Home Entrevistas João Oliveira, líder Parlamentar do PCP esteve em Paris: «Não temos objeção de princípio ao voto eletrónico»Carlos Pereira·15 Abril, 2018Entrevistas O Líder da bancada parlamentar do Partido Comunista português, João Oliveira, Deputado eleito pelo círculo eleitoral de Évora, esteve este fim de semana em Paris para evocar o 25 de Avril e para comemorar os 97 anos do PCP. O evento teve lugar este domingo, na sede da Secção local do PCF em Paris 20. Durante a tarde houve uma intervenção de João Oliveira, seguido de um momento musical e da projeção do filme «5 dias, 5 noites». No sábado, o Deputado teve encontros com os Conselheiros das Comunidades portuguesas e com os dirigentes da Santa Casa da Misericórdia de Paris. João Oliveira acedeu dar uma entrevista ao LusoJornal. Vamos começar por uma questão de atualidade. O PCP absteve-se esta semana no voto de uma moção de louvor pela organização das comemorações do Centenário da Batalha de La Lys. Porquê? Parte da homenagem dos Portugueses que morreram naquela batalha tem de incluir uma nota da injustiça daquela guerra que ceifou tantas vidas, incluindo as vidas daqueles Portugueses. Aquela guerra – como em geral as guerras, mas aquela em particular – é uma guerra que foi travada com interesses muitos distantes das vidas daqueles homens que ali perderam a vida. E o voto que foi levado à Assembleia da República não é um voto em abstrato e desligado do quadro concreto em que aquela guerra foi travada e daquelas vidas que foram ceifadas. E o voto que em particular foi levado à discussão na Assembleia da República, acaba por não deixar clara a natureza daquela guerra, as motivações que estiveram por detrás dela e ainda por cima a lógica de poder de uns homens para explorar outros, que na verdade levou àquele conflito, em particular a dimensão da disputa colonial que colocou os poderes instituidos na Europa, uns contra os outros. A Guerra já aconteceu há 100 anos e não podemos voltar atrás. Agora tratava-se de prestar homenagem precisamente àqueles que morreram nesta guerra que podemos considerar injusta… E se aquele voto não tivesse apagado este aspeto que referi, certamente a nossa posição teria sido outra. Agora, confrontados com um texto que apaga toda essa dimensão de uma guerra injusta que ceifou também aquelas vidas, todas com essa injustiça, naturalmente não poderia ter o nosso voto. LusoJornal / Carlos Pereira Mas o PCP já tinha votado contra um texto anterior, se bem me lembro apresentado pelo Deputado Paulo Pisco, portanto já tinha marcado esta posição do Partido. Compreende que agora esta segunda posição pode chocar de uma certa forma, num ano de Centenário, que o PCP não preste homenagem a estes homens, que não decidiram nada, que foram mandados para cá para combater? A resposta a essa pergunta será sempre diferente consoante a perspetiva de quem olha para esta questão em concreto. Eu julgo que as famílias daqueles homens que perderam a sua vida naquela guerra, uma guerra injusta, uma guerra que em nada tinha que ver com os seus projetos de vida, com a sua conceção de vida e sociedade e viram a sua vida ceifadas naquela guerra, essas famílias não deixam de estar marcadas por essa injustiça e a homenagem que tem de ser feita, não só àqueles que perderam a sua vida naquela guerra, mas também às suas famílias, julgo que deve comportar também esta dimensão de justiça perante a injustiça que está por detrás daquela guerra. Eu julgo que um voto que seja levado à Assembleia da República com essa apreciação, terá uma apreciação diferente por parte do Grupo Parlamentar do PCP. Porque aquilo que nós pomos em causa, não é a justa homenagem e o reconhecimento que deve ser feito a quem perdeu a sua vida, é a crítica ao apagamento desse elemento, que é um elemento que não pode deixar de marcar o posicionamento perante aquele acontecimento histórico. Nesse caso faz sentido terem enviado uma Deputada – a Deputada Carla Cruz – na Delegação de Deputados que acompanhou o Presidente da República nestas comemorações em França? Não há aqui uma contradição? Nós em nada queríamos que a nossa presença institucional contribuísse para desvalorizar a justa homenagem prestada àqueles homens que perderam a sua vida. Não pelos motivos do engrandecimento da guerra, não pelos motivos da valorização da guerra como solução para os conflitos, muito menos a guerra como solução para conflitos que opõem países contra países numa lógica de exploração de outros homens e de outros