Anne Caria, professora e mãe

Covid-19: Pais em França hesitam em mandar crianças para regresso às aulas

O regresso às aulas em França vai acontecer de forma progressiva a partir do dia 11 de maio, mas as famílias portuguesas no país, tal como as francesas, hesitam em enviar os filhos até terem mais garantias sobre a nova organização nas escolas.

“Nós vivemos em Paris, um cluster da doença. Portanto, o retorno à escola vai depender das informações que vamos receber até dia 11 de maio. O retorno à escola é muito importante, mas é muito importante tendo em conta o contexto. Não devemos aumentar o risco nem para nós, nem para as crianças, nem para as pessoas à nossa volta”, afirmou Maria João Pita, arquiteta e mãe de duas crianças de três e nove anos, em declarações à Lusa.

Após quase dois meses de confinamento devido à Covid-19 e a introdução generalizada do ensino à distância, a França prepara-se para começar a abrir as escolas a partir de 11 de maio, mas esta indicação tem sido recebida com apreensão pelos pais.

Uma sondagem feita para o Le Figaro e para a France Info mostra que pelo menos duas em três famílias (cerca de 64% dos inquiridos) não vão enviar pelo menos uma das crianças para a escola antes do novo ano letivo em setembro.

Esta apreensão levou mesmo o Presidente da República, Emmanuel Macron, a divulgar que este regresso em maio será “voluntário” e que as aulas à distância vão continuar. “Já disseram que seria voluntário e não seria com turmas completas. Recebemos hoje um e-mail a perguntar se estávamos de acordo em que o nosso filho mais novo voltasse à escola ou se ia ficar em casa. E ainda não sabemos o que responder, porque não sabemos se há máscaras, quantas crianças há dentro da sala. Está tudo muito confuso”, indicou Anne Caria, lusodescendente e mãe de três filhos em níveis escolares diferentes.

Anne Caria tem um duplo interesse nesta questão: além de mãe, é também professora do ensino pré-escolar no sistema educativo francês. Atualmente acompanha os seus alunos através de contactos diários com os pais e distribuição de exercícios, mas considera difícil imaginar certas medidas barreira na sua sala de aula. “As crianças não vão conseguir suportar aquilo [máscara] uma manhã inteira. Já eu tentei ir ao supermercado com uma e só o tempo das compras é incomportável. Faz calor e o nariz começa a pingar. Pôr uma máscara não é nada habitual para as crianças”, explicou a professora, reforçando que no ensino pré-escolar há uma proximidade que torna impossível manter as distâncias de segurança.

Algumas das medidas já adiantadas pelo Governo implicam a redução no número de alunos nas salas de aula e a distância entre as mesas e carteiras, mas, nalguns casos, estas precauções não são suficientes. Manuela Houssou-Montvert tem um filho com diabetes e foi a própria escola a sugerir que a criança ficasse em casa.

“Quando surgiu o anúncio do 11 de maio, até foi a professora que sugeriu que o mais pequeno, devido à diabetes, continue em casa, já que a escola funciona bem”, contou a lusodescendente.

As pessoas com diabetes são consideradas de risco perante a Covid-19, com Manuela Houssou-Montvert a referir que tem medo que “uma febre muito forte por causa do vírus” leve à destabilização da diabetes do filho de nove anos.

Quanto ao filho mais velho, de 15 anos, Manuela ainda não decidiu. No entanto, manter pelo menos o filho mais novo em casa vai levar a uma reorganização da família após o período de quarentena. “Vamos continuar a trabalhar em casa. O meu marido é capaz de ir uma vez por semana a Paris, para o trabalho, e eu vou de carro para o meu trabalho e estou numa sala sozinha. O meu patrão já disse que me organizava como pudesse, mas acho que o meu marido e eu vamos poder organizar as coisas”, referiu esta redatora técnica que vive em Massy, a sul da capital francesa.

Prolongar o teletrabalho é também uma possibilidade para Maria João Pita e para o seu marido. “Hoje não é impossível ter as crianças em casa e não está a pôr em causa o seu desenvolvimento. Enquanto as condições externas não estiverem asseguradas para ter essa segurança, não vamos sobrecarregar as escolas”, indicou a arquiteta instalada em Paris há dez anos e que mantém vários projetos nas áreas do urbanismo, referindo que este período trouxe coisas positivas como “aproveitar o tempo em família”.

Não sabendo ainda quando ou se a escola onde trabalha na região de Essone vai reabrir, Anne Caria vê a necessidade de reabertura para alguns casos. Da sua turma de cerca de 27 alunos, não consegue ter contacto regular com dois deles. “São dois que não têm meios informáticos. E eu sei que estamos num meio privilegiado. Mas há sempre crianças com pais muito ocupados ou que não têm o material necessário. Uma ainda consigo telefonar, mas a mãe não percebe tudo que digo”, contou a professora.

A solução para Anne Caria foi deslocar-se à escola, imprimir algumas fichas e trabalhos e depositar os dossiers à entrada das casas destas famílias com maiores dificuldades. Nestes casos, a professora do pré-escolar antecipa um trabalho reforçado no regresso às aulas. “Essas duas crianças são as que necessitam mais da escola e são exatamente essas que não têm contacto connosco nem internet. Os outros não vão a escola, mas estão a desenvolver outras competências. Esses dois também, mas talvez não tanto como os outros. Mas vai ser sempre possível recuperar”, afirmou.

Para a reabertura das escolas em França, uma das justificações do Ministro da Educação, Jean-Michel Blanquer, foi a perda de contacto entre a escola e “cerca de 5 a 8% dos alunos” em todo o território nacional. Também a reabertura das cantinas e de outras atividades que ficaram paradas devido à quarentena são importantes nos meios mais carenciados.

 

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LusoJornal