Christophe Fonseca está a filmar os «heróis» do bairro-de-lata de Champigny

O realizador Christophe Fonseca está a preparar um filme sobre a emigração portuguesa a partir da história do bairro de lata de Champigny-sur-Marne, nos arredores de Paris, que nos anos de 1960 foi «um dos maiores ‘bidonvilles’ da Europa».

Em conversa com a Lusa, o cineasta lusodescendente explicou que, quando sonhou fazer cinema, era para contar esta história, a história da sua família e de tantos outros «heróis» que moraram nas barracas de Champigny.

«Este é um novo projeto muito importante para mim. O meu primeiro projeto quando sonhei fazer cinema era contar esta história. É uma história muito especial para mim, porque é a história dos meus avós e dos meus pais», contou o cineasta.

Christophe Fonseca está a preparar um filme que «mistura ficção, documentário e animação», com testemunhos de pessoas que moraram nos ‘bidonvilles’, passadores e «especialistas do mundo inteiro para perceber o que se passou».

O filme é «tão importante» para o realizador que só o vai apresentar «quando estiver satisfeito com o resultado», ainda que aponte como objetivo finais de 2018, início de 2019.

Sobrinho-bisneto de um soldado português que esteve nas trincheiras da primeira guerra mundial, e filho de emigrantes portugueses da região de Leiria e Ourém, o realizador cresceu a ouvir falar das histórias do ‘bidonville’ de Champigny-sur-Marne, por onde passaram «entre 100.000 a 200.000 pessoas» e que foi «um dos maiores bairros de lata da Europa».

«Essas histórias eram um bocado as histórias dos meus heróis, porque eles falavam de como tinham fugido à PIDE [a polícia política da ditadura] ou como tinham fugido com os passadores, como é que tinham passado as fronteiras, escapado aos tiros dos carabineiros, como é que eles tinham conseguido chegar a França, as porradas, as pistolas, as navalhas. Claro que quando somos crianças, para mim, eram as minhas histórias de cowboy», descreveu o realizador à Lusa.

O seu «western de criança» foi-lhe despertando a curiosidade e, na adolescência, pediu à Mairie de Paris imagens de arquivo das barracas de Champigny, em busca de «vídeos reais» e não apenas dos relatos dos pais e avós.

«Descobrimos um. Pus-me atrás do ecrã, sozinho, pus a cassete a andar e foi um momento muito forte para mim, emocional. Naquela altura não consegui aguentar as lágrimas porque as imagens que eu vi naquele momento eram muito longe do que eu podia imaginar: crianças no meio da lama sem nenhumas condições, ratos. Condições mesmo desumanas e não estava à espera de perceber que a minha família tinha passado por aquilo», recordou.

Desde então, Christophe Fonseca foi recolhendo testemunhos, entrevistando família e amigos, e criando um arquivo, tendo hoje, aos 40 anos, «uma centena de filmes sobre o bairro da lata da altura».

O cineasta partiu de vídeos e fotografias de crianças e quis «encontrar cada uma delas, saber o que são hoje, que marcas guardam daquela época» e foi descobrindo que «são pessoas completamente inseridas na sociedade francesa», desde professores a milionários.

«Ainda reforçou a minha imagem dos meus heróis. Os meus heróis são mesmo heróis até ao fim. Conseguiram o que não é possível imaginar. Claro que a primeira mensagem deste filme é uma homenagem para os meus heróis de criança, para a minha família, mas este filme vai muito além disso. Este filme vai dar um pouco de esperança. Este filme tem uma mensagem universal», sublinhou.

Para Christophe Fonseca, esta história – «sempre um bocado escondida», quer por França quer por Portugal – tem «uma mensagem de esperança para muitos povos que estão a atravessar isso hoje em dia», face à «subida do populismo e medo dos estrangeiros».

O filme vai ser produzido pela produtora francesa Les Films de l’Odyssée, cofundada por Christophe Fonseca, pela produtora Imagina, da qual também é sócio – ao lado de Ruben Alves, o realizador de «A Gaiola Dourada» -, e deverá ter, ainda, coprodutores nos «Estados Unidos, América do Sul e outros países europeus».

Christophe Fonseca é o autor do documentário «Amadeo de Souza Cardoso: O último segredo da arte moderna», criado para a exposição sobre o pintor português no Grand Palais, em Paris, em 2016, e que foi difundido «em mais de 80 países», nomeadamente nas salas do Grand Palais e do Museu do Louvre, em Paris, e no MoMA, em Nova Iorque.

O realizador também assinou um filme sobre a história de Camille Pissarro, considerado o «pai do impressionismo», descendente de uma família portuguesa de Bragança, que se estreou na televisão francesa aquando da exposição consagrada ao pintor, este ano, no Museu do Luxemburgo, em Paris.

Para breve, está a estreia de outro filme de Christophe Fonseca e Ruben Alves, o documentário «As vozes do fado».

 

 

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