países. Isso estava no texto que foi levado à Assembleia da República? Estava apagado do texto. Portanto a nossa presença institucional nas cerimónias que foram feitas, corresponde a esse relevo institucional que naturalmente não queriamos que deixasse de ter lugar sem a nossa presença, sendo que a nossa presença, naturalmente, comporta essa dimensão crítica que continuamos a fazer da guerra e das suas motivações. Porque não foi só a primeira Guerra mundial, houve outras guerras que foram marcadas tambémpor essa lógica de domínio, de controlo, de disputa de poder colonial entre países e portanto o nosso possicionamento e a nossa participação institucional não deixa de conter também essa dimensão. Mudando de registo. Está atualmente em discussão na Assembleia da República uma proposta do Governo que visa automatizar – sem porém o tornar obrigatório – o recenceamento eleitoral dos Portugueses residentes no estrangeiro. Como se vai posicionar o PCP face a esta questão? Na apreciação de fizemos às duas Propostas de Lei, uma das questões que sinalizámos tinha a ver com um aspeto que nos parecia relevante, que era o facto de garantir que os próprios cidadãos teriam alguma intervenção neste processo, não tornando o processo automático ao ponto de sobrepor-se à própria expressão de cada um dos cidadãos, nomeadamente em relação ao local do seu recenceamento. Repare, isso é o que acontece agora. Como o recenceamento não é obrigatório, nem é automático, é o cidadão que tem de tomar a iniciativa de recencear-se… Nós não nos opusemos à existência de um cariz automático, pensamos é que ele não pode dispensar alguma manifestação de vontade por parte do cidadão relativamente à localização do recenseamento onde ele é feito e isso, de resto, foi um elemento que foi tido em consideração pelo Partido Socialista, que aliás há pouco tempo apresentou uma proposta de alteração que nós, numa primeira apreciação que fizemos, julgamos que acaba por corresponder a essa questão que foi sinalizada pelo PCP que era a de evitar essa objeção de tornar absolutamente automático a localização do recenseamento dispensando qualquer manifestação de vontade por parte dos cidadãos e portanto a proposta que o Partido Socialista apresentou acaba por corresponder, de certa forma a esta objeção que o PCP fez e penso que ela terá condições para ser aprovada, ultrapassando essa objeção e permitindo no momento da renovação do Cartão do Cidadão os cidadãos possam expressar a sua vontade. No momento da renovação do Cartão do Cidadão, passa a ficar automático o novo recenceamento e a anular o recenseamento anterior se ele existir. A nós parece-nos que é uma solução que pode ultrapassar este problema e que pode permitir uma maior aproximação do recenceamento eleitoral, não apenas à vontade dos eleitores mas à própria realidade da constituição dos círculos eleitorais. Isto é, vocês querem que seja perguntado ao utente, no momento em que vai renovar o Cartão do Cidadão, se quer ser recenseado? Exatamente. Em vez de ser um mecanismo por defeito, acaba por haver uma expressão de vontade. E porque razão para o PCP, um Português que more em Portugal não necessita de manifestar essa vontade e um Portugueses que more no estrangeiro já tem de a manifestar? Porquê esta discriminação? Para o PCP, o que justifica esta diferenciação entre um Português que more dentro e outro que more fora de Portugal? Julgo que não há diferença do ponto de vista da capacidade eleitoral e do exercício da sua cidadania. Há um problema com a introdução de mecanismos automáticos desta natureza porque a constituição de um universo eleitoral – e nós temos visto isso frequentemente não apenas com o Português fora do país mas também com o Português residente no pais – há por vezes circunstâncias que por força de outra natureza, por razões fiscais, por exemplo, em que a automaticidade do recenceamento acaba por criar problemas, aliás isso tem sido identificado em variadissimas circunstâncias. LusoJornal / Carlos Pereira Mas o cidadão residente no estrangeiro pode anular a sua inscrição nos cadernos eleitorais, se assim o considerar… Mas repare, a perspetiva que nós temos relativamente à automaticidade destes mecanismos não foi de completo acompanhamento das opções que foram feitas e de resto, ao longo do tempo, tem-se vindo a verificar alguns problemas que nós tínhamos sinalizado. Porque de facto há elementos de automatismo em matéria de recenceamento eleitoral que acabam por produzir o