Investigafora luso-francesa quer dar a conhecer fenómeno invisível do repatriamento de emigrantes

A gestão por Portugal do repatriamento de emigrantes dos Estados Unidos no período entre guerras é o novo projeto da investigadora luso-francesa Yvette dos Santos, que quer dar visibilidade a uma emigração que correu mal.

“As pessoas que regressam porque não correu bem são invisíveis, preferem esconder. Acho importante, do ponto de vista dos estudos históricos e da investigação científica, mas também para conhecimento da sociedade, dar visibilidade a essas pessoas”, disse Yvette dos Santos, em entrevista à Lusa.

“O regresso tem sido sobretudo estudado no âmbito da descolonização, com os retornados, e não existem muitos trabalhos sobre regresso e ainda menos sobre um regresso delicado, em que o Estado português assume o papel de protetor”, acrescentou.

Por isso, Yvette dos Santos entende que a sua investigação terá a vantagem de dar visibilidade a uma emigração de que as próprias pessoas não gostam de falar por representar o falhanço da sua experiência migratória.

 

Yvette dos Santos

Nascida em França numa família de emigrantes portugueses, Yvette dos Santos é investigadora contratada do Instituto de História Contemporânea na universidade NOVA-FCSH e ganhou com este projeto uma das 41 bolsas da edição 2021-2022 da Bolsa Fulbright/Instituto Camões para Professores e Investigadores.

Ao abrigo da bolsa, a partir de janeiro, a investigadora irá passar cinco meses em New Bedford, no estado norte-americano do Massachusetts, para pesquisar a forma como o Estado português respondeu e geriu os pedidos de repatriamento de emigrantes portugueses no período entre a primeira (1914-1918) e a segunda (1939-1945) guerras mundiais.

“O meu objetivo é perceber como é que o Estado português, e mais especificamente os consulados – que são atores-chave neste processo – lidaram com essas pessoas que solicitaram o regresso a Portugal”, disse.

Saber se todos foram repatriados, se havia prioridades, se os mais vulneráveis eram aqueles que eram repatriados e quais eram os critérios aplicados neste processo, são questões para as quais Yvette dos Santos vai procurar respostas.

A nova investigação vem no seguimento de um trabalho anterior realizado sobre a repatriação de menores portugueses do Brasil para Portugal nos anos 1920. “O que verifiquei no caso do Brasil é que nem todos podiam ser repatriados e muitas vezes os mais vulneráveis, nomeadamente menores órfãos, não eram repatriados”, disse.

“A minha ideia é tentar perceber qual é a lógica e quem é que decide quem é que ‘merecia’ regressar a Portugal”, acrescentou, explicando que a base de pesquisa será o arquivo do Consulado Português em New Bedford.

De acordo com a investigadora, a pesquisa parte de uma hipótese, formulada com o trabalho no Brasil, de que há uma seleção baseada, entre outros, num critério “utilitarista” destes emigrantes.

“Deixam-se regressar pessoas que são úteis para a sociedade” e não necessariamente “os mais frágeis e os mais vulneráveis”, disse, adiantando que irá agora tentar verificar se esta hipótese também é válida para os Estados Unidos.

Yvette dos Santos aponta a questão dos custos que os repatriamentos representam para os consulados como um dos possíveis critérios na base da escolha dos cidadãos a apoiar no regresso a Portugal.

Entre os desafios da pesquisa, a investigação antecipa a falta de dados estatísticos agregadas sobre estes emigrantes. “Não existem estatísticas fiáveis que permitam ter uma perspetiva de longa duração sobre o repatriamento”, disse, adiantando que a investigação terá “a preocupação” de saber quantos e qual o perfil dos que pediram o repatriamento, dos que foram autorizados a regressar e daqueles que tiveram de ficar.

Licenciada em História na Université de Paris VIII Vincennes-St-Denis e com um doutoramento na NOVA FCSH, o trabalho académico de Yvette dos Santos tem se centrado na emigração política portuguesa no século XX, com investigações sobre a emigração portuguesa para França e políticas de emigração durante o Estado Novo.

Com uma bolsa de Pós-doutoramento da Fundação de Ciência e Tecnologia (FCT), desde 2017 está a trabalhar numa investigação sobre o “lobby marítimo”, as companhias de navegação com interesses no transporte de emigrantes portugueses na rota do Atlântico-Sul.

 

Cristina Fernandes Ferreira, Lusa

 

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