LusoJornal | António BorgaFrancisco Ribeiro de Menezes diz que Comissão bilateral de ensino vai reunir em LisboaCarlos Pereira·Ensino·13 Novembro, 2025 O ensino da língua portuguesa continua a ser o maior problema ainda por resolver nas Comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo. Muitos pais queixam-se de inscreverem os filhos nos cursos de Português e depois não têm qualquer resposta, neste mês de novembro ainda há centenas de alunos sem aulas de português por falta de professores, e é frequente ouvir-se culpabilizar os pais por não ensinarem português aos filhos, esquecendo-se quase sempre que na própria Constituição portuguesa (no “famoso” artigo 74) o Estado português deve ensinar a língua portuguesa aos filhos dos emigrantes portugueses. Na recente entrevista ao Embaixador de Portugal em Paris, Francisco Ribeiro de Menezes, o LusoJornal não podia deixar de o interrogar sobre este tema que há tantos anos persegue aqueles que se interessam pelas causas das Comunidades. . Portugal e França assinaram recentemente um Tratado de Amizade e Cooperação, mas praticamente não aborda as questões de língua. Os dois países continuam ligados a um velho Acordo bilateral de 1973. Como vê a situação do ensino da língua portuguesa em França? Vejo com os olhos de um Embaixador já com alguma experiência e com um afeto muito grande pelo país que represento e pelo país onde trabalho. Tive uma espécie de estágio em matéria de ensino da língua em Espanha e um estágio bem mais exigente na Alemanha. Sim, é verdade, o Tratado de base é de 1973. Sim, é verdade, várias evoluções se deram nos últimos 50 anos. A própria natureza da Comunidade portuguesa em França alterou-se, assim como se alterou o peso relativo do francês em Portugal. Eu tinha 14, 15 anos quando o inglês começou a ser introduzido progressivamente nos liceus públicos e, rapidamente, os docentes e os responsáveis pelo ensino na altura se terão apercebido que era bem mais fácil aos alunos aprender um inglês razoável do que um francês de sobrevivência. Fenómenos culturais, fenómenos mundiais, fenómenos de globalização levaram a língua inglesa a um nível que a França, outrora ocupou, mas que se tem vindo a desgastar. É verdade, porém, nós continuamos a oferecer o francês numa base regular no ensino primário e secundário no nosso país. É verdade que há, nesse sentido, uma relação que não é inteiramente equilibrada, não é exatamente o mesmo de um lado e do outro. Estamos a falar de mais de 300 mil alunos a aprender francês em Portugal e pouco mais de 17 mil a aprender português em França… A questão é que, são porventura mais os portugueses que querem aprender francês em Portugal do que os franceses que estão em Portugal que precisam de ter aulas na sua língua. Ao longo destes meses, eu dei-me conta da existência de distintas realidades e de um mapa, de um organigrama muito complexo entre aquilo que é assegurado por Portugal no ensino oficial francês a nível primário, aquilo que é assegurado pelo Estado francês do colégio até ao BAC, as diferentes provas – registámos com muito agrado a possibilidade reconhecida este verão em determinadas circunstâncias de fazer o BAC em português – registo que há escolas francesas com ensino português, onde há turmas em que não há portugueses, apenas há franceses a aprender, e vejo a dedicação com que a rede de ensino espalhada pelo país acompanha, no ensino paralelo, aquilo que pode ocorrer em termos de necessidade das famílias e dos jovens que querem aprender português. Nunca é suficiente ou é sempre possível fazer melhor. Não é uma rede barata. É uma rede que, para se organizar e estar a funcionar, exige muito trabalho, muita devoção. Exige também boa vontade de todas as partes envolvidas. E sim, é possível trabalhar com o Estado francês para melhorar as condições do ensino ministrado nas escolas oficiais, sobretudo a partir da primária, seguindo a divisão ainda vigente do Acordo de 1973. Vamos ter, por estes dias, uma das reuniões periódicas entre as Administrações escolares, o Ministério da Educação Francesa e o Ministério da Educação em Portugal. Desta feita, a reunião vai ter lugar em Lisboa. E eu, para além de ter, com a nossa Coordenadora de ensino, alimentado a preparação dessa reunião e tendo eu mesmo, pessoalmente, recebido aqui a Dra. Olinda Pires, responsável do Ministério da Educação Francesa, eu espero que essa reunião possa fazer um ponto de situação detalhado e com os olhos postos no futuro. Não me parece que se possa dizer que é um sistema ou que é uma rede que se encontra em crise. O que se trata é sempre de tentar fazer melhor e somar recursos, ou não subtrair recursos. Um dos fenómenos que nos foi sinalizado a esse respeito foi precisamente que este ano, ou possivelmente no ano que vem, não haveria recrutamento de professores de português pelo Estado francês, para a fase de preparação do BAC. O Ministério da Educação Francesa está sensibilizado para isso. Não só falámos com a responsável, como também já escrevi à Diretora-Geral competente a esse respeito, como temos acompanhado as várias associações de pais portugueses que se preocupam com esse assunto. Portanto, vamos ver o que é que nos dizem as duas Administrações escolares porque, em tese, não há uma necessidade inadiável de rever o Tratado – não se perderia nada em ponderar uma modernização, pelo menos dos termos em que se encontra redigido – mas há boa vontade das duas partes. Mas o Tratado ainda pressupõe que se vai ensinar português aos filhos dos portugueses porque, hipoteticamente, irão