LusoJornal | António BorgaEmbaixador Francisco Ribeiro de Menezes diz que relações franco-portuguesas são de “respeito mútuo”Carlos Pereira·Comunidade·13 Novembro, 2025 No dia em que completou 6 meses de funções em Paris, a 6 de novembro, o Embaixador de Portugal em França deu uma longa entrevista ao LusoJornal para fazer o balanço da sua ação e para falar das relações entre a França e Portugal. Transferido da Embaixada de Portugal em Berlim, o diplomata compara também, por vezes, a relação bilateral entre Portugal e a França com a relação bilateral entre Portugal e a Alemanha. Este também foi a oportunidade para Francisco Ribeiro de Menezes falar das suas relações familiares com a França e até para evocar a sua relação com a banda-rock portuguesa “Sétima Legião”, da qual ainda faz parte. . O Senhor Embaixador tem dito que a sua família está relacionada com a França. Quer explicar em que contexto? O meu avô paterno, Mário Ribeiro de Menezes, oficial do Exército de carreira, foi como Capitão para o teatro europeu do Corpo Expedicionário Português (CEP) durante a I Guerra mundial e foi feito prisioneiro pelos alemães na Batalha de La Lys. Esteve preso na Alemanha até ao princípio da Primavera de 1919. O meu avô tinha responsabilidades particulares como Tesoureiro do contingente português detido. Alguns anos depois voltou à França e foi aí que conheceu a minha avó. A minha avó paterna, a avó Renée, nasceu em Bordeaux em 1901. Depois, a minha avó foi para Portugal. O meu irmão, Filipe, que vive na Irlanda há anos, é historiador e tem um livro sobre o Corpo Expedicionário Português. Chama-se “De Lisboa a La Lys” e começa com a reprodução de parte do Diário de Guerra do meu avô. E já visitou a região de La Lys? Visitei há muitos anos, mas visitarei no próximo ano, na altura própria, durante as comemorações da Batalha de La Lys, evidentemente com muita honra. A minha ligação à França continuou bastante mais tarde. O meu pai, diplomata também, hoje aposentado, teve como primeiro posto o Consulado de Paris, na segunda metade dos anos 60. Eu vim para Paris com um ano e meio ou dois anos e estava em Paris em maio de 68, não com idade de perceber o que estava a acontecer, mas com idade para perceber que alguma coisa de anormal se estava a passar. Antes de vir assumir funções em Paris, houve uma visita de Estado a Portugal de Emmanuel Macron. Suponho que os meses que antecederam a visita foram muito intensos do ponto de vista diplomático. O que ficou dessa visita de Estado? Felizmente, muito. Esta visita foi muito importante, foi preparada, como bem diz, ao longo de meses. Dentro do quadro da preparação desta visita, existia a negociação do que veio a ser o Tratado de Amizade e Cooperação entre França e Portugal, Tratado esse que, por sinal, já está ratificado pela parte francesa. Nós ainda estamos em processo de o fazer. Esse Tratado elevou a relação luso-francesa a um nível que normalmente se reserva para parcerias estratégicas. Parcerias entre países que têm grande confiança um no outro. Nós temos poucos Tratados deste tipo e a França também. O volume, o historial, a dimensão, a riqueza da nossa relação, com certeza que justificavam que esse Tratado fosse assinado. É um instrumento muito importante para estruturar melhor esta relação e dar-lhe mais oportunidades e possibilidades de avançar. O Tratado, como sabe, consagra o princípio da organização periódica de cimeiras a alto nível, com o Presidente francês e o Chefe de Governo de Portugal, com mecanismos de preparação e mecanismos de acompanhamento. A periodicidade não está fixada, mas posso dizer-lhe que o objetivo admitido pela parte francesa – foi-me comunicado quando aqui cheguei – é o de organizar a primeira cimeira – a Cimeira inaugural neste quadro – em 2026. Segue-se, na mecânica do Tratado, uma vastíssima lista de áreas em que a cooperação, o contacto, o diálogo entre Portugal e França podem e devem avançar. Estamos a falar de áreas tradicionais, indústria, agricultura, cooperação com países terceiros, mas também de defesa, investigação científica, digitalização, interconexões energéticas e de transportes, transportes aéreos… É como uma ementa de um grande restaurante em que ficamos com vontade de provar um pouco de cada prato. Portanto, essa é a herança palpável de imediato da visita de Estado de fevereiro deste ano. Eu suponho que este Tratado surge porque temos uma forte Comunidade portuguesa em França. É isto que faz com que