Exposição sobre desertores da Guerra Colonial quer quebrar tabu em França

A associação portuguesa Memória Viva recorreu a uma exposição para contrariar a “incapacidade” de se falar sobre o passado dos milhares de homens que desertaram da guerra colonial e que passaram ou se instalaram em França até 1974.

A exposição “Refuser la Guerre Colonial”, abriu ao público na sexta-feira da semana passada, na Casa de Portugal, na Cidade Universitária Internacional de Paris, para lembrar e esclarecer não só a Comunidade portuguesa, mas toda a sociedade francesa, sobre a chegada a França de exilados políticos portugueses que não concordavam com a Guerra Colonial em África (1961 a 1974) e que se instalaram naquele país.

“A Comunidade portuguesa não sabe muito bem o que é, mas hoje em dia temos ainda a sorte de ter vivas as pessoas que viveram esta história. Acho que a minha geração tem de trabalhar para recolher esta memória, para tentar entender como se passou e a riqueza que existiu em volta disto. E não vamos poder fazer isto daqui a 10 anos, este é o momento que temos de trabalhar”, disse Hugo dos Santos, Comissário desta exposição, em declarações à Lusa.

Quanto aos Franceses em geral, Hugo dos Santos indicou mesmo que “não tem absolutamente consciência do que foi esta história”.

A exposição estará patente até dia 05 de maio e foi concebida em parceria com o artista Ângelo Ferreira da Sousa, contando com documentos oriundos do arquivo da associação Memória Viva, vídeos da RTP e do Instituto Nacional de Audiovisual (INA) francês, empréstimos de exilados políticos e de coleções privadas.

Estima-se que entre 1961 e 1974 muitos dos desertores da Guerra Colonial tenham passado pela capital francesa para aí se instalarem ou para partirem para outros países europeus. Através de cartazes, jornais da época, correspondência, livros e discos, mas também reportagens feitas pela televisão francesa – incluindo uma realizada na Guiné-Bissau, durante a Guerra Colonial, onde uma equipa francesa acompanhou soldados portugueses mostrando mesmo cenas de combate com os movimentos de libertação – a associação Memória Viva reconstruiu o trajeto destes desertores da guerra colonial, em França.

Os textos que enquadram a exposição são da autoria do investigador Victor Pereira, Professor de História Contemporânea na Universidade de Pau.

Começando na militarização da sociedade durante o Estado Novo, com a Mocidade Portuguesa, até à realidade da guerra no terreno, assim como esquemas descritivos para o salto que ajudaram oficiais a sair do país até livros e manifestos dos Comités de exilados devido à fuga ao combate nas colónias, a iniciativa pretende devolver à Comunidade portuguesa a capacidade de comunicar sobre este tema. “Muitas pessoas sabem que os pais vieram para cá para fugir à tropa ou depois de passarem pela guerra colonial. Mas os pais não falam sobre isso porque ficaram traumatizados ou ficaram com vergonha porque quando voltavam à aldeia eram tratados como traidores à pátria. […] Como a sociedade francesa não deu espaço para esta memória, há uma incapacidade para falar sobre isto com as outras gerações, não há canais nem palavras em comum”, explicou Hugo dos Santos, que presidiu durante quatro anos à associação Memória Viva e é uma dos impulsionadores do arquivo do emigração portuguesa reunido por esta organização.

A exposição serve também para acabar com alguns mitos sobre os exilados políticos em França, nomeadamente as condições em que chegavam ao país. “É preciso contrariar a ideia que o exílio político é o contrário da emigração económica. Não é verdade, foram coisas que se misturaram e era complexo. Quando eles chegavam aqui eram obrigados a encontrar um alojamento, tentar ter um estatuto, estar legal e encontrar um trabalho”, indicou Hugo dos Santos.

Outro mito tem a ver com a vivência da Revolução a 25 de abril de 1974, por parte destes exilados. Se, por um lado, houve desde logo manifestações em Paris de apoio ao golpe em Portugal, houve também angústia e receio sobre um possível regresso. “Tinham dúvidas em como seriam recebidos, mas também tinham certezas de que não seriam bem recebidos. Há casos de desertores que voltaram para Portugal e foram enviados para as colónias, mesmo se já não havia combate. Um desertor não era bem visto por toda a gente no Movimento das Forças Armadas (MFA)”, afirmou o Comissário da exposição, mostrando uma fotografia do 1º de Maio de 1974, em que os exilados desfilaram nas ruas de Paris a pedir uma amnistia para quem fugiu da guerra.

Esta exposição tem também uma componente pessoal para Hugo dos Santos: “A minha geração, tenho 38 anos, cresceu com um vazio relativamente à história dos emigrantes portugueses. Crescemos sem nada e só quando cheguei à idade adulta é que consegui encontrar algumas coisas”.

Assim, a associação pretende que esta seja uma “porta aberta” para continuar a falar-se sobre o tema e que se desenvolvam novas manifestações à volta dos exilados políticos em França. Para além de uma possível itinerância da exposição em França, já no dia 04 de maio haverá uma jornada de estudos, também na Casa de Portugal, com o tema “Recusar o Silêncio” onde vários investigadores e exilados políticos vão partilhar as suas experiências.

A exposição contou com o apoio da associação portuguesa Cap Magellan, da Mairie de Paris e da Direção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas.

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LusoJornal