resultado contrário àquele que se pretendia. Houve essencialmente dois critérios que foram apresentados e que foram decisivos: por um lado o de garantir, para efeitos eleitorais, a completa coincidência com a circunstância real em que cada pessoa se encontra, em relação à morada que apresenta como sendo a sua residência permanente, haver a coincidência para efeitos de recenseamento eleitoral para não haver até circunstâncias de disproporção em relação à composição eleitoral, esta questão coloca-se sobretudo no que diz respeito às eleições para a Assembleia da República e da distribuição que é feita, através do método de Hondt do número de Deputados por cada círculo eleitoral e haver zonas do país onde as pessoas passaram a residir sem que esteja aí confirmado o seu recenceamento eleitoral, pode levar a distorções do ponto de vista da distribuição dos eleitos e há um outro ponto que tem a ver com um outro argumento – e em relação a esse nós tivemos sempre dúvidas – que é o que isso poderia significar como maior participação política e capacidade de particiação eleitoral. Verifica-se entretanto que alguns desses problemas têm-se vindo a confirmar. Da apreciação que fazemos deste processo que está em curso… aliás nem tem sido apenas o PCP a levantar questões, têm sido apresentados outros tipos de argumentos. Mas esta discussão está ainda em curso na primeira Comissão, esperamos nós que possam ser resolvidas, sobretudo para que os Portugueses residentes no estrangeiro possam ter melhores condições de exercício dos seus direitos do ponto de vista não só do exercício de participação nas eleições, no ponto de vista ativo e no ponto de vista passivo. Não só a capacidade de eleger, mas também a capacidade de ser eleito. De que tipo de problemas está a falar? Há problemas de fundo que persistirão e problemas de fundo que têm a ver com a própria organização do ato eleitoral e com a necessidade de organização do ato eleitoral em condições que garantam a proximidade dos cidadãos eleitores em relação às suas próprias Assembleias de voto, de maneira a que o voto não fique impedido por força de circunstâncias de distância ou de capacidade material, digamos assim, dos cidadãos eleitores acederem às Assembleias de voto. E esta também não é uma discussão que comece virgem porque ela já foi feita há uns anos atrás, e de resto o PCP, na última discussão mais aprofundada que foi feita sobre estas questões, relativamente às eleições Presidenciais adiantou propostas e soluções que até correspondiam à constatação objetiva das Comunidades portuguesas que vivem em países em que a dispersão geográfica e a distância entre o local de residência desses Portugueses e o local onde são constituídas as Assembleias de voto suscitam dificuldades para as quais as próprias Comunidades adiantaram soluções e algumas delas o PCP tomou-as como boas e transformou-as em propostas. Por exemplo a possibilidade de constituição de Assembleias de voto em locais próximos dessas Comunidades desde que as forças políticas assegurem as condições de democracia do ato eleitoral. O voto eletrónico não está nas vossas perspetivas? O voto eletrónico é outra matéria controversa. E é uma matéria controversa global de todo o sistema eleitoral, não apenas em relação aos Portugueses residentes no estrangeiro, mas em relação às próprias condições de realização dos atos eleitorais dentro do território nacional. As experiências internacionais que existem em relação ao voto eletrónico suscitam muitíssimas dúvidas, não apenas às condições de democraticidade do ato eleitoral, com circunstâncias de manipulação que são mais evidentes com a utilização do mecanismo eletrónico, mas até com as próprias condições de preservação da privaticidade e do secretismo do ato eleitoral. Na perspetiva do PCP, o problema do voto eletrónico é um problema mais fundo e que suscita maiores dúvidas do que todos estes que estivemos a referir anteriormente. E estas dúvidas colocam-se de uma forma mais geral em relação ao voto eletrónico. Já houve aliás, há uns anos atrás, na Primeira Comissão da Assembleia da República uma discussão em que se tentou fazer direito comparado, a partir das experiências internacionais que existem, como é que as condições funcionam, como é que tudo isso é feito. E as dúvidas não ficaram afastadas. Então não há objeção de princípio por parte do PCP? Da nossa parte não há objeção de princípio em relação aos mecanismos de voto eletrónico. Aliás, a primeira votação de eleição