Lusa | João Relvas Lusa | João Relvas Lusa | João Relvas Lusa | João Relvas Lusa | João Relvas Home Cultura Exposição da lusodescendente Isabelle Ferreira no MAAT de Lisboa evoca “salto corajoso” dos emigrantes_LusoJornal·22 Outubro, 2025Cultura A artista Isabelle Ferreira narra a passagem clandestina dos emigrantes portugueses para França nos anos 1960, e das suas histórias “invisíveis”, numa exposição que abre ao público esta quarta-feira no Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (MAAT), em Lisboa. Intitulada “Notre Feu”, a mostra, composta por várias séries de obras recentes, é a primeira individual em Portugal da artista, filha de emigrantes portugueses, e propõe uma reflexão poética e política sobre memórias do tempo da ditadura salazarista. Entre as peças apresentadas, destaca-se “L’invention du courage (O salto)”, um conjunto de retratos baseados em fotografias anónimas que evocam o ritual vivido pelos emigrantes antes da partida, quando entregavam a sua imagem a um passador como prova de identidade e esperança. Cada candidato a emigrante entregava uma fotografia de passaporte a um passador, que a rasgava ao meio, e a primeira metade era entregue à família, a um amigo ou pessoa de confiança, enquanto a outra era guardada pelo emigrante clandestino durante a sua passagem. Quando chegava a bom porto, enviava a sua parte da fotografia à família para que fosse acrescentada à metade que lhe faltava, momento em que a fotografia reconstituída desencadeava o pagamento do restante valor. Isabelle Ferreira apresenta nesta série pinturas de partes de retratos a partir de fotografias anónimas transpostas para madeira, deixando nelas a marca das dimensões afetivas e emocionais da imagem de passaporte da época que era o garante de uma passagem bem-sucedida para um desejado futuro melhor. Questionada pela Lusa se a exposição constitui uma homenagem aos emigrantes, a artista disse: “É uma homenagem ao meu pai, que fez esta travessia dos Pirenéus nos anos 1960. Andou oito dias e noites, até as solas dos sapatos se gastarem, e enfrentando o risco de ser capturado pela Guarda civil de Portugal e de Espanha”, recordou. E se o seu trabalho – que foca uma realidade específica dos anos 1960 – contém algo em comum com as atuais migrações em direção à Europa, a artista diz não ter dúvidas de que, “enquanto existirem desigualdades sociais, vai continuar a existir migração”. “Esta é uma realidade social, política e económica”, reiterou à Lusa Isabelle Ferreira, nascida em 1972 em Montreuil, na região parisiense, cujo trabalho já foi apresentado na Fundação Calouste Gulbenkian, em Paris, no Instituto de Arte Contemporânea de Villeurbanne, e na 23ª edição do Festival L’Art dans les Chapelles, na Bretagne. Com curadoria de Joana P. R. Neves, a mostra, inspirada pela herança familiar da artista, propõe uma experiência sensorial e poética, ao mesmo tempo que reflete sobre migração, exílio e identidade de milhares de pessoas que saíram do país em busca de liberdade e de melhores condições de vida. O título, “Notre Feu”, remete para as noites à volta da fogueira, um símbolo de partilha, resistência e pertença, e para “a energia interior que impulsiona o movimento humano e a criação artística”, segundo a criadora cujas obras integram coleções como a do Museu de Artes de Nantes, Fundo de Arte Contemporânea – Coleções de Paris e Frac Normandia, em França. Uma peça de grandes dimensões – intitulada “Staccato” – também inspirada no gesto de rasgar, foi instalada diretamente na parede da galeria do museu, onde se dispõem centenas de fragmentos de papel pintados à mão com tintas de várias cores, extraídas pela artista de plantas dos caminhos da emigração e das texturas das pedras das montanhas dos Pirenéus. Outra das séries apresentadas nesta exposição, intitulada “Fatum”, fragmentos de papel rasgado foram dispostos e fotografados para mostrar uma relação direta entre mão, papel e cor, através da qual Isabelle Ferreira convoca a ideia de destino e escolha, onde a composição surge como metáfora da vida e das múltiplas possibilidades que cada percurso contém. Noutra das séries criadas de 2021 até à atualidade, intitulada “Les témoins”, a artista reúne três painéis com rodas, que transportam imagens de montanhas, picos escarpados e cumes nevados, simbolizando os obstáculos e as dificuldades enfrentadas pelos emigrantes obrigados a atravessar a pé os Pirenéus sob a vigilância das autoridades. “Todas estas histórias de vida diferentes têm a ver com ‘o salto’. Os meus pais emigraram por questões económicas”, declarou a artista, comentando que “Notre Feu” remete para o fogo “que arde dentro de cada um” aspirando a uma vida melhor. A exposição “Notre Feu” vai ficar patente no MAAT até ao dia 02 de março de 2026.