«Le roi Sébastien de Venise, histoire d’une rumeur», de André Belo – Os mecanismos de uma impostura e o seu impacto na memória coletiva

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Obra de pesquisa histórica da autoria de André Belo, “Le roi Sébastien de Venise : histoire d’une rumeur” (Éditions Chandeigne), começa por uma constatação : o rei português D. Sebastião, figura quase mitológica da cultura portuguesa, morreu de facto na batalha de Alcácer Quibir no dia 4 de agosto de 1578.

Essa morte, testemunhada por vários contemporâneos, nunca foi colocada em causa na época.

A derrota na “Batalha dos Três Reis” – nome pelo qual é conhecida a batalha em França (a morte de três reis numa só batalha, neste caso dois marroquinos e um português, é algo raro na História global) e também titulo do excelente livro do marroquino Younès Nekrouf, publicado, em 1984, pela Albin Michel – pôs fim a mais de 150 anos de expansionismo português no Norte de África e marcou o início da longa decadência do Império Português que culminou na explosão democrática de 1974.

As circunstâncias da morte trágica deste jovem rei sem herdeiro, que teve como consequência a União Ibérica de 1580 (o rei português passou a ser Filipe II de Espanha), a perda, durante sessenta anos, da independência nacional e o já mencionado espoletar da degenerescência imperial, conduziram à criação do mito sebastianista que todo o adolescente português estuda no liceu e que deixou, até aos nossos dias, a sua marca na própria identidade portuguesa, sempre oscilando entre o fatalismo e a devota esperança de que melhores dias chegarão.

Este mito sebastianista, que influenciou a arte e a literatura, foi também explorado do ponto de vista ideológico, nomeadamente durante a vigência do regime fascista português (1926/1974).

Esta recusa portuguesa em aceitar a morte de D. Sebastião, tal o trauma causado, rapidamente se transforma em avistamentos que se aproximam da teoria da conspiração.

Logo vinte anos após a batalha, D. Sebastião foi avistado em Veneza. A partir daí, espalharam-se rumores sobre o seu possível regresso a Portugal. Todavia, esse “avistamentos” prolongaram-se para além do razoável e, ao longo dos séculos seguintes, desenvolveu-se um imaginário coletivo português em torno da figura deste rei e do mito do seu regresso ao trono num dia de nevoeiro.

É neste quadro que se insere “Le roi Sébastien de Venise : histoire d’une rumeur” de André Belo, professor na Universidade de Rennes 2 e historiador especialista em história da informação na Idade Moderna.

André Belo explora igualmente vários aspetos da história política e sociocultural, em particular as questões de identidade social, individual e “nacional”. O autor investiga então a dificuldade em assimilar uma derrota traumática por parte da nação portuguesa, fonte de todos os males nacionais, e revisita os factos históricos, desvenda a trama e levanta o véu de mistério desta famosa impostura. Através desta análise, o historiador desenvolve um questionamento paralelo da identidade e propõe uma reflexão sobre a circulação e os usos políticos do boato, mergulhando o leitor nos meandros e estratégias da Europa do século XVI.

“Le roi Sébastien de Venise : histoire d’une rumeur”, é um livro sobre a manipulação da informação e as questões de poder, que serve também para relembrar a importância do rigor histórico e da verificação crítica dos factos.

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LusoJornal