Encontro com o realizador Lucas Roxo no Liceu internacional de Saint-Germain-en-Laye


No dia 13 de janeiro, o realizador Lucas Roxo veio encontrar-se com os alunos do 9° e do 10° anos (3ème e Seconde) da Secção Portuguesa do Liceu Internacional de Saint-Germain-en-Laye. O encontro aconteceu na sala de aula e começou pela apresentação do realizador tendo-se seguido uma conversa em torno de dois documentários realizados por Lucas Roxo – «Sinto a tua falta» (2016) e «Nenhum homem nasceu para ser pisado» (2023) – previamente visualizados pelos alunos.

Lucas Roxo, um jovem realizador luso-francês, ex-aluno da Secção Portuguesa de Saint-Germain-en-Laye mostrou-se contente por voltar à nossa escola que também foi a dele. Foi durante a sua escolaridade internacional que aprofundou os seus conhecimentos da cultura e da língua portuguesas (confessou-nos que não tinha gostado de ler os livros estudados na Secção Internacional Portuguesa quando era aluno, mas, já adulto, voltara a pegar neles, e com prazer). Embora tivesse deixado a Secção Internacional Portuguesa em 2007, ano em que obteve o Bac, não esqueceu a escola nem os professores que o marcaram. Explicou-nos que depois de terminado o ensino secundário, frequentou uma Prépa Littéraire e enveredou por estudos de ciências políticas e de jornalismo, em Lille. Foi assim que acabou por estudar um ano no Brasil, em 2010, e de se aproximar da cultura brasileira e da variante americana do português que também acabou por integrar.

Sobre a sua carreira no jornalismo referiu que trabalhou algum tempo na rádio France Info (6 meses), mas que não apreciou verdadeiramente esse trabalho, porque o ritmo era acelerado e não lhe permitia desenvolver os temas que tinha de abordar de forma aprofundada. Começou, por isso, a trabalhar de forma independente e por conta própria. Percebemos que o facto de trabalhar como jornalista independente obrigava-o a ter de gerir o seu salário que não era regular, pois não recebia todos os meses o mesmo dinheiro. Quando deixou a France Info, criou uma associação destinada à formação na área da informação e dos media, dando apoio a quem deseja aprender a trabalhar na área do jornalismo. É também nessa altura que envereda pela realização de documentários que lhe permite aprofundar os temas tratados.

Referiu ter realizado vários trabalhos, nomeadamente um documentário sobre os refugiados de Calais que tentam atravessar o canal da Mancha rumo a Inglaterra, ou ainda uma reportagem sobre boxe para um canal desportivo. Perguntámos-lhe quanto tempo levava a fazer os seus documentários e disse-nos que isso dependia do tema tratado, ou das circunstâncias, dando-nos alguns exemplos: o trabalho que está neste momento a realizar com duas jovens amigas que decidiu acompanhar durante dez anos, vai ser naturalmente longo; durante a Covid-19, o confinamento imposto um pouco por todo o lado, prolongou o trabalho que estava a fazer na altura.

Para além da sua profissão, Lucas Roxo falou connosco sobre os documentários que tínhamos visto na sala de aula.

Acerca de «Sinto a tua falta», um documentário apresentado em 2016 e que produziu sozinho, sem uma equipe, explicou-nos que se tinha baseado numa história familiar: partiu da vinda da sua avó materna para França, no século XX, para abordar alguns aspetos da emigração portuguesa. Descobrimos assim que trabalhou a partir da memória dessa emigração e foi com a avó aos locais marcantes dessa «viagem», desde a estação de comboio por onde saiu de Portugal até ao lar de freiras onde a avó deixou a mãe antes de emigrar para se reunir com o marido que tinha vindo para França com um contrato de trabalho. No documentário, a dada altura, a avó refere que não sabia falar francês, mas que isso nunca a impediu de trabalhar bem, algo que o próprio patrão diz, citado pela avó, – “Elle ne sait pas parler, mais elle travaille bien!” – e que revela particularmente bem como é que a sociedade francesa olhava para a emigração portuguesa. Percebemos que, apesar de o documentário se basear numa história verídica, Lucas Roxo usou algumas estratégias, para nós surpreendentes, para explicitar ideias importantes. Na verdade, inventou uma correspondência fictícia entre a mãe e a avó e pediu à avó que lesse em voz off essas cartas: esta estratégia permitiu mostrar o percurso da avó para França e revelar o que, por vezes, tinha ficado por dizer entre mãe e filha (a mãe do realizador chegou a pensar que tinha sido abandonada pela avó quando esta a deixou com as freiras em Portugal).

