LusoJornal | Carlos Pereira

Embaixador Luís Ferraz faz o balanço de 4 anos à frente da Direção Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas

A Direção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas (DGACCP) tem três pilares fundamentais para quem vive no estrangeiro: os Vistos de entrada em Portugal, embora esses não digam respeito propriamente às Comunidades, a Administração consular, o Apoio aos órgãos das Comunidades e há agora um novo pilar que está em construção, que é a passagem do Gabinete de emergência consular para Gabinete de gestão de crises.

Nos últimos quatro anos, a Diretor-Geral da DGACCP tem sido o Embaixador Luís Ferraz, que está agora de saída, mas que ainda inaugurou recentemente as novas instalações desta instituição na rua do Sacramento à Alcântara.

Luís Ferraz é suficientemente conhecido pelos ortugueses que residem na região parisiense porque foi Cônsul-Geral de Portugal em Paris, depois de ter estado, antes, no Gabinete do então Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, António Braga.

Em jeito de balanço, Luís Ferraz deu uma longa entrevista ao LusoJornal, que permite também perceber melhor qual a função importante desta instituição na vida de quem mora fora de Portugal.

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Um dos pilares importantes da DGACCP é a Administração consular. Em que consiste exatamente esta missão?

A Administração consular tem como vocação dar resposta às diferentes solicitações da Comunidade portuguesa que se materializa posteriormente na prática de atos consulares, do Registo de nascimento até à emissão do Cartão de Cidadão e, em alguns casos, do Passaporte.

Só isso ou também se ocupa da instalação, compra ou venda de edifícios?

Não, a compra e venda imobiliária é feita pela Administração patrimonial, portanto, a Direção-Geral da Administração do Ministério, mas a decisão, no fundo, tem uma corresponsabilização evidente da DGACCP que terá que dar um parecer técnico, não no sentido da obra, mas no sentido do objetivo procurado pelo serviço consular.

Nós temos a análise e o acompanhamento do trabalho dos postos. No fundo, exerce-se uma fiscalização sobre a atividade dos postos consulares. Temos acesso à tipologia de atos praticados, ao número de atos, aos tempos de espera, aos tempos de agendamento… Tudo isso permite-nos fazer uma gestão mais racional dos recursos e dos postos consulares. Da mesma forma que enviamos equipas que se deslocam aos postos regularmente, para tentar ajudar a melhorar os serviços e a ter uma gestão mais flexível e mais racional.

Ainda há coisas a melhorar nos serviços consulares?

Há sempre coisas a melhorar, nomeadamente, a digitalização dos atos consulares. Nós estamos a ultimar o Consulado virtual e espero que até ao fim do ano 2025 o Consulado virtual seja implementado verdadeiramente, o que nos permite também oferecer ao utente um serviço consular on-line, evitando a deslocação ao posto consular.

Vai deixar de ser necessário ir ao Consulado?

Isso será o salto final, no dia em que se possa transmitir com segurança os dados biométricos. Hoje os telemóveis conseguem recolher os dados biométricos, o problema é a sua transmissão em segurança para as bases de dados. Aí sim, será 100%. Agora conseguiremos alguns saltos qualitativos e quantitativos. Por exemplo, estou a pensar na renovação do Cartão de Cidadão para maiores de 25 anos, que já é feito. Pode fazer-se pagamentos online.

Mas temos um conjunto de dados consulares, procurações, por exemplo, que não estão, neste momento, digitalizadas e vão passar a estar. Temos o Passaporte, que também não está neste momento.

O Cartão do Cidadão já pode ser renovado à distância, mas pouca gente recorre a este serviço nas Comunidades (e provavelmente até em Portugal)…

Eu acho que, tal como acontece em território nacional, as pessoas gostam de ir ao Consulado, gostam de falar com as pessoas. Se pegarmos no exemplo dos bancos, o banco à distância tem tido mais sucesso porque estão a fechar agências.

Mas esta é mais uma ferramenta que está acessível a alguns utentes. Agora, não vejo que vamos ter uma alteração substancial no acesso aos Consulados, sem estar a fazer futurologia, não acredito que vamos ter, no curto-médio prazo, uma alteração substancial relativamente àquilo que são os fluxos nos postos consulados.

Então temos de continuar a ter uma rede ativa de serviços consulares por muito mais tempo?

Temos de continuar a apostar nos Consulados, temos de continuar a apostar em melhorar os Consulados, em ter mão-de-obra eficaz, que responda, que tenha vontade de trabalhar. Quando me perguntam qual é a minha prioridade na DGACCP, eu digo que tenho três prioridades: gestão, gestão, gestão. A primeira prioridade da Direção-Geral, tem de ser a gestão, o serviço prestado, é sermos capazes de dar um serviço capaz. Evidentemente estamos cheios de imperfeições, mas temos de ser capazes de responder com eficácia.

