes, dos Cavaleiros, casado com Isabel Antão, de Janeiro de Cima ou Janeiro de Baixo. Acúrcio das Neves foi assassinado no Sarzedo ao que se supõem pelas suas posições Miguelistas. Foi Administrador das Reais Fábricas de Panos, incluindo a do Fundão. (12) “Para te relatar o que por aqui se tem passado os Franceses, seria necessário escrever muito; eles sempre têm andado ao redor de nós, já pela estrada do Fundão, já pelas partes de Pedrógão, chegaram ao pé de Alvares, até mesmo chegarão a estar defronte do lugar de Cambas ao fundo de Janeiro de Baixo. Aqui li nas gazetas o acontecido na Estrada-nova do Fundão, Castelejo, Enxabarda e dali para baixo; mas elas a este respeito omitirão partes negativas, e talvez fosse por falta de informação. Eu bem quis mas não tive por onde e o certo que a mortandade, na Estrada-nova duas vezes que a rodearam é muito maior do que dizia a Gazeta. O nosso primo padre José Antão, de Janeiro de Baixo, sendo de tanta verdade como tu conheces, teve a pachorra de ir passear um bocado da dita estrada, e somente em uma légua contou 95 mortos, o valor de alguns paisanos foi desmarcado e cinco deles fizeram bravuras”. E diz mais ao Padre Nogueira: “Até aqui tenho falado em geral, agora em particular em duas palavras digo tudo: devemos dar muitos louvores a Deus porque nenhuma pessoa das nossas famílias tem caído em poder daquelas feras… agora o que mais deve lamentar-se é a fome, porque não só os pobres, mas também os ricos não tem cousa alguma, que comam, porque por onde passou a tormenta nada absolutamente ficou, nem de mantimentos, nem de carnes, em de hortaliças: e se alguma coisa escapou ao inimigo, o limpou a nossa tropa, assim mesmo os pobres soldados vão mortos de fome. Tenho sido bastante extenso, mas a cousa assim o pede, e sei o quanto estarás desejoso de notícias, adeus”. Do relatado na carta as datas dos massacres que descreve são em tudo coincidentes com a passagem das tropas de Gardanne, quando desce e sobe o Vale do Alva e do Mondego, dias depois é a passagem das tropas de Masséna e as tropas Inglesas e Portuguesas. Aquilo que os franceses não limpam o limpam os nossos soldados, dizia. (13) O Fundão, terra bonita com vistas sobre o vale do Zêzere, Serra da Estrela. Dia 24 começamos a subida difícil da Enxabarda (aldeia má) até à serra dos Três Termos, apesar dos maus planos a paisagem é muito bela, pela crista da serra até ao Giraldo. (14) O que nos diz Marbot nas suas memórias em dura critica a Gardanne: Agora perdeu completamente a sua rota. Não sabendo onde encontrar o exército de Masséna, vagueou em todos os sentidos, e quando alcançou Cardigos, os seus mapas mostravam o Zêzere, não organiza uma coluna em busca de uma força amigável. Deve sempre dirigir-se por rios, por florestas, por cidades grandes e por cumes das montanhas, para se mostrar às tropas em qualquer lugar próximo, eles certamente têm piquetes nestes pontos importantes. É duro compreender porque Gardanne se esqueceu desta regra do ofício. Perdeu realmente muitos homens num recuo precipitado sem ter visto o inimigo. Retornou a Espanha, levando para trás os reforços, de munição e cavalos. (15) (…) No dia 17 de Fevereiro estiveram também a pontos de entrarem em Arganil, sem serem pressentidos, pois tendo-se retirado a 15 de Góis para Serpins, com imensos gados e roubos de Góis, Várzea e toda a Serra de Santa Quitéria, estava Arganil mais sossegada, mas no dia 17 que era domingo, de manhã ao sair da primeira Missa chegou a notícia de que já vinham na Ribeira da Aveia (vê agora o perigo que houve, se entravam enquanto se estava à primeira Missa) ninguém se persuadia de tal por ser voz só de um homem; mas veio segundo, que confirmou o primeiro, e então se pôs tudo em reboliço, e fugida, e eles entraram de repente, como galgos atrás da gente, e imediatamente subiram ao Casal Nogueira e se espalharam pelos montes, vales e pinhais, mataram 5 pessoas e feriram muitas. As mortes mais sensíveis desta vila foram a do Reitor Acipreste, nosso grande amigo, o qual à primeira voz que veio de virem os Franceses, se vestiu de secular, pegou em uma espingarda, e entrou a gritar pelo povo, que fossem às armas e se foi a Carvalho de Passo, e atirou três tiros para eles, que vinham descendo as barreiras, mas não achou quem o acompanhasse, e a poucos passos 3 soldados de cavalo deram sobre ele, e o foram apanhar ao cimo do Senhor da Agonia, onde foi morto e bem retalhado de cutiladas, e depois lhe tiraram as botas, e o deixaram. Ao mesmo tempo mataram Pedro Marques, e outros partiram para a parte das Secarias, e foram matar o Padre António Dias da Valbona, que ia fugindo junto à quinta que foi de Luís Mendes (…)” Bibliografia: A. Thiers, História do Consolado e do Império. Delagrave, Memórias do Coronel. Banha, Tenente Teotónio. A Legião Portuguesa ao Serviço de Napoleão, Pág: 20 e 21. D’Urban, Benjamin. 1930, London. The Peninsular Journal of Major-General. Pág: 165, 166, 167, 168, 169 e 170. Foy, Maximilien Sébastien, Histoire de La guerre de la péninsule sous Napoléon. Tome IV, págs: 248, 249 e 250. Baudouin Freres. Editeurs, 1827. Boppe P., Le Commandant, La Légion Portuguaise 1807-1813. C. Terana Editeur. Marbot, Memórias do General Barão. Volume ll Pág: 146, 147 e 148. Marcel, Nicolas. Campagnes en Espagne et au Portugal: 1808-1814. Molieres, Michel. Les Expéditions Françaises en Portugal de 1807 à 1811. Pág: 296, 297, 348 e 349. Napier William Francis Patrick. Histoire de La Guerre Dans La Péninsule. Oman Sir Charles. 1911, London. A History of the Peninsular War. Volume lV Pág.: 9 a 22, 28 e 29, 162 a 164, 616 e 617. Volume V Pág.: 283 a 287. Pág: 103 e 104. Terenas, Gabriela Gândara. O Portugal da Guerra Peninsular. Vicente, António Pedro, Tempo de Napoleão Em Portugal Estudos Históricos. Manuscritos do Arquivo Histórico de Vincennes, Volume lll. Registos Paróquias de Alpedrinha, 5 de julho de 1808, fol. 101-102. Ano 1812, fol. 114 e 115. Diamantino Gonçalves (2017) [pro_ad_display_adzone id=”37510″]