Home Política Deputado José Manuel Pureza (BE) quer maior implicação eleitoral dos emigrantesCarlos Pereira·13 Dezembro, 2017Política O Deputado do Bloco de Esquerda e Vice-Presidente da Assembleia da República José Manuel Pureza esteve em Paris para o lançamento do Instituto do Mundo Lusófono, na companhia de Cristina Semblano, membro da Comissão Política Nacional do Partido. Nascido em Coimbra, licenciado em Direito e doutorado em Sociologia, José Manuel Pureza é professor universitário de Relações Internacionais na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e investigador do Centro de Estudos Sociais. Tendo em conta que o Deputado integra a Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, impunha-se conhecer a opinião de José Manuel Pureza sobre alguns dos assuntos que mais dizem diretamente respeito às Comunidades e acedeu de imediato responder às perguntas do LusoJornal. Cerca de um terço dos cidadãos portugueses – os que residem no estrangeiro – não participam nos atos eleitorais portugueses, a maior parte porque nem está recenseada e os que estão recenseados, porque a metodologia de voto complica o próprio ato eleitoral. O que é que o BE pensa sobre esta matéria? Está em curso um trabalho no Parlamento para enfrentar esta questão da participação política, designadamente a participação eleitoral de emigrantes portugueses em diversas eleições e o BE já apresentou a sua própria proposta no sentido de incrementar ou tentar facilitar através de procedimentos mais ágeis, de formas de inscrição capazes de serem o incremento para essa participação dos Emigrantes. E fazemos isto porque olhamos esta realidade com a preocupação que ela certamente causa a todos os democratas ou seja a participação escassa tem certamente causas que se prendem com situações muito diversas, por exemplo algum afastamento daquilo que são os grandes debates em curso em Portugal, tudo isso certamente é um mergulho, uma imersão, destas pessoas, naquilo que são os problemas no país de acolhimento, e tudo isso é natural. Agora, o que nós, enquanto responsáveis políticos em Portugal podemos fazer, é criar condições para que essa tendência de algum afastamento possa ser contrariada. E qual é a proposta do BE para alterar a situação? Vai nesse sentido, tem a ver com mecanismos de inscrição, que é o que mais nos preocupa… Defende então a proposta do Governo de recenseamento automático? Parece-nos ser a proposta mais adequada. Gera bastantes discussões, é verdade, mas é uma solução que estimularia e facilitaria a participação democrática eleitoral dos Emigrantes. Se esta dimensão nos preocupa, também não deixa de nos preocupar outras formas de participação democrática que não sejam apenas as eleitorais. Nós sabemos que as Comunidaes portuguesas têm uma dimensão associativa interessante, onde se criam polos de convivência e de discussão, mas depois não se traduzem numa vontade, numa dinâmica de participação nos assuntos públicos e aparecem-nos por vezes casos individuais de pessoas que ocupam cargos de responsabilidade em municípios ou mesmo em órgãos mais importantes, como Parlamentos ou Senados, porque esses são de alguma maneira elementos que contrariam essa tendência de algum alheamento. Isto não se resolve apenas com mecanismos legais, resolve-se com outro tipo de intervenção, até mais pedagógica. Não falou sobre a metodologia de voto… Por enquanto só ainda pôs as culpas do lado de cá, no alheamento dos emigrantes… Não, nós assumimos essa responsabilidade de criar mecanismos legais do lado de lá que sejam facilitadores, porque percebemos – não estou a culpar ninguém – percebemos que as condições não sejam estimulantes para a participação. Compete a quem está do lado de lá – para utilizar as suas palavras – criar mecanismos para facilitar a participação cívica. Tem a ver com a descentralização do processo de voto, desde que evidentemente tenha garantias de ser genuíno e que seja autónomo, sério. Desde o sistema de voto até ao sistema de inscrição ou vice versa, foi isso que nos levou a tomar aquelas iniciativas que estão em estudo juntamente com iniciativas de outros Partidos para chegar a um bom resultado. E o voto eletrónico? Eu não excluo nenhuma hipótese, o que nos preocupa é que hajam mecanismos sérios que nos dêem todas as garantias de genuinidade e de autonomia de voto. Se se encontra uma forma de voto eletrónico que nos dê todas essas garantias, eu acho que não se pode excluir. A última eleição autárquica levantou outra questão: os Portugueses não podem votar nas autárquicas em Portugal, salvo se mentirem e disserem que moram em Portugal. O caso de Montalegre, sobejamento mediatizado, é importante. Acha que os emigrantes devem poder votar nas eleições autárquicas em Portugal? Olho para essa hipótese com alguma reserva. As eleições municipais são eleições onde se joga um conjunto de decisões que têm a ver com o quotidiano de uma comunidade, e o conhecimento desses problemas que implicam decisão é muitas vezes bastante difícil, porque a própria cobertura noticiosa não é muito grande. Olho com alguma reserva. Não estou fechado a ela, mas creio que se justifica muito mais que a prioridade de participação