A nossa prioridade é a gestão porque os Consulados surgiram para dar apoio às Comunidades, para levarem os serviços da Administração pública junto dos emigrantes, junto das Comunidades portuguesas. Esse é o grande propósito, e na minha modesta leitura, o que me tem norteado nestes quase 4 anos que levo à frente da DGACCP é o serviço consular, é a melhoria do serviço consular e a relação dos consulados com as Comunidades. Não basta só que o serviço seja bom, é preciso que haja um encruzamento da parte dos Cônsules com as Comunidades.

Portanto, para si, a rede parece-lhe ajustada hoje?

A rede atual, sim, salvo pequenas situações pontuais, parece-me ajustada às necessidades, e analisando o próprio instrumento de trabalho que eu tenho, os atos consulares e a performance dos postos consulares, que anda sempre comigo, parece-me ajustada àquilo que são as necessidades atuais.

É evidente que isto é alvo de avaliação constante. Por exemplo, em Andorra a Comunidade tem vindo a diminuir. Há sítios, por circunstâncias várias, em que a situação pode variar. Se olharmos para a Comunidade portuguesa em alguns países africanos, mesmo na África do Sul, a Comunidade tem vindo a diminuir substancialmente, e isso vai exigir alguns ajustamentos, não estou a dizer imediatamente, mas haverá ajustamentos.

Também há o caso, por exemplo, do Brasil, em que não há nova emigração para o Brasil – desde os anos 40 do século XX que não há imigração substantiva para aquele país – mas, no entanto – sem falar dos vistos – o número de atos consulares tem vindo a aumentar.

E qual o balanço do apoio ao movimento associativo?

Foi possível, nos últimos três anos, aumentar o apoio ao movimento associativo de 800 mil euros para 1 milhão de euros e, ao mesmo tempo, criar também um programa de apoio aos órgãos da comunicação social da diáspora, que fazem um trabalho extraordinariamente meritório e que, a meu ver, não têm sido devidamente apoiados. Evidentemente, como tudo o que surge de novo, o modelo não era o mais ajustado àquilo que se pretendia. E temos vindo a fazer uma adaptação até encontrar um modelo que corresponda melhor ao propósito de apoio aos órgãos da comunicação social da diáspora portuguesa. Conseguimos consolidar uma verba de 400 mil euros para este apoio.

E depois há um conjunto de outras atividades, nomeadamente vai ter lugar agora um programa de formação de dirigentes associativos, o Programa de apoio ao investimento da diáspora (PNAID) vai ter um outro modelo.

O apoio ao movimento associativo continua a ser importante na Direção-Geral. Pretende-se dar apoio ao maior número de associações possível. No fundo, é uma contribuição simbólica, mas com a qual se pretende valorizar o mundo associativo português.

Há muita gente que diz que é difícil concorrer a este apoio. O que acha?

Evidentemente que algumas pessoas gostavam de fazer à maneira antiga. Ora, são dinheiros públicos e tem que haver transparência na utilização dos dinheiros públicos, até porque o Tribunal de Contas está sempre atento à utilização dos dinheiros públicos. Temos de ter a certeza que estamos a falar de associações efetivas, que existem realmente, por isso a intervenção dos Consulados é fundamental. Por outro lado, tem que haver também um mínimo de qualidade nos projetos, muitas vezes são festas locais, celebrações do Dia Nacional, celebrações de qualquer outra coisa, porque também isso faz parte da vida, não estamos só a pensar em questões de gravidade intelectual, mas estamos a falar também de todo um conjunto de assuntos. Claro que tem que ter um mínimo de impacto, não vamos financiar atividades para duas pessoas. O que se pretende é que sejam atividades que abranjam o maior número de portugueses no local onde elas vão ser desenvolvidas. Não têm que ser só exposições ou manifestações de arte, também são manifestações da Comunidade para a Comunidade, que é a forma de expressão e de diversão em português.