Este documentário foi feito em dois anos, um ano decorreu com as filmagens e o outro ano foi necessário para a edição. Lucas Roxo chamou a nossa atenção para uma característica da emigração portuguesa, visível também no documentário, e que se prende com o facto de, contrariamente a outras emigrações, as mulheres portuguesas emigrarem também para trabalhar no país de acolhimento que primeiro recebeu os maridos.

O segundo documentário de Lucas Roxo, «Nenhum homem nasceu para ser pisado», que estreou em 2023, leva-nos até ao Brasil, à figura de Lampião que muitos de nós não conhecia e ao Movimento dos Sem Terra (MST). Foi interessante ouvir as explicações sobre a forma como o realizador trabalhou. Disse-nos, sem rodeios, que quando descobriu a figura de Lampião (através da literatura de cordel) ficou curioso e isso levou-o a querer fazer um documentário sobre ele pois percebeu que estava diante de uma figura brasileira marcante, com um passado complicado, que não lhe agradava, mas que faz parte da história do Nordeste brasileiro, um justiceiro social que faz lembrar o Robim dos Bosques roubando aos ricos para dar aos pobres – talvez por isso o realizador tenha decidido intitular o seu documentário com uma frase dita por Lampião (“nenhum homem nasceu para ser pisado”).

Por ser uma figura controversa, quando Lucas Roxo teve a ideia de fazer um documentário sobre o MST considerou importante aproximar-se deste movimento social e perguntar-lhes se se incomodavam que cruzasse a história deles, que surge no último quartel do século XX, com a história do Lampião, da primeira metade do século. A resposta foi positiva e permitiu-lhe estruturar o documentário fotográfico, a preto e branco (uma escolha que se explica por se ter querido aproximar do estilo de cinema de 1950-1960), cruzando essas histórias. Fotos atuais que desfilam ao lado de fotos de arquivo, fotos que nos mostram Lampião e o seu grupo, o Nordeste seco e árido, os Sem Terra a manifestar na rua, fotos que surgem com vozes off que nos vão contando a história dos cangaceiros nordestinos e do MST – Lucas Roxo trabalhou com as fotos e a colega com quem trabalhou produziu os sons. Descobrimos a revolta de pessoas desfavorecidas que vivem numa região brasileira pobre, que criticam uns políticos e se apoiam noutros políticos.

Lucas Roxo revelou-nos que a filha do Lampião ainda estava viva quando fez o documentário (tinha 100 anos!) e que teve a oportunidade de conversar com as quatro bisnetas de Lampião sobre o bisavô; a mais nova, historiadora particularmente interessada na história do seu antepassado, revelou ser uma pessoa bem conservadora chegando mesmo a dizer-lhe que, se o bisavô Lampião fosse vivo, ele apoiaria certamente Bolsonaro, algo que nos pareceu um pouco surpreendente.

Neste encontro, percebemos que ambos os documentários são trabalhos de intervenção que nos levam à reflexão. Em “Sinto a tua falta”, a partir da memória pessoal, das recordações familiares da família luso-francesa, o realizador mostra a Comunidade portuguesa em França e a partir da história da avó leva-nos à história de muitos portugueses.

Percebemos no realizador o desejo de ajudar, com o seu trabalho, os emigrantes portugueses – que provavelmente sentem ser luso-franceses como ele – a encontrar a sua identidade.

Em «Nenhum homem nasceu para ser pisado», descobrimos um pouco da história brasileira recente, herdeira da presença portuguesa no Brasil (do século XVI ao século XIX) que indiretamente ainda se faz sentir nos problemas enfrentados por camadas da população brasileira mais pobre. Na realidade, os documentários interpelam-nos e fazem-nos pensar nas diferentes questões abordadas.

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Texto escrito pelos alunos do 9º e do 10º ano

Professora Isabel Pereira da Costa

Secção portuguesa

Liceu Internacional de Saint-Germain-en-Laye

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Publicado no quadro da colaboração entre o LusoJornal e a Coordenação do ensino português em França