Jean-Baptiste Hermann: Um Alsaciano em Penalva do Castelo

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Começa assim a narração recebida da parte de César Tavares sobe o seu ascendente, Jean-Baptiste Hermann (1) (2): “A história do meu antepassado Jean-Baptiste Hermann, dada a longínqua distância temporal, tem para mim essencialmente um valor sentimental, de caráter genealógico. A sua condição de militar foi para mim surpreendente”.

A história de Jean-Baptiste Hermann é a de um Alsaciano que se prendeu de amores em Penalva do Castelo, no contexto da Guerra Peninsular, aí se fixando e constituindo família. A vida dele é, de uma certa maneira, um pouco em contraponto com a atual história da diáspora portuguesa no mundo, particularmente em França.

“Sou tetraneto de Jean Hermann, cinco gerações nos separam. Esta é uma história que tem a ver com a minha infância, quando ouvia referir, por parte do meu avô, Raul Baptista (Lisboa,1890 – Penalva do Castelo, 1976), bisneto de Jean-Baptiste, que ‘ainda pertencia aos alemães’. Aparentemente, e face ao apelido Baptista, tal fazia pouco sentido. Era a memória vaga e longínqua, transmitida geracionalmente, da presença em 1813/14 do KGL, a Legião Alemã do Rei, em Penalva do Castelo. Foi o que, apenas há poucos anos, pude perceber” conta César Tavares.

“Quanto ao apelido Baptista, que sobreviveu na família, tal deve-se ao facto de os Párocos redatores dos registos, a partir de certa altura, terem passado a referir-se a João Hermann, como João Baptista. E foi esse nome próprio, convertido em sobrenome, que vingou e se perpetuou nos seus descendentes. É também uma história de perseverança e de entreajuda, na busca do local de nascimento, algures na Alsácia. A única certeza e ponto de partida é que ele se situava no ‘bispado de Estrasburgo’”.

 

Os casamentos luterano e católico

Reza assim o documento expedido pelo Vigário-Geral e Provisor da Câmara Eclesiástica da Diocese de Viseu, em 4.4.1818, transcrito no assento de casamento de João Hermann e Maria Tomásia, celebrado em 5 de abril de 1818, na igreja paroquial da Ínsua, Penalva do Castelo:

“A origem alsaciana de ‘Log’ a Lalaye, um longo caminho. Todas as referências à naturalidade de João Hermann, inscritas nos registos paroquiais, quer no seu assento de casamento, quer nos assentos de batismo de seus filhos, indicam Log, diocese de Estrasburgo, Alsácia.

Jean-Baptiste nasceu em 11.02.1780, em Lalaye, Lach, em dialeto alsaciano, Villé, Baixo-Reno, nas montanhas dos Vosges, na Alsácia”.

‘Log’ era afinal a tradução fonética de Lach, feita pelos párocos que lavraram os registos paroquiais”.

 

A origem alsaciana e a inclusão no KGL

Jean Hermann era militar do KGL – King’s German Legion, Legião Alemã do Rei, regimento de Hanover, parte integrante do Exército Britânico.

Sendo o KGL, maioritariamente, composto por militares oriundos do Ducado de Hanover, como compreender a inclusão de Jean Hermann, francês da Alsácia, nas suas fileiras? Importa recordar que a Alsácia apenas foi incorporada no Reino de França em 1648, por força do Tratado de Vestefália, que pôs fim à Guerra dos Trinta Anos, sendo uma região de forte influência alemã, cuja soberania tem, desde então, oscilado entre a França e a Alemanha, ao sabor das conjunturas político-militares.

Quanto às razões da fixação de Jean-Baptiste Hermann em Portugal, na região de Viseu, duas hipóteses se levantam:

“Jean-Baptiste Hermann fazia parte do Exército francês, nas fileiras do 2° Batalhão, da 4ª Companhia, do 86° Regimento de Infantaria de Linha, que sob as ordens do General Delaborde, integrou a primeira Invasão francesa comandada pelo General Junot, e que entrou em Lisboa em dezembro de 1807. No entanto, na sequência da Convenção de Sintra, assinada em 1808, aquando do regresso a França de milhares de soldados franceses, transportados em navios ingleses, podia ter ‘escolhido’ permanecer em Portugal” explica César Tavares. “Outra hipótese, talvez mais plausível e complementar da anterior, pode relacionar-se com o facto de, em abril de 1809, em Lisboa, o exército britânico ter recolhido desertores franceses de língua alemã, que foram enviados para Inglaterra para treino e retornaram mais tarde a Portugal, integrados no KGL”.

No inverno e primavera de 1813, no quadro da Guerra Peninsular, o KGL esteve estacionado em Penalva do Castelo.

 

A condição de militar

Em 1813, no contexto da Guerra Peninsular, o exército anglo-português, comandado por Arthur Wellesley, Duque de Wellington, tinha o Quartel-General em Celorico da Beira.

