Emocionante tributo a António Cravo encheu os salões do Consulado português em Paris

Por iniciativa do editor e antigo livreiro João Heitor, os Salões Eça de Queirós do Consulado Geral de Portugal em Paris acolheram, no passado dia 20, uma sessão de homenagem ao escritor, historiador e sociólogo Jaime Gonçalves, mais conhecido pelo pseudónimo de António Cravo, falecido recentemente. Estavam presentes na sala a viúva, Maria do Céu Gonçalves, a filha Paula e o filho Rui, assim como os netos do homenageado.

Esta foi também uma oportunidade para João Heitor ter reeditado a primeira obra publicada de António Cravo, “Os Desenraizados”, editado pela primeira vez em 1981, numa edição de autor.

“Hoje damos palco a alguém que se dedicou à história da imigração portuguesa, ao movimento associativo, ao ensino português, à poesia, ao jornalismo, à memória e aos retalhos do mundo português espalhado pelo mundo” disse a Cônsul-Geral de Portugal em Paris, Mónica Lisboa, quando fez a introdução da sessão. “António Cravo é o pseudónimo literário de Jaime António Gonçalves. E ao homenagearmos António Cravo e o seu legado, prestarmos, afinal, também homenagem a todos os portugueses que, de longe, mantêm Portugal como horizonte, como casa e como pertença”.

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Homenagem a um leitor assíduo

Para além de Mónica Lisboa, estava também presente a Cônsul-Geral Adjunta, Mafalda Pais de Oliveira, e a responsável pela área cultural no Consulado, Eva Reis.

Mónica Lisboa contou que, quando chegou a Paris, começou “a arrumar a casa, para deixar a minha marca. Sempre me senti muito apoiada nestes meus desvaneios, havia revistas e jornais um bocadinho por todos os cantos e quando eu comecei a querer arrumar, alguém me recordou que havia um senhor português que, durante anos, vinha aqui de propósito ao Consulado para ler os jornais que chegavam em Portugal. E esse senhor vinha com o seu sobretudo, elegante, e passava aqui as manhãs sentado, em leitura atenta, silenciosa e comentando com quem aqui trabalhava um acontecimento ou outro mais extraordinário daqueles que se tinham passado em Portugal. Esse senhor era Jaime Gonçalves, um verdadeiro senhor e sobretudo um homem apaixonado pela sua língua – pela qual tanto fez -, pela sua cultura e por Portugal”.

Por isso, a Cônsul-Geral insistiu que “recordado aqui, hoje, nesta homenagem, António Cravo, é recordar também esse leitor, essa presença aqui no Consulado-Geral de Portugal em Paris, esse pensador, esse humanista, escritor e amigo fiel da Comunidade portuguesa em França”.

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Um minuto de silêncio alargado a outras personalidades da Comunidade

Logo no início da sessão, João Heitor quis lembrar aqueles que já faleceram, mas que deram vida a esta Comunidade portuguesa de França. “Eu fiz uma lista de cabeça, de memória, claro que não devia, mas saiu assim” e lembrou o empregado bancário Aguinaldo Santos, o diretor de banco Miranda Ventura, os jornalistas Álvaro Morna, Daniel Ribeiro, Jorge Reis, Rui Bacelar e Virgílio de Lemos, os universitários Alfredo Margarido, Emílio Guerreiro, José Terra e José Augusto Seabra, os pintores Benjamim Marques, Bertino, Costa Camelo, Da Rocha, Dimas Macedo, Jacinto Luís e Vieira da Silva, o radialista Carlos Duarte, fundador do Rádio Clube de Paris, os escritores Daniel Lacerda, Eduardo Prado Coelho, e ainda Eduardo Rogado Dias, o musicólogo Emmanuel Nunes, o galerista Francisco Lebre, o advogado Francisco Ribeirinho ou o encenador Laureano Carreira, entre outros.

Visivelmente emocionado, pediu um minuto de silêncio, não apenas em memória de Jaime Gonçalves, mas também destes todos “e de muitos mais que estão agora enterrados em França ou em Portugal”.

O professor José Carlos Janela, amigo do homenageado, prestou, também ele, homenagem a António Cravo e o ator Jorge Tomé, leu um texto de António Cravo – “Reflexão de um emigrante” – que foi representado pelo grupo de teatro da Pedrinha, no Centro Georges Pompidou, em Paris, diante do antigo Presidente da Comissão Europeia Jacques Delors e do então Ministro da Cultura, Jack Lang.

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Um percurso de Salcelas… até Salcelas!

A história de Jaime Gonçalves, filho de mãe solteira e rejeitado pelo pai, um engenheiro que não o reconheceu, foi contada pela filha, Paula Gonçalves, desde que nasceu em Salcelas, no concelho de Macedo de Cavaleiros, até à criação do Museu Rural da aldeia que o viu nascer, passando por Lisboa e por uma emigração para França quando já tinha 40 anos.

Também o filho do homenageado, Rui Gonçalves, tomou a palavra para dizer que “o meu pai, perdi-o quando tinha 5 anos, em 1975, depois do Verão quente. Ele foi-se embora e pouco depois, viemos ter com ele aqui em Paris. O homem que eu encontrei cá, já não era homem. Era um homem quebrado, era um homem destruído. Ele já não ria, já não brincava. Ele precisava de ser reconstruído. Graças à minha mãe – e como ele dizia, graças à minha irmã e a mim – ele conseguiu sobreviver, avançar e reconstruir-se”.

“E depois, apareceu António Cravo. Eu não gostava de António Cravo. Ele tirou-me o meu pai. Era preciso recitar poemas, era preciso interpretar personagens, era preciso representar. António Cravo estava a construir um homem. Mas não era o meu. Mais tarde, eu descobri, pouco a pouco, o meu pai, através de António Cravo”.

Lembrou que uma vez, quando estudava na Universidade de Paris Nanterre e tinha de apresentar um texto, apresentou um texto do pai, que acabou por ler no Consulado de Paris. “Foi através dessa experiência que descobri que António Cravo tinha um impacto. E então, pouco a pouco, fui descobrindo que António Cravo era uma sublimação do meu pai. E que era uma maneira de o conhecer. Indiretamente”.

Paula Gonçalves, que falou “em nome da família”, resumiu esta sessão no Consulado, explicando que “como homem, marido e chefe de família, o meu pai serviu de modelo para muitas pessoas que o tiveram como exemplo, seguindo os seus passos, e também outras pessoas que seguiram os seus conselhos. Depois de ter nascido ‘zorro’, o meu pai muito lutou para ser reconhecido e conseguiu vencer, graças sobretudo ao apoio que sempre teve da minha mãe, a ‘menina dos 22 anos’, como ele lhe chamava”.