LusoJornal | Dominique Stoenesco

Leonardo Tonus vence prêmio literário e terá sua poesia no metrô de Paris


A RATP de Paris instituiu um concurso literário original, visando não só à divulgação da poesia junto a seus utilizadores, como também ao entretenimento (ou prazer) dos mesmos através da leitura de poemas previamente escolhidos e estampados nas carruagens do metrô e trens.

É assim que os milhões de passageiros do sistema de metrô e trens suburbanos de Paris passaram a ter a companhia do brasileiro Leonardo Tonus, professor de literatura brasileira na Universidade da Sorbonne há mais de 20 anos. Com seu poema “Un geste” (Um gesto) foi o vencedor, em 2024, desse concurso de poesia inédito, promovido pela RATP, empresa de mobilidade urbana da capital francesa.

O concurso foi aberto ao público e teve 11.500 participantes em sua nona edição. Foram selecionados 11 vencedores, anunciados numa cerimônia com a presença da cantora Jeanne Cherhal, presidente do júri.

Em cada uma das categorias – crianças, jovens e adultos – foram concedidos três Grandes Prêmios, além do Prêmio especial do júri e do Grand Prix Voyageurs, conquistado por Leonardo Tonus.

Este último, uma edição especial do Prêmio, foi anunciado neste mês de junho, elegendo o melhor poema entre os laureados dos anos anteriores. Após uma pré-seleção do júri nomeado pela empresa, o poema de Leonardo Tonus foi escolhido pelo voto popular de internautas e usuários da RATP, que o consideraram o melhor entre os concorrentes.

“O que mais me interessava era meu texto estar em um espaço público”, declarou Leonardo Tonus. “O que quer um escritor? Sobretudo, ser lido. Essa é a grande jogada desse prêmio: transformar um espaço muitas vezes desagradável em um espaço de distração, descompressão, fruição”, explicou o escritor. Ele se refere às estações e aos trens do sistema de transporte, onde o poema estará disponível durante o verão, entre os dias 18 e 25 de julho de acordo com reportagem da Rádio France Internationale.

Leonardo Tonus

Leonardo Tonus nasceu em São Paulo, num bairro de classe média, filho de um casal de emigrantes de Portugal e da Itália. Mora na França há mais de 30 anos. Possui Licenciatura de Letras Francesas pela Université de la Sorbonne-Nouvelle (Paris III), Livre Docência em Literatura Brasileira pela Université de Rennes II, Licenciatura em Estudos Germânicos pela Université de la Sorbonne-Nouvelle (Paris III) e Doutorado em Estudos Lusófonos pela Université de la Sorbonne-Nouvelle (Paris III). É Maître de Conférences, habilitado a dirigir pesquisas na Uniniversité Paris-Sorbonne (Paris IV) e atua nas áreas de Literatura Brasileira Contemporânea, Teoria Literária e Literatura Comparada.

Em 2014 recebeu a condecoração “Chevalier des Palmes Academiques” pelo Ministério da Educação Francês e foi nomeado Conseiller Littéraire pelo Conseil National du Livre para o Salão do Livro de 2015, quando recebeu a condecoração de “Chevalier” na ordem das Artes e das Letras pelo Ministério da Cultura Francês.

Printemps Littéraire Brésilien

Leonardo Tonus tornou-se mais conhecido depois da criação, em 2014, do Printemps Littéraire Brésilien, evento que aconteceu todos os ano em Paris, até 2021, e que reuniu dezenas de escritores, romancistas, poetas e autores de livros lusófonos da França, Bélgica, Portugal, Itália e Estados Unidos. A programação incluia debates, leituras, encontros poéticos, oficinas de escrita e lançamentos de livros, nos espaços institucionais, centros culturais e livrarias, assim como em numerosas universidades e liceus. Como diz o professor de língua portuguesa e tradutor Dominique Stoenesco, “o Printemps Littéraire Brésilien inscreve-se numa perspectiva pedagógica e se estende aos campos da promoção e divulgação da cultura e da literatura lusófonas. Trata-se de um encontro anual europeu inicialmente idealizado para promover e ampliar a formação de estudantes em letras inscritos nos cursos de português em instituições europeias. Desde a sua criação em 2014 pelo professor Leonardo Tonus (Université Paris-Sorbonne) o evento se consolidou como um importante espaço de discussão literária, potencializando leituras e enriquecedoras experiências culturais em torno da língua portuguesa”.

Em sua 5ª edição o Printemps contou com o lançamento do livro de poemas de Leonardo Tonus, “Agora vai ser assim”, das Edições Nós, aparecido poucos dias depois do assassinato de Marielle Franco. O livro soou como um “grito de revolta”. “Um grito, segundo Leonardo Tonus, que foi abafado durante longos anos, não somente em relação à situação do Brasil, mas também em relação à situação dos emigrantes e dos refugiados no mundo”.

No dizer de Dominique Stoenesco, “Agora vai ser assim” se apresenta tanto como uma radioscopia do autor por ele mesmo, como um diálogo com a literatura e os escritores que ele aprecia e que de qualquer sorte lhe influenciaram. Se em numerosos poemas ele evoca seu meio familiar, seu bairro ou suas lembranças da infância, em outros poemas ele fala de sua “errance” e se define como um migrante ou um clandestino, ‘se sentindo daqui e de qualquer parte de uma só vez’, titular de uma identidade múltipla e atravessado por várias culturas.

E “Agora vai ser assim” traduz bem sua impossibilidade de se fixar em qualquer lugar do mundo”.

Outro livro importante de Leonardo Tonus foi lançado em 2019, na Librarie Portuguaise et Brésilenne, em Paris. Trata-se de “Inquietações em tempo de insônia”, também editado pela “Nós”, lançado no quadro da 7ª edição do Printemps Litteraire Brésilien. É um livro que parece centrado no desvendamento da situação caótica que o Brasil atravessa, dominado pelo ódio e pelo medo. Por isso se dedica a contemplar as vítimas da barbárie do tempo presente: “escritores vagabundos / negros sujos / mulheres vadias / bichas doentes / tementes de um deus eclipsado”.

Recorramos mais uma vez ao crítico Dominique Stoenesco: “No curso de sua insônia e da queda vertiginosa e dolorosa, seu corpo dilacerado, num suspiro quase hugoliano, é através das palavras e do verbo que o poeta, ainda lúcido, procura fabricar estratégias de resistência: “mais do corpo / do que dos músculos e veias / sou um acúmulo de verbos”. E arremata: “na poesia encontrar a acuidade / para com o mundo” (poema “Consideração”).

Numa alusão a Prometeu, mas resistindo a suas “inquietudes” e seus “medos” face às tragédias do quotidiano, Leonardo Tonus parece querer nos dizer que o destino do poeta consiste em empurrar inexoravelmente seu rochedo para o alto da colina, como sugerem ainda estes versos extraídos do poema “Medo”: “mas se pelo medo podem matar / uma / duas / três rosas, / jamais hão de deter a chegada da primavera”.

Reproduzimos aqui a íntegra de “Um gesto” (Un geste), seu poema vencedor do concurso da RATP, em tradução suposta do próprio autor, já que o original foi escrito em francês.

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Un geste

Devant l’inutilité du geste

Reste l’écriture d’une urgence

D’en faire peu

Mais de toutes nos forces

.

Um gesto

.

Diante da inutilidade do gesto

resta a escrita de uma urgência

De fazermos pouco

Mas com todas as nossas forças.

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Paulo Martins

LusoJornal