eleitoral da parte dos cidadãos emigrantes seja nas eleições Presidenciais ou nas Legislativas. A França considera que as eleições Departamentais ou Regionais não são «locais» e os migrantes europeus não podem votar nessas eleições. Nós somos excluidos. Portugal ainda não olhou para esta questão, mas qual a sua opinião? A prática que costuma ser seguida nesta matéria, seja em Portugal seja noutros países é normalmente uma prática que aponta para um princípio de reciprocidade. E mesmo a própria Constituição portuguesa admite a participação eleitoral de cidadãos estrangeiros em determinadas eleições, sob condições de reciprocidade, ou seja que nos países de origem dessas pessoas se verifique a mesma abertura para os cidadãos portugueses. Mas aqui trata-se dos Tratados europeus, há forçosamente reciprocidade… É verdade, mas os Tratados europeus… há sempre um jogo entre as Legislações nacionais e os Tratados europeus que nem sempre permitem que as disposições comunitárias sejam aplicadas sem mais. Creio que se justificaria plenamente que Cidadãos portugueses que vivem em França e têm uma inserção plena na vida da sua Comunidade em França, que têm portanto um acompanhamento diário seja do Município, seja do Departamento ou da Região, acho que se justificaria plenamente essa possibilidade de participação. Dado que isto funciona numa lógica de reciprocidade, creio que para resolver um problema ter-se-á que resolver o outro. O que é normal é o que se abre para cidadãos portugueses em França, se abra para cidadãos franceses em Portugal. Em França há o problema dos ‘Grands Electeurs’, que elegem o Senado e que implica que um Português possa votar, possa até ser eleito, mas nunca poderá ser Maire, nem Maire Adjoint. Em Portugal, um francês pode… O que significa que o Direito comunitário é aplicado diferentemente nos diferentes países. O que é normal e não devia ser. Os países menos poderosos têm por regra, como é o caso português, uma apetência para incorporar mais diretamente e imediatamente as regras comunitárias, sempre que os países mais poderosos, têm uma prática de filtragem mais lenta, mais difícil e isso mostra também o que é hoje a União Europeia. E Portugal devia tentar fazer algo? Acho que sim. Se os Tratados apontam para uma lógica de reciprocidade, então Portugal deve e tem todo o direito de fazer uma intervenção. Afinal passamos a vida a dizer que o facto de sermos membros da União Europeia nos coloca numa soberania partilhada e que temos uma soberania de idêntica intensidade na União Europeia. Então, porque é que nós não temos de fazer alguma coisa? Não é preciso ser crispado, nem violento, mas é preciso exigir responsabilidades a quem as tem. Não há nenhuma razão para que o Governo português não faça o que tem a fazer junto das autoridades franceses para que essa questão seja considerada. Outra questão importante é o ensino da língua. O debate é se devemos ensinar como língua estrangeira ou como língua materna. Este assunto devia ser mais debatido em Portugal? Devia certamente. E creio que terá que ser. Cada dia que passa torna-se mais urgente. Não faz sentido que havendo vontade, por parte do próprio estudante e da família, que a aprendizagem do português seja essencial na formação daquela pessoa, não faz sentido que isso não possa acontecer, ou que o Estado português não dê os meios necessários para que isso se faça. Passar de 400 professores para 80 é desistir naturalmente de que a língua possa continuar a ser património de uma Comunidade. Mas isto é uma questão de meios e o BE aprovou o Orçamento de Estado… Exatamente, aprovou com a convicção que fez bem aprovar, sendo certo que o Orçamento é um conjunto muito vasto de disposições, tem um conjunto importante de disposições que para nós eram essenciais e que tinham a ver com a recuperação dos rendimentos e recuperação de direitos, por isso votamos a favor, mas também foi público e notório que fomos contra algumas das escolhas que foram feitas no Orçamento e nós não perdemos a autonomia de continuar a criticar aquilo que é o Orçamento do Governo, mas há outras escolhas que não são acertadas e pelas quais nós nos batemos. E portanto não perdemos de modo algum a autonomia para lutar para esta causa. Estamos num momento da vida do país em que o cumprimento das regras comunitárias em matéria de disciplina orçamental designadamente no controlo do défice e de pagamento da dívida pública, nos estão a condenar a não afetarmos meios minimamente suficientes para questões essenciais da nossa vida coletiva. Poderia olhar para aquilo que é o quotidiano do território português e dizer que o serviço nacional de saúde está carenciadíssimo de recursos, a escola pública está carenciadíssima de recursos e há mais escolhas, as prisões, o sistema de justiça e naturalmente os salários e as pensões. Para aumentar o salário mínimo nacional numa escala reduzida, é todo um debate que se levanta sobre a possibilidade de aumentar 13 euros! Isto mostra bem como os constrangimentos a que Portugal se sujeita, limitam a capacidade de afetar recursos àquilo que é realmente importante. Isto significa que para esta causa, não estamos a falar de nenhuma enormidade de