eletrónica que foi feita em Portugal com registo e validação pelo STAP, o Secretariado técnico de apoio ao sistema eleitoral, por via da Comissão nacional de eleições, validada por todas as entidades competentes, foi a eleição do Comité Central do PCP no Congresso de 2004. Como isto comprova, nós não temos nenhuma objeção de princípio em relação à utilização destes mecanismos. As dúvidas que estes mecanismos suscitam são dúvidas que nós também não julgamos que não possam ser ultrapassadas. Naquele caso concreto foi constituído um sistema de voto eletrónico presencial, não diferido, com a intervenção das autoridades competentes, não só na construção do sistema eletrónico como na sua verificação e no seu acompanhamento para garantir o controlo de todo o processo eleitoral e dos princípios eleitorais e foi feita essa eleição, em 2004, pela primeira vez dessa forma. Isto comprova que nós não temos em relação a isso nenhum tipo de anátema, digamos assim, é uma questão de verificar em concreto as condições que existem para isso e até agora, de facto, as objeções que têm surgido a partir da comparação com as experiências internacionais não permitem que isso aconteça. Imagine que o recenseamento dos Portugueses residentes no estrangeiro passe a ser automático, de uma só vez, ou gradualmente como propõe o PCP, à medida que os cidadãos renovarem o Cartão do Cidadão. O universo eleitoral vai passar de 250 mil para 1.300 mil. Este é o número do Governo, porque são os cidadãos que têm Cartão do Cidadão com morada no estrangeiro. Ora, em Portugal, os círculos eleitorais dependem do número de eleitores, mas nos dois círculos da emigração, não. Isto é, nós somos Portugueses de segunda, não temos o mesmo «valor» eleitoral. Podemos ser 250 ou mais de um milhão, mas teremos sempre 4 Deputados pela emigração. Acha isto democrático? Vou colocar-lhe a questão da forma como eu acho que verdadeiramente ficava resolvido o problema. Acompanha-nos na defesa de um sistema proporcional puro? Ou seja, a questão que me está a colocar tem um problema de raíz, que é o caráter injusto do método de Hondt e da distribuição de mantatos num sistema eleitoral por via de círculos eleitorais… Não. Esta questão não tem nada a ver com o método de Hondt porque o método de Hondt aplica-se aos círculos eleitorais em território nacional, mas não se aplica aos dois círculos eleitorais da emigração. Eu estou a suscitar esta questão porquê? Porque julgo que os problemas da desproporcionalidade do nossos sistema eleitoral vão para além desse, vão para outros planos. O facto de nós termos um sistema eleitoral baseado numa distribuição de Deputados por círculos de acordo com o método de Hondt é, ele próprio, em si, um sistema injusto. E portanto, não me parece que a questão fique resolvida apenas pela aplicação do método de Hondt de forma integral a todos os círculos de eleição. De resto, esta reflexão que nós temos feito, já não é de agora, a nossa Constituição obriga a uma distribuição dos mandatos a eleger… Nos outros círculos eleitorais, não nestes dois, insisto. Mas o problema de fundo está aí. A injustiça não se resolve aplicando um critério injusto, que continua a ser injusto, a toda a gente. A utilização do método de Hondt, que é o método menos proporcional de todos os métodos proporcionais que existem, é, em si próprio, um fator de injustiça. Qualquer um dos métodos proporcionais dos outros métodos que existem, e há vários, há vários sistemas eleitorais, que funcionando com critérios de proporcionalidade, têm métodos mais justos, o modelo neozelandês, por exemplo, o holandês. Este devia ser um problema a considerar. Até porque nós temos situações de verdadeira acentuação de desigualdade na distribuição dos mandatos que conduzem a situações de subrepresentação de determinadas regiões, ou determinadas Comunidade portuguesas, digamos assim, que talvez seja a designação mais feliz, em favor de sobrerepresentação de outras comunidades e não nos parece que isso seja correto e pensamos, de resto, que isto se resolveria, tornando o sistema proporcional português mais proporcional e não tanto acentuando as lógicas da proporcionalidade. Certo, até pode pôr um método mais proporcional em Portugal, mas se guardar estes dois círculos eleitorais bloqueados a 4 Deputados, o nosso «problema» não muda absolutamente nada. Continua a ser uma distribuição de Deputados injusta e discriminatória. Deixe-me tentar colocar a questão de uma forma provavelmente mais evidente. Porque