Documentário de Ana Isabel Freitas sobre folclore português em França ganhou prémio em Edinburgh

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A realizadora portuguesa radicada em Paris, Ana Isabel Freitas, recebeu este domingo o Prémio de Melhor realizadora de filmes documentários do World Independent Cinema Awards, WICA 2023, um festival que tem lugar todos os anos em Edinburgh, na Escócia, com o filme “Lá em baixo”, um documentário sobre grupos de folclore portugueses em França.

O filme já tinha participado no Festival de Nice, onde teve quatro nomeações – Melhor documentário de língua estrangeira, Melhor realizador de documentário de língua estrangeira, Melhor cenografia e Melhor filme de interesse histórico – e venceu o Prémio de Melhor documentário de língua estrangeira.

Agora, teve duas nomeações para o WICA de Edinburgh – Melhor realizadora de filmes documentários e Melhor documentário – e acabou por ganhar também um prémio.

“Lá em Baixo” (em francês “Là-bas” e em inglês “Over There”) é um documentário que retrata o dia-a-dia de três grupos folclóricos portugueses em França, numa “conversa constante sobre folclore, família e tradição”. Durante todo o ano de 2019, Ana Isabel Freitas seguiu de perto o grupo da ARCOP de Nanterre, o Grupo folclórico e etnográfico Povo da Nóbrega de Créteil e Juventude Portuguesa de Paris 7. “Uma janela para as vidas, corações e mentes de pessoas que dedicam as suas vidas a construir uma representação de si mesmas e da sua identidade” lê-se na apresentação do filme, filmado, montado e realizado por Ana Isabel Freitas, com a ajuda do marido, Fernando Vilela.

Ana Isabel Freitas é transmontana, de São Martinho de Anta – a aldeia do distrito de Vila Real onde nasceu Miguel Torga – e chegou a Paris em 2015 para acompanhar o namorado que tinha conseguido uma bolsa de bioquímica em Paris. Entretanto casaram e a jovem realizadora está agora grávida. “Inicialmente, vir para França era um projeto curto, de 3 ou 4 anos, mas neste momento, tanto eu como o meu marido criámos as nossas redes, trabalhamos aqui, agora vamos ter um bebé a nascer em Paris e isso vai marcar para sempre a nossa vida” diz ao LusoJornal. No entanto, o casal continua aberto ao percurso que a vida lhes dará, sem excluir a possibilidade de regressar a Portugal ou de partir para outras aventuras noutros países.

Ana Isabel Freitas dá atualmente aulas na Universidade de Paris Nanterre e está a tirar um doutoramento no qual o documentário “Lá em baixo” é a peça mestra.

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Uma paixão pelas artes

Quando chegou a Paris, Ana Isabel Freitas trazia na bagagem uma Licenciatura em artes plásticas e pintura pela Faculdade de Belas Artes do Porto e um Mestrado em desenvolvimento de projetos cinematográficos e pós-produção pela Escola superior de teatro e cinema de Lisboa.

Aliás, em Paris começou logo a trabalhar com a escultora Eva Jospin “que estava a fazer um trabalho monumental para o Museu do Louvre, em cartão. Eu fui uma das estagiárias que ajudou a cortar o cartão para fazer as florestas e as grutas em cartão” explicou ao LusoJornal.

Teve um atelier de pintura na Casa de Portugal André de Gouveia, na Cidade universitária internacional de Paris, onde viveu quando chegou a França, e em 2021 integrou um projeto coletivo de ateliers de pintura num edifício em Paris.

Fez uma série de pinturas de paisagens com mensagens de pessoas de várias nacionalidades a residir em Paris, fez algumas exposições coletivas numa Galeria em Montmartre, e em 2021 acabou por participar em duas feiras internacionais, uma no Carrossel do Louvre, em Paris, e outra em Deauville. Vai tendo algumas encomendas dos Estados Unidos e mantém uma produção bastante regular.

Mas Ana Isabel Freitas interessa-se por vários outros domínios da arte. Integrou o grupo de cante alentejano Cantadores de Paris, já cantou ópera na Philharmonie de Paris e integra a companhia de teatro Cá e Lá, também em Paris.

Ainda quando vivia na Casa de Portugal, na Cidade universitária, realizou um documentário sobre os direitos das mulheres no mundo, com testemunhos internacionais. “É um sítio fantástico para encontrar pessoas no mundo inteiro e várias jovens falaram dos direitos das mulheres nos seus próprios países” explicou numa entrevista ao LusoJornal.

Realizou também um documentário para a Mairie de Plaisir (78) explicando como a dança pode ser um importante elo-de-ligação entre os habitantes daquela cidade multicultural.

Mais recentemente realizou dois documentários a convite da Coordenação do ensino português em França, com financiamento do Instituto Camões, “sobre a promoção da língua portuguesa e o ensino da língua portuguesa em França”.

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Uma descoberta do folclore português em França

Ana Isabel Freitas nunca dançou num grupo de folclore, mas diz que gosta de música tradicional. Depois de perceber que havia muitos grupos de folclore portugueses em França – “na altura isso surpreendeu-me” explica – decidiu fazer um documentário sobre esse tema, pôr as pessoas a falar, perceber a relação entre as pessoas que moram em França, mas guardam uma relação forte com as suas raízes. “Pareceu-me interessante perceber por que razão estas pessoas mantêm esta relação com o folclore, pessoas que vieram para cá há muitos anos ou que nasceram cá, mas têm alguma origem portuguesa, ou são já uma terceira e quarta geração, e também conheci pessoas que não têm qualquer relação direta com Portugal, mas têm o marido ou a esposa e acabam também por se envolver nos grupos folclóricos. Isto causou-me uma grande curiosidade e decidi fazer então um documentário”.