Não há nenhuma orientação política? A Direção-Geral podia atribuir bónus a certas atividades, por exemplo implicando crianças ou implicando várias associações…

Nós temos um conjunto de propósitos que são valorizados pelo júri quando faz a avaliação. Temos linhas gerais que balizam aquilo que são as prioridades que se pretendem com as atividades. Mas as associações também têm que ter a capacidade de se reinventarem. Nós não estamos aqui num sistema centralizado, que já está ultrapassado hoje em dia. O que nós queremos é que essas pessoas nos apresentem projetos criativos. Temos que estar a valorizar a criatividade nesses projetos. No conjunto, é óbvio que há algumas coisas pioneiras, que saem fora daquelas listas habituais, da festa associativa, que têm também o seu valor, que têm toda a importância, mas também há projetos inovadores que nós temos estado a valorizar e temos estado a apoiar. Não somos dirigistas, esperamos é a criatividade das próprias associações, até porque aquele modelo tradicional da associação, evoluiu, porque a própria tipologia e o modelo de emigrante também evoluiu. Há em determinados países, como no caso da Europa, em que a presença da primeira geração da Comunidade portuguesa ainda é bastante forte. Na França ainda encontramos muita gente da primeira geração que emigrou nos anos 60, 70, e que ainda está à frente das associações e continua a fazer festas e atividades de natureza cultural, à semelhança do que foi sempre fazendo. Mas, por outro lado, há também outras comunidades onde houve presença da Comunidade portuguesa mais recente e pessoas com outras apetências, com outros interesses, e que apresentam projetos com outra perspetiva. E esse tipo de atividade nós também estamos a privilegiar.

Porque ficam de fora as viagens escolares e as geminações?

Nós temos um programa para os jovens, que é o Parlamento Jovem, que traz a Portugal grupos da nova geração, em cooperação com o Parlamento português, para verem o funcionamento da democracia, na casa da democracia.

Eu próprio, reconheço, dediquei muito mais atenção à gestão, até porque na altura em que cheguei aqui, a situação dos postos estava muito complicada, estávamos a sair do Covid, o pessoal estava muito mal distribuído, e houve necessidade de fazer gestão. Portanto, a parte do apoio ao movimento associativo, eu penso que tem que haver aqui uma relação mais criativa nessa área, reconheço isso, embora reconheça que o peso do movimento associativo ainda é muito grande no tradicional, e, portanto, a maior parte da fatia que nós estamos a dar tem ido para a atividade tradicional, as festas, o folclore, ainda pesa muito.

Agora, também estamos abertos a propostas e sugestões, ou seja, isto tem de ser um processo interativo entre a DGACCP e as próprias associações e os órgãos da comunicação social, no sentido de apresentar as coisas que nós nem sequer nos lembrávamos, mas que possam ser perfeitamente financiadas e apoiadas pelo programa de apoio.

A par disto, temos também o apoio aos carenciados, o ASIC e os ASEC, que também é uma componente importante da DGACCP. São verbas da Segurança Social vocacionadas para países em que o apoio social é muito fraco, e aí também com a intervenção dos Consulados, conseguimos apoiar, através de uma componente de pensão, ou através de programas isolados, individuais, pedidos de apoio para alguma circunstância mais nefasta que tenha prejudicado uma pessoa, e é um apoio pontual e único, não se repetindo.

Quais as mudanças no Gabinete de emergência consular?

O Gabinete de emergência consular foi lançado em 2008. Inicialmente foi pensado para os portugueses que se deslocavam ao estrangeiro e que eram apanhados numa situação súbita, problemática, e precisavam de ajuda e de ligação com o posto consular. O Gabinete de emergência consular tem funcionado ao longo destes anos, mas quando cheguei aqui, percebemos que havia necessidade de evoluir e ir acompanhando aquilo que são as dificuldades e as necessidades dos portugueses no estrangeiro, quer sejam turistas, quer sejam os próprios residentes no estrangeiro. Por isso, o Gabinete de emergência consular está-se a preparar para dar o salto qualitativo na resposta, e está a evoluir para um Centro de gestão de crises, que também tem que antecipar na avaliação que faz do perigo, tem de ser capaz de ir fazendo os alertas ao viajante sobre situações de perigo, ao mesmo tempo que também está a coordenar o processo de evacuação de portugueses em situações em que já não há possibilidade de recurso a meios habituais de viagem. Devo dizer que desde que estou cá, já vou na 12ª operação de evacuação, quer utilizando meios de parceiros europeus, quer os nossos próprios meios de conjugação com a Força Aérea Portuguesa, com o Ministério da Defesa, em conjugação também com a TAP, em algumas circunstâncias. Esta componente está a ser introduzida gradualmente e portanto será o quarto pilar da DGACCP.

Deixe-me colocar-lhe uma última pergunta: é possível um português que mora em Nancy ir fazer um Cartão de Cidadão a Luxemburgo?

Sim, é possível.

Então por que razão é o Consulado de Paris a fazer uma Permanência consular na Guadeloupe e não é um Consulado no Brasil?

Porque é mais barato ir de Paris. Por exemplo em Coraçao, nas Antilhas holandesas, que é tutelado por Haia, o Consulado que foi lá recentemente foi o de Caracas. Os novos instrumentos eletrónicos permitem naturalmente essa flexibilidade que não era possível antigamente quando tínhamos uma coisa mais monolítica assente no papel.