é que os votos dos Portugueses residentes no estrangeiro que não sirvam para eleger Deputados nesses círculos eleitorais, não são tidos em conta na eleição? Vamos fazer um exercício especulativo, ultrapassando esse problema e adequando a representação dos círculos eleitorais da emigração à sua representatividade do ponto de vista eleitoral. Todos os votos que sejam expressos que não consigam eleger Deputados por esses círculos, são tidos como se não existissem. Isso é justo? Porque é que a voz dos cidadãos e de alguns eleitores ha de ser tido em consideração e a de outros não? Porque é que nós não havemos de criar um sistema proporcional, de circulo único, onde todos os votos contem, e onde nenhuns sejam desconsiderados? Por exemplo, os círculos eleitorais que elegem dois Deputados, com exceção dos votos que servem para eleger aqueles dois Deputados, todos os outros votos são desconsiderados. Este é o problema de fundo que nós continuamos a ter no nosso sistema eleitoral e ele pode ser resolvido. Aliás, já agora, a aplicação destes sistemas, implica que se afaste definitivamente a lógica dos círculos uninominais. Nesses então, o desperdício de voto, a desconsideração do sistema eleitoral dos cidadãos ainda é maior. João Oliveira encontra-se com Conselheiros das Comunidades Compreendeu que não está a responder à minha pergunta. A minha pergunta era porque razão há dois círculos eleitorais que são diferenciados e aos quais não se aplicam as mesmas regras de proporcionalidade, boas ou más, que se aplicam em todos os outros círculos eleitorais. Porque é quem os emigrantes têm de ser à parte? A minha resposta é prisioneira de uma injustiça que, em função de ser maior ou menor, possa aparecer como boa. E na minha opinião, em nenhuma circunstância, a injustiça que se faz em relação a alguns cidadãos eleitores de desconsiderar a sua opção eleitoral em relação a outros, em nenhuma ocasião isso é uma boa solução. Seja ela mais injusta ou menos injusta. Repare, o método de Hondt é um método que existe para garantir a formação de maiorias absolutas, ora isto é a formação de maiorias absolutas no quadro de quem é eleito, mas quando se utiliza o método de Hondt também para distribuir mandatos, acrescenta-se uma segunda injustiça a esta que é quem mais população tem, mais capacidade eleitoral tem. Esta injustiça perpertuar-se-á se o sistema não for corrigido. Vamos lá resumir: o PCP estaria disponível para aplicar o mesmo método proporcional em todos os círculos eleitorais? Incluíndo os da emigração? Se a lógica for essa de aprofundar a proporcionalidade a consideração de fundo que temos, é essa, de garantir que todas as expressões de voto contem. Quando estava a levantar este problema em relação aos obstáculos materiais que continuam a existir relativamente à expressão da vontade de alguns dos Portugueses residentes no estrangeiro, esse é um elemento fundamental de critica relativamente à democraticidade do ato. Nós defendemos um sistema que não saia do catáter presencial do voto e que caminhe no sentido de acentuar a proporcionalidade. Obviamente que tudo o que forem soluções contrárias a estas não correspondem à perspetiva que o PCP defende. Continuo sem perceber claramente se o PCP defende o aumento do número de Deputados pelos círculos eleitorais da emigração. Isto é assunto de atualidade já que o universo eleitoral vai consideravelmente aumentar. Queria abordar agora a questão da eleição Presidencial, já que apenas podem votar nas Presidenciais os eleitores residentes no estrangeiro inscritos até à última eleição. Quem se recenseou depois não pode votar, salvo autorização do Parlamento. Ora quando o Parlamento vir que há um aumento consideravelmente de eleitores, pode não deixar votar. Como vai a Assembleia da República ultrapassar este problema? A questão que está persuposta na sua pergunta anterior não deixa de estar refletida também nesta questão. A consideração relativamente à capacidade de decisão relativamente à formação dos órgãos de soberania e à implicação que essas decisões têm na vida de quem viva em território nacional e diferentemente de quem vive no estrangeiro, essa consideração é aquela que justifica a diferenciação relativamente à capacidade de eleição nas eleições para a Assembleia da República com essa cláusula-barreira. Relativamente à eleição presidencial acabou por se ir esbatendo ao longo do tempo. Esbatendo não. Deu-se direito de voto mas não a todos. O Parlamento quer controlar quem