Começou por encontrar alguns elementos de grupos folclóricos, à volta de um café, e foi criando a sua própria “rede” de contactos. “Eu escolhi os grupos, mas eles também me escolheram a mim” afirma.

No Grupo folclórico e etnográfico Povo da Nóbrega de Créteil, interessou-se pelo rigor etnográfico e pelas cenas de reconstituição que ensaiam e levam ao palco entre duas danças. “Percebi que estava a haver ali um movimento de mudança há alguns anos e que havia uma vontade muito grande que os tecidos dos trajes fossem com fibras naturais como se fazia na altura ou então peças antigas que recolhem, pesquisam músicas… eu achei isso muito interessante”.

No grupo Juventude Portuguesa de Paris 7 interessou-se pelo facto de duas pessoas terem chegado de Portugal há relativamente pouco tempo, em 2008. “Havia esta conexão entre pessoas que praticaram folclore em Portugal há pouco tempo e que vieram integrar um grupo que já existia e que já tinha uma história em Paris. Eles traziam um pouco da sua própria energia” refere Ana Isabel Freitas.

A realizadora interessou-se pelos “pequenos detalhes” que foi encontrando no grupo. “Nos ensaios os iniciantes têm mais tempo de ensaio para chegarem ao nível dos outros pares e vão mudando para não dançarem sempre com o mesmo par”.

Na ARCOP de Nanterre a realizadora interessou-se pelo facto das pessoas irem ficando ao longo dos anos. “As mesmas pessoas que formaram o grupo, ainda estão no grupo, essa longevidade é superinteressante, é a prova que existe ali uma conexão muito forte entre as pessoas”. Interessou-se também pela criatividade porque, “por exemplo, eles adaptam as letras das canções à realidade atual do grupo em Nanterre. Achei isso superinteressante”.

Durante todo o ano de 2019 mergulhou no assunto, tem cerca de 400 horas de imagens, assistia aos ensaios, acompanhou-os nas atuações e quando participavam em festivais, entrevistou-os,… interessou-se pelos mais jovens que aprendiam a tocar instrumentos tradicionais, pelas mulheres que descobrem uma paixão pela costura, e partilhou repastos com eles. “O filme também tem muita comida, faz parte da nossa cultura” confessou a sorrir ao LusoJornal.

Todo este processo foi realizado sem qualquer apoio financeiro e sem produção. Mas, depois de ter montado o filme, em 2020, conseguiu, com a ajuda da associação AgraFr, um subsídio da DGACCP, em Portugal, para a distribuição do documentário.

Foi graças a este apoio financeiro que conseguiu inscrever o filme no ICA, em Portugal, enviar o filme para vários festivais e acabou por vencer estes dois primeiros prémios.

A estreia do filme chegou a estar marcada para o Cinema Médicis, em Paris, mas teve de ser anulada por razões de pandemia de Covid-19. Por isso, a verdadeira estreia em França aconteceu no Festival de Nice, em maio de 2022.

O primeiro Prémio recebido em Nice, fez com que o documentário participasse agora, entre os dias 2 e 4 de fevereiro, no Festival de Edinburgh e acabou por ser importante para a estreia que teve em Indianapolis, nos Estados Unidos.

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Do documentário ao doutoramento

“Lá em baixo” acaba por ser o suporte da tese de doutoramento que Ana Isabel Freitas está a fazer na Universidade de Paris Nanterre. “Tive a sorte de conhecer a professora Graça dos Santos que apostou em mim e aceitou dirigir o meu doutoramento. O projeto é complexo porque tem um pouco de antropologia, de sociologia, de história, são áreas que eu não tinha estudado antes”.

“Consegui que a minha tese fosse considerada ‘recherche-création’. É algo novo, que não existe ainda em muitas universidades em França, mas que Nanterre tem” conta ao LusoJornal.

Ao trabalho de terreno que acaba por ser o documentário, Ana Isabel Freitas está a trabalhar agora em áreas mais teóricas de investigação. Fez bastante investigação na Torre do Tombo, em Lisboa, ou na Biblioteca Nacional francesa. “A minha ideia era de colocar estas peças, para perceber de onde vêm estas pessoas do folclore, porque é importante para estas pessoas criarem estes grupos de folclore que representam Portugal aqui, qual foi a experiência de emigração que criou uma necessidade de estarem muito ligadas a uma Comunidade portuguesa, aqui temos as questões da integração, por exemplo” explica Ana Isabel de Freitas.

Apesar da Coordenação das Coletividades Portuguesas de França (CCPF) ter listado cerca de 250 grupos de folclore portugueses em França, nos anos 90, Ana Isabel Freitas considera que “não existe muita pesquisa sobre folclore. Aparecem alguns estudos sociológicos, mas com uma ligeira passagem, algo de que se fala de uma forma leve, não existem realmente estudos em detalhe. Eu apenas encontrei um estudo dos anos 90, uma encomenda do Estado francês a Sophie Chevalier, mas é a única investigação que eu encontrei”.

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LusoJornal