LusoJornal | Carlos Pereira

Intervenções em inglês numa conferência na Embaixada de Paris geraram polémica

A organização de uma conferência, na Embaixada de Portugal em Paris sobre “Os 50 anos das independências dos países africanos de língua portuguesa: processo, herança e valores” gerou polémica por ter sido utilizada a língua inglesa em algumas intervenções do evento.

O primeiro a reagir foi Adelino Oliveira, um professor aposentado que logo no dia da conferência teria interpelado o Embaixador português para lhe fazer parte do descontentamento de ver a língua inglesa utilizada sem tradução. Escreveu depois um texto, que o LusoJornal publicou esta manhã (ler AQUI) dando conta desse mesmo descontentamento.

Depois veio a público o Deputado José Dias Fernandes, eleito pelo círculo eleitoral da Europa. O Deputado do Chega escreveu uma carta ao Embaixador de Portugal (ler AQUI), com propósitos bastante agressivos, e inabituais entre instituições. Escreveu que se tratou de um “ato vergonhoso” e de “uma inaceitável provocação”.

“O dever moral do Embaixador de Portugal é de falar português, é também dever do Embaixador de Portugal defender a língua portuguesa, o que o senhor Embaixador e todos os intervenientes, com cobardia ou ignorância, não fizeram” escreveu José Dias Fernandes. Raramente se viu comunicação de um Parlamentar com propósitos tão agressivos para com um Embaixador de Portugal. Aliás, o texto termina com a ideia de que o Embaixador Francisco Ribeiro de Menezes “representa mal” Portugal. “Senhor Embaixador, como Deputado eleito pelo círculo da Europa, digo que Portugal e os portugueses de França merecem melhor representação”.

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Organizador do evento foi Ricardo Soares de Oliveira

O Embaixador Francisco Ribeiro de Menezes explicou ao LusoJornal que a conferência pretendeu evocar os 50 anos das independências dos países Africanos de língua portuguesa e o programa da tarde foi confiado a Ricardo Soares de Oliveira, professor em SciencesPo Paris desde janeiro de 2025, que também é Senior Research Fellow no Department of Politics and International Relations e codiretor do Oxford Martin School Programme on Africain Governance da Universidade de Oxford.

Ricardo Soares de Oliveira é também autor de vários livros, nomeadamente “Oil and Politics il the Gulf of Guinea” (2007) e “Magnificient and Beggar Land: Angola since the civil war” (2015) e foi chefe de redação da revista “African Affairs” da Royal African Society, entre 2019 e 2023.

“O ano de 2025 marca os 50 anos de independência da maior parte dos países africanos onde o português é a língua oficial, um evento histórico estreitamente ligado à Revolução dos Cravos de 25 de abril de 1974” lê-se na folha de apresentação do evento, que o LusoJornal recebeu ontem, já que o evento não foi comunicado aos órgãos de comunicação social portuguesa em França.

“Trata-se de um momento oportuno para explorar as trajetórias cruzadas de um duplo processo de libertação: o da sociedade portuguesa de uma ditadura instaurada desde 1926, e o das sociedades africanas do domínio colonial. Que interações e que influências podemos identificar? Como compreender o calendário e as modalidades da descolonização portuguesa, uma das que teve lugar mais tarde, de entre as que tiveram lugar depois da II Guerra mundial?” lê-se ainda no texto. “E como é que o processo de descolonização se projetou na relação pós-colonial que se construiu depois? Quais são os valores fundamentais que guiam o desenvolvimento destes países?”.

Para este evento, o Embaixador de Portugal explicou ao LusoJornal que convidou os representantes em Paris dos países africanos de língua oficial portuguesa e outros diplomatas em posto na capital francesa, como acontece regularmente, assim como representantes, que também estavam presentes, do Quai d’Orsay.

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Especialistas fizeram intervenção em inglês

Para intervir neste evento, Ricardo Soares de Oliveira convidou dois universitários portugueses com experiência reconhecida nesta matéria: Edalina Rodrigues Sanches, investigadora principal no Instituto de ciências sociais da Universidade de Lisboa e Pedro Aires Oliveira, professor associado no Departamento de história da Faculdade de ciências humanas e sociais da Universidade Nova de Lisboa e investigador no Instituto de história contemporânea.

“Os dois intervenientes neste evento não estavam à vontade na língua francesa e pediram para fazer as suas intervenções em língua inglesa” explicou o Embaixador de Portugal ao LusoJornal. “Ou tínhamos a intervenção destes especialistas em língua inglesa ou não tínhamos o evento”.

O meio diplomático está habituado a intervenções em várias línguas e muitas vezes a língua inglesa é a língua comum. Aliás, o documento de apresentação da conferência foi feito em francês e em inglês.

Acusar o Embaixador de Portugal de não defender a língua portuguesa apenas por ter organizado um evento onde se falou inglês (e está longe de ter sido caso único nesta ou noutras Embaixadas de Portugal) não deixa de ser estranho. Ainda ontem, num evento organizado na Embaixada de Portugal pela Câmara de comércio e indústria franco-portuguesa (CCIFP), a língua utilizada foi o francês e, habitualmente, a Coordenação das Coletividades Portuguesas de França (CCPF) organiza os seus eventos utilizando maioritariamente a língua francesa.

“Acontece que em França os lusodescendentes se expressam muito mais facilmente em francês do que em português. É um facto” diz Francisco Ribeiro de Menezes ao LusoJornal.

Mas é verdade também que em França se fala pouco inglês e provavelmente alguns dos presentes neste evento acabou por não perceber o teor das intervenções. Por detrás da defesa da língua portuguesa, manifesta-se talvez o desconhecimento da língua inglesa.

O LusoJornal desconhece se os convites para este evento mencionavam que as intervenções seriam feitas em inglês, porque não chegou qualquer informação à nossa redação sobre este evento.

Também é possível que, por detrás de alguns destes protestos esteja o facto da Embaixada ter decidido abordar a questão das Independências das ex-Colónias portuguesas!