vota. É uma descriminação. Perturba-me que um Partido de Esquerda que combateu descriminações aceite esta. Repare, a questão da descriminação até está relaciona com as condições práticas em que as pessoas exercem a sua capacidade eleitoral. Esse argumento em relação à implicação que tem e à consideração que tem influencia na decisão que é tomada para quem vive em território nacional e para quem vive no estrangeiro não deixa de estar presente. Volto a explicar. O meu vizinho português que for recensear-se hoje, não vai poder votar nas próximas eleições Presidenciais, enquanto eu, que já estou recenseado antes, vou poder votar. Acha isso bem? Acha que é natural que há cidadãos recenseados que possam votar e outros que não vão poder votar (salvo se o Parlamento decidir alterar a lei para os deixar votar)? Deixe-me reconstituir isso. A aprovação daquela regra para a eleição Presidencial foi feita num quadro em que era a primeira vez que aquela possibilidade ia existir e num quadro em que as próprias condições de exercício do direito de voto não deixam de suscitar dúvidas relativamente à democraticidade das condições do exercício do voto. Está a responder ao lado. Para as Presidenciais, a eleição é presencial. Suponho até que foi uma iniciativa do PCP… E foi preciso introduzir todos estes mecanismos de controlo, nomeadamente a exigência do voto presencial, para garantir as condições do exercício. Certo, mas responda à minha pergunta. Acha normal que haja pessoas recenseadas que não poderão votar para as eleições Presidenciais? Mas o problema que se coloca aí não é o reconhecimento do direito das pessoas a exercerem a sua capacidade eleitoral e a exercerem o seu direito de voto. É um problema que se coloca relativamente às próprias condições de verificação do quadro em que é exercido o direito de voto. Desculpe insistir. O Direito de voto está relacionado com a nacionalidade. Não pode estar relacionado com mais nenhum critério. Se é Português, até pode morar na Conchichina, deve ter direito de voto. Mas há problemas de construção da base de dados do sistema eleitoral que não deixam de ser colocados. Aliás, ainda em eleições realizadas recentemente se verificaram circunstâncias de duplicação de registo ou de inexistência de registo. Com a introdução de mecanismos automáticos na eleição estes problemas, ao longo dos anos, têm sido ultrapassados. Na altura foi o Ministro da Administração interna Rui Pereira que quis forçar a informatização de toda a base de dados do registo eleitoral, e o que se confirmou foi que no ato eleitoral seguinte um conjunto enormíssimo de dificuldades, de pessoas ou cujo o registo eleitoral tinha desaparecido ou pessoas que apareciam duplicadas no registo eleitoral e ha de convir que esse não é propriamente um elemento pacifico, não é? Mas eu penso que essa discussão – não em relação ao reconhecimento do direito de voto, porque deve ser garantido a todos os cidadãos de poderem expressar a sua vontade do ponto de vista eleitoral, – quer em relação à distribuição dos mandatos em caso de eleições Legislativas, quer nas condições do exercício do voto no caso das eleições Presidenciais, é uma discussão que não deve fechar-se no ponto de vista do aperfeiçamento dos mecanismos quer legislativos, quer dos outros mecanismos que são indispensáveis. Aliás, precisamente a partir desta dicussão sobre as eleições Presidenciais eu julgo que temos um exemplo concreto de como o reconhecimento legislativo das condições em que determinado cidadão exerce o seu direito de voto, não pode estar desligado das condições materiais que em concreto estão reunidas ou não para garantir a democraticidade do ato eleitoral. Nós não podemos olhar para a Lei desconsiderando tudo o resto, as condições materiais em que o voto é exercido, desconsiderando toda a organização do processo eleitoral, desconsiderando toda a organização do processo eleitoral no momento do voto ou o que presupõe o momento do voto. Obviamente que à medida que alguns dos problemas vão sendo identificados forem resolvidos, a Lei também pode corresponder de outra forma à garantia do exercício do direito de voto aos Portugueses. João Oliveira com militantes Comunistas em Paris Voltando à atualidade. Nas últimas semanas vi-o muito ativo contra os critérios de subsídios atribuídos às artes. Suponho que foi porque o Cendrev, do seu círculo eleitoral tinha ficado sem subsídio numa primeira fase. Mas não o preocupa o facto das companhias de Portugueses no