os dois países tenham um relacionamento especial? Com certeza que a dimensão da Comunidade portuguesa em França qualifica pela positiva a relação bilateral. É uma Comunidade muitíssimo bem integrada, que representa uma mais-valia para o conjunto da sociedade francesa e que é, nesta altura já, praticamente inseparável da realidade francesa em que se encontra. E é uma Comunidade que assimilou os costumes e a língua em França sem perder a sua conexão com Portugal. Esse peso sentimo-lo todos os dias, em todas as áreas da atividade económica, em várias áreas da atividade política e, obviamente, no fluxo diário do trabalho da Embaixada e dos Consulados. A França tem muito interesse em desenvolver uma relação intensa com Portugal, membro fundador da Aliança Atlântica, membro respeitado das Nações Unidas, Estado-membro da União Europeia desde 1986, com muito apoio de dois sucessivos Presidentes franceses e dos seus vários Governos ao longo desse período. Temos um relacionamento privilegiado com muitas áreas do globo que são complementares às áreas onde a França tem essa presença também e, de modo geral, tendemos a olhar para o mundo da mesma maneira e de partilhar valores, princípios e objetivos. Isto para não falar de uma proximidade cultural que foi sempre muito intensa e, enfim, desde o fim das Invasões Napoleónicas podemos dizer que a nossa relação com a França tem sido, francamente, muito boa, muito densa e que há muito respeito em Portugal por França, assim como há muito respeito em França por Portugal. Por tudo isto, não me surpreendeu que esse Tratado acabasse por ser assumido como objetivo para os dois países. Foto: LusoJornal | António BorgaO senhor Embaixador foi um destes dias à Assembleia nacional francesa e encontrou-se, nomeadamente com Deputados de origem portuguesa. É importante esta presença de lusoeleitos nas câmaras e no parlamento francês? Não tenho a mais pequena dúvida. Eu tenho uma “cábula” que me dá um panorama extraordinariamente rico dos eleitos em França. E é muito significativo que haja um Grupo de Amizade na Assembleia Nacional, que haja um Grupo de Amizade no Senado, que mesmo num pico de atividade parlamentar como aquele que se vive em França atualmente – de resultado ainda incerto – o Presidente e os Vice-Presidentes do nosso Grupo de Amizade nos tenham querido oferecer esse almoço há uns dias. Também não é por acaso que no próximo dia 14 de novembro, a Presidente da Assembleia Nacional vai visitar o Presidente da Assembleia da República e levará com ela alguns dos membros do Grupo de Amizade. Não é por acaso que o Grupo de Amizade quer organizar para 2026 – insisto, mantendo-se este quadro parlamentar- uma visita mais alargada a Portugal, com vontade de não ficar apenas em Lisboa, mas abranger outras cidades portuguesas. Essa presença em instâncias legislativas e políticas a nível regional é importantíssima. E grande parte das questões legislativas, a Lei da nacionalidade, o fenómeno migratório, a repartição da chave entre as despesas e as receitas, as grandes prioridades orçamentais, o gasto público, a saúde… estas agendas políticas e legislativas são largamente partilhadas pela Assembleia Nacional em França e pela Assembleia da República em Portugal, assim como pela maior parte dos outros Parlamentos na Europa em que vivemos. O facto de termos interlocutores a estes níveis facilita e torna muito mais interessante e eficaz a nossa atividade. São pessoas normalmente muito interessadas. Há dois dias tive a oportunidade de falar com o Deputado Christophe Proença – que se transformou já num bom amigo – sobre os temas da educação e de lhe pedir que mantivesse também atenção sobre o lado francês da equação. Portanto, este é um ponto de encontro muito interessante e muito útil. E são pessoas bem informadas, influentes, que contribuem muito para a propagação, a difusão, daquilo que Portugal contemporâneo é. Não é, por acaso, que a imprensa francesa dedica tanta referência a Portugal, então comecei a fazer a ronda pelos meios de comunicação social. Ontem fui visitar a redação do Le Figaro. Há uma semana o Figaro tinha uma chamada de capa no Suplemento de Economia sobre como Portugal mostra o caminho à França. Eu levei o suplemento para lhes mostrar, dizendo que o Figaro é o primeiro jornal a chegar à Embaixada, de manhã, e é o primeiro que eu leio. Mesmo à volta da mesa da redação do jornal, estavam várias pessoas com ligação regular frequente a Portugal, duas delas