dinheiro, estamos a falar de uma escolha que é preciso fazer e que certamente pagamos mais de 7 mil milhões de euros por ano de juros da dívida pública, é por causa de coisas como esta que a restruturação da dívida é uma causa importante para o BE, não é por nenhuma teimosia ideológica, é porque precisamos de pôr a economia a respirar, isto é, de ter dinheiro para afetar a determinadas causas que nem sequer têm um impacto orçamental gigantesco. Creio que o Estado português tem a obrigação de atender àquilo que é a vontade explícita, autómona, consciente, de que uma Comunidade e de pessoas concretas que fazem parte dessa Comunidade. Em França há milhares de Portugueses que não podem aprender português… Claro, eu bem sei. Nesta matéria, como noutras, não é apenas a procura que gera a oferta, é também a oferta que gera a procura. Se houver disponibilização acrescida de meios para que se aprenda o português em boas condições, estou absolutamente convencido que também a dinâmica das famílias vai passar a ser mais aberta para esse campo. Como língua estrangeira ou como língua materna, então? Não sou capaz de me pronunciar. Sinceramente creio que pode ser uma questão importante, tenho consciência disso, mas não tenho a competência para me pronunciar. O que me interessa finalmente é que haja aprendizagem da língua portuguesa por parte daquelas pessoas que querem ter esse elemento essencial como parte do seu património de formação. Se for ensinado como língua estrangeira, também pode ser ensinado a Franceses e tem essa vantagem… Claro, há uma tecnicidade que quem é competente saberá decidir. Uma língua de emigrantes para emigrantes, é qualquer coisa que limita sempre o nível da aprendizagem. Seria mais produtivo que não fosse apenas no sentido da língua materna e confinar a aprendizagem aos descendentes portugueses ou membros de famílias portuguesas. Mas percebo a dificuldade. Dizia-nos recentemente um dirigente do PCP que o Ensino de Português no Estrangeiro deveria estar no Ministério da Educação e não no Ministério dos Negócios Estrangeiros. O que pensa sobre este assunto? Há aqui efetivamente uma tecnicidade difícil que tem a ver com a especificidade desta questão que aconselharia a que realmente esta questão fosse protagonizada pelo Ministério da Educação. Não quer dizer que o Ministério dos Negócios Estrangeiros não tenha que ter uma participação nesta matéria, porque gere toda a rede externa e a projeção internacional da língua faz parte da política externa, mas há aqui escolhas que se prendem com conteúdos, com metodologias, com formas de abordagem dos níveis de progressão de aprendizagem do português e isso, o Ministério dos Negócios Estrangeiros não sabe, nem tem que saber fazer, só pode ser com o protagonismo do Ministério da Educação. O BE levantou estes últimos anos, questões ligadas à nova emigração e esqueceu as outras emigrações que já cá estavam há muito mais tempo. Como explica este voltar de costas para estes 5 milhões de Portugueses que estão fora? Não darei toda a razão à sua observação e posso citar um exemplo: quando do confronto a que a UE se sujeitou nos últimos anos a propósito da política de acolhimento de pessoas que vinham de fora das fronteiras europeias, em busca de proteção, Portugal fez um discurso acertado que é de priviliegiar o acolhimento. E nessa altura, uma das linhas que foi utilizada, foi que nós Portugueses sabemos bem o que é termos de sair da nossa terra, para ter uma vida melhor. Esta questão não se prende apenas com aqueles que buscam proteção, que fugiram das guerras e da perseguição política. Isto coloca-se também para aqueles outros que fogem da miséria, da pobreza, isto é, tanto o Eritreu como o Vietnamita que vem à procura de uma vida melhor como é agora e foi há décadas a esta parte, o Português para França ou para outro país. Quando o BE tem lutado de uma forma muito firme muitas vezes até com pouco acompanhamento das outras forças políticas, pelo reconhecimento de direitos do residência de cidadãos emigrantes em Portugal, nós fazemos sempre questão de dizer que nós devíamos ser os primeiros a ter uma atitude decente para com quem nos busca porque justamente as nossas Comunidades são a expressão concreta dessa condição. Portanto nós não nos esquecemos daquilo que é a condição dos nossos cidadãos emigrantes. Agora, na verdade a sua pergunta tem razão de ser, é necessário que esta questão de tanta gente que tem ligação a Portugal por ascendência de diversas gerações que vive no estrangeiro, ter de ser um assunto de primeira importância e assumo em nome do BE as responsabilidades que têm de ser assumidas por isso não ser suficientemente intenso. Creio que faz todo o sentido que assim seja. O BE é um Partido recente, já com alguns anos, mas não tantos assim, tem-se vindo a implantar também nas nossas Comunidades emigrantes. Aqui em França esse é um aspeto que nos dá muita satisfação, vermos mais emigrantes a aproximarem-se do Bloco, de diversas gerações, e portanto isso também nos vai estimular e até impôr que nós tenhamos de ter uma reflexão mais aprofundada sobre o assunto do que aquilo que temos tido e aqui estou eu a reconhecer o que deve ser reconhecido.