estrangeiro não puderem concorrer aos subsídios do Ministério da Cultura em Portugal? Primeiro, quero contrariar uma afirmação que fez. De forma nenhuma me manifestei contra as condições de apoios às artes por causa do Cendrev. Fosse todo o problema o problema da falta de apoio ao Cendrev. Isso significava que o problema era menos grave do que efetivamente é. O problema são as limitações financeiras à liberdade de criação artística. E esse é um problema de fundo que se tem perpetuado no nosso país. Não apenas por vida dos modelos de apoio às artes que estão completamente desfasados daquilo que deviam ser condições de liberdade de criação artística e até condições financeiras que são impostas por via do Orçamento. Eu penso que a questão que coloca devia merecer um outro tipo de consideração. Porque independentemente de lhe dizer que aquele modelo que está criado não serve e que aquele modelo tem de ser revisto profundamente para que o apoio às artes e às estruturas de criação artística não seja feita em função da política do gosto de quem circunstancialmente ocupa posição de tutela no Ministério da Cultura, independentemente disso, eu acho que a questão que coloca devia merecer outro tipo de consideração, nomeadamente por parte da nossa política dirigida às Comunidades. Aliás este é um assunto que não deixamos de ter presentes nesta iniciativa. A preocupação com o apoio às Comunidades portuguesas no estrangeiro para a criação artística e para a criação cultural, porque são duas dimensões que não são coincidentes mas são duas dimensões que são convergentes com aquilo que é o reconhecimento do direito dos cidadãos à cultura, não apenas no acesso à cultura, mas terem condições para criar arte e cultura. Essa devia ser uma preocupação presente nas opções políticas dirigidas às Comunidades portuguesas no estrangeiro, como parte integrante de um todo da política dirigida às Comunidades. Quer dizer que se eu tiver uma companhia de dança portuguesa em Paris, devo ter de pedir subsídio ao Ministério dos Negócios Estrangeiros e não ao Ministério da Cultura? A cultura que os Portugueses possam criar em Paris não é a mesma dos Portugueses que moram em Portugal? Sobretudo considerando as opções que têm sido feitas, eu julgo que isso seria um fator que em nada beneficiaria os Portugueses que residem no estrangeiro e desenvolvendo atividade artística. Acho que deviam ter um apoio que tivesse em conta essa especificidade. Eu acho que essa especificidade não deixa de merecer uma discriminação positiva. Mas o Ministério dos Negócios Estrangeiros tem cada vez menos meios para apoio às Comunidades… Ora aí temos um dos problemas de fundo que temos que resolver porque a política dirigida às Comunidades portuguesas não pode ser uma política que tenha como critério norteador, aquilo que mais se pode tirar das Comunidades portuguesas no estrangeiro a favor do país. Tem de se ter em consideração as condições específicas em que os Portugueses estão no estrangeiro e do apoio que precisam estando no estrangeiro. E também do apoio que não pode deixar de considerar toda a dimensão da vida social e da vida comunitária dos Portugueses que vivem no estrangeiro, incluindo a sua dimensão cultural. Mas sabe que a discriminação das questões da cultura em relação às Comunidades portuguesas não está longe da discriminação da cultura relativamente aos Portugueses que vivem em território nacional. Porque não impôr às estruturas artísticas em Portugal, nas condições de atribuição de apoios públicos, a obrigação de realizarem espetáculos junto das Comunidades portuguesas? Seria favorável a uma medida desta natureza? Vou aproveitar esta sua ideia. Isto devia ser um critério de majoração do apoio. Devia ser um critério da atividade cultural. Mas deixe-me dizer-lhe que a conceção deste apoio que está a ser atribuído às artes é precisamente a oposta contrária, é a conceção do chicote, é a conceção da penalização. Nós temos companhias de teatro, de dança, na área da música, das artes visuais, das artes performativas, que são forçadas a encontrar parceiros internacionais para garantirem um apoio que mal lhes chega para manterem a atividade que têm no plano nacional. Nunca houve um Ministério da Cultura que dissesse assim: vocês têm de preencher aquele critério da internacionalização, mas tenham em consideração, como prioridade, a ligação às Comunidades portuguesas. Esse elemento nunca foi tida em conta mas eu acho que é uma belissima ideia. Vou levá-la comigo.