com casa em Portugal. Então, sim, objetivamente é importante para nós, em termos diplomáticos, em termos políticos, em termos do cuidado que devemos ter com a Comunidade portuguesa, que haja tantos lusoeleitos em vários níveis neste país. Até ao início dos anos 2000 era possível juntar os lusoeleitos numa sala. Agora, com 8 mil e tal lusoeleitos, não é possível reunir todos. Como é que o Senhor Embaixador vai manter esta ligação? A ligação vai-se construindo a cada dia. Nós, aqui, com estas instalações, tentamos abrir a porta o mais que nos seja possível. Há os que gravitam em torno de Paris e na Île-de-France, há os que vamos encontrando quando nos deslocamos para fora de Paris e há os que nos contactam quando vêm a Paris e a minha secretária vai ficando cheia de cartões de visita. Organizar encontros coletivos com eles não é possível? O mesmo se aplica com as associações. A França é um exemplo vivo de que a crise do associativismo é um conceito com algumas falhas, porque o associativismo em França está vivíssimo. Isso é o que me parece. É verdade que nestes seis meses eu saí menos de Paris do que gostaria. Para isso contribuem vários fatores: temos uma ou duas peças-chave na Embaixada em falta e esperamos reparar essa realidade em breve; aquilo que nos faz reter em Paris, é de facto enorme. As solicitações que chegam à Embaixada, mais aquelas em que somos nós que nos metemos, porque somos nós que organizamos, é de facto impressionante. Eu nunca tinha sentido tanto isto na pele como aqui. Costuma delegar o relacionamento com as Comunidades nos Cônsules ou é um Embaixador implicado neste tipo de relações diretas com a Comunidade? Não, o que eu digo é que ainda não consegui começar a cumprir um plano de volta à França, até em vários meios de transporte, para conhecer a realidade de cada jurisdição e dentro dessa jurisdição, as pessoas e as instituições que necessito ver. Espero poder começar a fazer isso a partir de janeiro do ano que vem. Mesmo assim, já viajei bastante, aqui na região de Paris, já fui a Nice, já fui a Strasbourg, já fui a Beausoleil, a Champigny… temos mantido contacto com outra França que não é a dos eleitos e que é igualmente relevante para nós, como os Conselheiros da diáspora, a Câmara de Comércio e Indústria Franco-Portuguesa, os Conselheiros das Comunidades que estão aqui em Paris, os movimentos associativos com quem posso trabalhar e não posso esquecer de uma das noites mais extraordinárias da minha vida, pouco tempo depois de aqui ter chegado, na Gala da Fundação Sara Carreira, que foi algo verdadeiramente extraordinário e muito gratificante mesmo. E devo dizer que, por onde passo, o apreço pelo nosso país é enorme. Isso é comovente porque tantos anos envolvidos, a ligação ao país continua. A França é um país enorme, com uma capital que não gosta de nos deixar sair e é preciso atingir aquela velocidade a partir da qual se pode sair da órbita terrestre para sair da órbita de Paris e para chegar aos outros pontos. Mas tenho o contacto regular com os Cônsules-Gerais e creio que temos uma boa equipa. Foto: LusoJornal | António BorgaE na área dos negócios, muito do que se passa economicamente entre os dois países passa aqui pela Embaixada? Eu gosto de pensar que sim, e tenho motivos para acreditar que sim. É uma relação económica, comercial e de investimento antiga, muito consolidada em Portugal, menos consolidada do nosso lado em França, com crescentes investimentos a serem feitos aqui e com uma progressiva tomada de consciência, do lado francês, da mais-valia que o destino de Portugal lhes oferece em gente qualificada, infraestruturas, segurança, custo de vida, interconexões… A nossa Banda Larga em Lisboa é muito melhor do que a Banda Larga em Paris, que já é bastante melhor do que a de Berlim, onde eu tinha de andar dentro de casa à procura de rede. Há coisas em que nós criámos um universo muito acolhedor, muito apelativo. O facto de haver um grande fluxo de pessoas de um lado para o outro, ajuda isto. E também ajuda o facto de haver empresas-bandeira que se instalaram em Portugal, que têm ligações a Portugal e que servem de referência para outras. Não é por acaso que a Vinci está em Portugal. Não é por acaso que o grupo Air France-KLM quer adquirir a parte da TAP que será privatizada em breve. Não é por acaso que a Alstom fez um esforço tão grande para vender o material ferroviário que finalmente se conseguiu vender a Portugal. Não é por acaso, na área