Jean Hermann seria militar do KGL, Legião Alemã do Rei, regimento de Hanover, parte integrante do Exército Britânico.

Um batalhão da Legião Alemã do Rei esteve aquartelado em Goje e Castendo, no concelho de Penalva do Castelo, desde janeiro até 15 de maio de 1813, antes de marchar em direção a Norte, atravessando o Douro, rumo a Espanha, onde se viriam a desenrolar importantes batalhas contra o exército napoleónico – Vitória e Pirinéus.

Neste contexto, Jean Hermann casa “pelo Rito Protestante, na Vila de Celorico, perante o Capelão do Regimento” com uma jovem Penalvense, da Ínsua – Maria Tomásia, filha de João de Almeida e de Tomásia Maria, aí se fixando.

Posteriormente, o casamento Protestante, Luterano, foi ratificado e revalidado pelo rito católico, em 5.4.1818.

 

KGL, um pouco da sua história

Em 1803, o reino de Hanover foi invadido pelas tropas napoleónicas, tendo o seu exército sido desmembrado. Muitos militares hanoverianos que pretendiam continuar a lutar contra Napoleão Bonaparte dirigiram-se para a Inglaterra, unida ao Eleitorado de Hanover na pessoa do rei Jorge III.

Por razões de identidade e facilidade linguística, os militares provenientes de Hanover foram agrupados numa única unidade, designada de King’s German Legion (KGL), que passou a integrar o exército britânico.

No seu apogeu, em 1812, o KGL contava com 18 mil homens, distribuídos por dois regimentos de dragões, três de hussardos, oito batalhões de infantaria de linha, dois de infantaria ligeira e seis baterias de artilharia.

 

Os militares do KGL e a sociedade penalvense

Tal como outros camaradas de armas, Jean Hermann viria a casar com uma jovem Penalvense.

Exemplo dessas ligações afetivas e amorosas são o caso de Maria do Amaral, de Gôje, que casou com Julius Gullenbeck, sargento do 1° Batalhão de Linha do KGL, em Mondim da Beira, fixando-se em Hanover, onde teve dois filhos, falecendo em 1861. E, também, o casamento de Agostinho Shitteze e de Luzia Jacinto, ele natural da “Vila de Peine, bispado de Helderhim (sic), Império da Alemanha” e ela natural da Quinta de Gôje, cujos filhos Antónia e João foram batizados na paróquia da Ínsua, em 10.7.1815 e 12.2.1817, respetivamente.

Em vésperas do KGL abandonar Penalva em direção a Espanha, em 2, 3 e 9 de maio de 1813, três registros atestam o batismo de adultos, na paróquia da Ínsua, de membros da Real Legião Alemã, por conversão da fé Luterana à fé Católica.

Que razão terá levado à abjuração da fé luterana e à conversão à fé católica?

A mais óbvia, seria a de possibilitar o casamento pelo Rito Católico.

 

A descendência de Jean-Baptiste Hermann

Jean-Baptiste Hermann e Maria Tomásia tiveram, tanto quanto os registos paroquiais documentam, os seguintes filhos, todos nascidos no lugar e freguesia da Ínsua, e na sua igreja paroquial batizados:

  1. Ana, nascida em 18.3.1814
  2. João, nascido em 17.3.1817
  3. Francisco, nascido em 17.11.1819
  4. António, nascido em 23.11.1822
  5. Luís, nascido em 21.01.1827
  6. Manuel, nascido em 18.6.1830
  7. Margarida Delfina

 

Participação no Exército Liberal

No Arquivo Histórico Militar, em Lisboa, há registo de um grupo de Oficiais Franceses que combateram no Exército do Rei D. Pedro IV, na Guerra Civil (1832-1834), cujos apelidos têm raiz alemã, provavelmente oriundos da Alsácia: Francisco Vogt, Capitão, e Alexandre Hoffmann, Luis Sommer, Jean Lantermann e Jean Hermann, Tenentes, entre outros.

No livro “Oficiais no Exército de D. Pedro”, Jean Hermann vem mencionado como pertencente ao Segundo Regimento de Voluntários da Rainha.

Na Chronica Constitucional do Porto, volume 2, pág. 1217 consta a sua promoção de Alferes a Tenente, enquanto membro daquele Regimento, no contexto do Cerco do Porto.

 

Falecimento

Jean-Baptiste Hermann, há muito tempo referenciado nos registos paroquiais por João Baptista, faleceu no lugar e freguesia da Ínsua em 30.11.1856, no estado de casado com Maria Tomásia e foi sepultado na respetiva igreja paroquial.

 

(1) Ver artigo editado pelo LusoJornal a 22.10.2020 de César Tavares sobre o tema: “O King’s German Legion em Penalva do Castelo para combater as Invasões napoleónicas”

(2) O presente artigo foi escrito em colaboração com César Tavares, em setembro 2020

 

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LusoJornal