regressar a Portugal. Ora, isso já não é de atualidade. Era de atualidade há 50 anos, não é agora. Há Portugueses que regressam, há portugueses que não regressam, há portugueses que chegam a França falando já francês, porque beneficiaram do ensino francês em Portugal. Também já me perguntaram aqui, os jovens portugueses, por que razão nós, o Estado, não oferecíamos cursos de francês aos portugueses que aqui chegam para começar um estágio, uma profissão, e não aprenderam francês em Portugal… Eu registei a pergunta e agradeci-a, mas é uma pergunta difícil de responder de uma forma satisfatória para quem a faz. A nossa primeira responsabilidade é poder ensinar português aos portugueses e lusodescendentes que aqui estão e aos franceses e outros residentes em França que estejam interessados em aprender a nossa língua. . LusoJornal | António Borga Há mercado para que entidades privadas criem escolas de língua portuguesas em França Mas o que se passa é que há muitos pais que inscrevem os filhos nos cursos de português e que depois não há curso e nem têm a resposta. A outra realidade é de hoje estarmos em novembro e há cursos que ainda não começaram para muitos alunos. O sistema tem problemas, mas tem problemas recorrentes a esse respeito. Nem sempre é possível, por aquilo que me é dado ver. Há dificuldades, por vezes, com o preenchimento de toda a carga horária e de recrutamento de professores, seja no integrado, seja um paralelo. Há questões que transcendem a rede em França quanto às modalidades de contratação, níveis de remuneração, estatuto dos professores… Uma coisa lhe garanto, é que as falhas estão identificadas. O trabalho diário vai no sentido de as tentar suprir. Sei de casos que têm sido descritos de aulas, de classes de portugueses, em cidades não tão pequenas assim, em que, pura e simplesmente, não há alunos portugueses. São apenas franceses ou de outras nacionalidades. O que eu peço às famílias atingidas é que nos comuniquem todas as situações, porque isso também reforça o nosso caso quando falamos com a Administração escolar francesa. Eu muito gostaria que esta próxima reunião tivesse como resultado um diagnóstico claro, limpo, compreensível da realidade, com o grau de detalhe necessário a que os problemas concretos se possam resolver. É um processo muito exigente e é um processo, que não devemos restringir ao ensino obrigatório. Há um outro fenómeno, talvez difícil de explicar, que é o de uma relativa ausência de interesse de entidades privadas em criar escolas de línguas, com ou sem apoio público, isso é outra questão. Mas num país abastado como França, fica a ideia, para aqueles que tenham a chama do empreendedorismo, de pensar nisso. Não duvido que haveria mercado em várias faixas etárias para escolas privadas de línguas, francês, português, com vários horários ao longo do dia. O Sr embaixador poderia dar apoio a estes projetos se surgissem? Eu não posso apoiar o que não conheço. O que eu digo é que o conceito parece-me válido e penso que valeria a pena que, os que têm a chama do empreendedorismo, avançassem por aí. A outra coisa é que nós temos forçosamente de fazer um levantamento detalhado da realidade do ensino do português, cultura, estudos portugueses nas universidades francesas, não apenas as públicas, as privadas também. É uma tarefa hercúlea, mas eu acho que é muito importante. Há uma proximidade linguística, há uma proximidade cultural. As referências da literatura portuguesa do século XIX são essencialmente francesas, não são espanholas, nem alemãs, nem britânicas, todos nós crescemos com referências de língua francesa, os homens da nossa idade, os mais antigos, durante tanto tempo foram os grandes pensadores franceses que quase definiram os termos da grande discussão filosófica em Portugal. Os amantes de cinema em Portugal liam religiosamente o “Cahiers du Cinéma”. Há muito a fazer nesta área e nós temos de encorajar a nível universitário o ensino do português, o ensino da cultura portuguesa. E uma coisa muito importante que é a formação de tradutores e intérpretes. Temos um ou outro projeto piloto na Alemanha. É discutivelmente mais difícil traduzir de alemão para português e português para alemão do que francês-português, português-francês, mas é preciso que haja sucessivas gerações à altura da dimensão da tarefa exigida. Eu gosto muito destes temas. Não considera que está sozinho numa luta que poderia ser mais fácil se, por exemplo, o Brasil também se mobilizasse? Já me foi sinalizado aqui que existe alguma preocupação a esse respeito, até por causa das Secções internacionais. E a resposta curta à sua pergunta é: não, não me sinto sozinho. Sinto-me muito bem acompanhado. Digo que é sempre possível trabalharmos mais com os países lusófonos em países terceiros. Quer na parte do ensino da língua, quer na parte da divulgação e da promoção cultural. Eu tenho muito bom relacionamento com os Embaixadores lusófonos aqui, temos procurado mobilizá-los e tê-los aqui quando temos eventos culturais. E isso tem acontecido de maneira bastante consistente. A questão do ensino da língua é uma questão que merece discussão também e sobretudo, no seio da própria CPLP para que haja repercussão ou eco dessa discussão nas várias capitais. É mais fácil, sem qualquer reserva, tratar de projetos bilaterais com um ou dois países, do que conseguir a mobilização conjunta, simultânea deste conjunto de Embaixadas nesta área de atuação. O mesmo encontrei em todos os sítios por onde passei como Embaixador e, portanto, não é um caso específico.