dos serviços, que um banco com a dimensão do BPCE entra no mercado português, pagando a contado 6 bilhões e meio de euros pelo Novo Banco, tendo já antes uma bastante mais pequena presença no país. São sinais do dinamismo e da atratividade de Portugal enquanto destino de investimento e isso valoriza muito o nosso país. Temos também outras fileiras mais tradicionais: a moda, as indústrias pesadas, os componentes para a indústria automóvel, a própria indústria automóvel, e setores como a digitalização e o numérico, em que temos muito para dar à parte francesa. Mesmo nas energias renováveis, temos muitas tecnologias associadas ao seu manuseamento, e no caso do hidrogénio-verde, a sua própria feitura, para partilhar com a parte francesa. Nós mantemos contactos regulares aqui com a Air France-KLM, com a Alstom, com a Thalès, com a Dassault, com outras empresas, e naturalmente com o BPCE e com os bancos portugueses que operam aqui em França. A indústria da guerra entre a França e Portugal também tem passado muito aqui pela Embaixada… Vamos dizer indústria de defesa (risos). Houve um primeiro encontro muito bem sucedido, que foram as Jornada das indústrias da defesa, aqui na Embaixada, seguidas com muita atenção pelo lado francês ao ponto de estar já marcada para janeiro do ano que vem, a segunda sessão que terá por anfitrião a Embaixada francesa em Lisboa. Um dos segredos da diplomacia militar, aliás, é a existência de uma boa relação entre os dois Embaixadores. E eu tenho essa muito boa relação com a Embaixadora francesa. Por isso, sim, é verdade que a cooperação nessa área se intensifica muito. Isto é também fruto de outras tomadas de consciência sobre o mundo em que vivemos, as ameaças que enfrentamos, a necessidade de recuperação no equipamento de forças armadas e dos arsenais que têm à sua disposição, um aumento de gasto em defesa, um investimento em defesa muito significativo decidido pelo conjunto dos países aliados e a introdução também de um mecanismo da União Europeia que permite um financiamento a um nível verdadeiramente impressionante para essa área. A França tem encontrado em Portugal um interlocutor muito interessante. E França é um grande produtor de sistemas de armamento. Existe algum assunto que esteja atualmente na agenda entre os dois países e que queira destacar? O maior assunto de atualidade no último mês foi o lançamento do Asterix na Lusitânia (risos). Foi uma maravilhosa sucessão de acontecimentos com muita revigoração na imprensa e, imagino, que com muitos milhares de livros já vendidos. Noutros registos, há sempre muita coisa em curso. O que mais me reconforta nisto é saber que há uma relação muito variada e que em praticamente qualquer área de atividade económica ou de serviços há empresas francesas e portuguesas a funcionar. Ainda por cima, com uma nota de encorajamento, diria eu, há um grande respeito pela sustentação do saneamento financeiro que Portugal levou a cabo desde 2011 a esta parte. Há um grande respeito pela diversificação e pela internacionalização da economia portuguesa. E pelo conjunto de números que vai apresentando, quer em termos dos maiores indicadores, o rácio PIB-dívida, déficit, excedente orçamental, emprego, a percentagem do PIB em exportações… tudo isso é muito admirado aqui. E isso ao mesmo tempo que vamos percebendo que mesmo em França, neste momento tão complexo da sua vida parlamentar, a economia francesa deu um sinal de vitalidade e cresceu de maneira significativa no terceiro trimestre deste ano. A estagnação da economia francesa prejudica a nossa relação comercial com a França e por isso mesmo é um sinal positivo ver que a economia francesa mantém a sua força. Isso é muito benéfico para nós e é muito benéfico para o resto da Europa. Tenho aqui uma última pergunta: quando vai ser o próximo concerto dos Sétima Legião, em Paris? Não seria o próximo, seria o primeiro! Tenho de responder a isso com uma grande reserva, como imaginam. É uma parte da minha vida de que me orgulho imenso e que me tem dado muitas alegrias desde os meus 16, 17 anos e vou com 60 anos recém feitos, portanto é uma vida inteira ao lado de muito bons amigos. E é algo que me regenera de alguma maneira. Não sei responder-lhe. Isto são questões que têm de ser vistas com produtores e promotores, mas com certeza que seria algo único e algo seguramente muito divertido para todos os envolvidos nessa faceta. Muito obrigado pela pergunta.Fotos: LusoJornal | António Borga