Les Amis du Fado: uma escola de Fado em Lyon para franceses e lusodescendentes

Num dos bairros mais antigos de Lyon, no Centro multicultural KoToPo, ouve-se Fado pelo menos uma vez por ano. Foi aqui que, recentemente, se juntaram os alunos da escola de Fado da associação Les Amis du Fado, para um concerto de fim de ano e para confrontar os fadistas amadores com o público.

A associação foi criada há três anos, por Ana Bela, uma artista música que quis desenvolver uma relação forte, através do Fado e por Claire Mota da Cunha Hazard, uma lusodescendente, professora de espanhol.

“O objetivo da nossa associação é de falar, mostrar e promover a cultura portuguesa” explica Claire Hazard, a Presidente da estrutura. Claire, Ana Bela e Romain são os três dirigentes da associação. “Nós temos entre 10 e 15 alunos, alguns são lusodescendentes e outros são franceses, alguns já cantavam um bocadinho e outros nunca tinham cantado, é assim, tudo misturado”.

“Eu sentia a falta de amigos e momentos com quem pudesse cantar fado e praticar o fado, e senti que havia outras pessoas como eu, que também gostam de fado e também procuravam um sítio onde cantar” explica Ana Bela. “Esta foi a maneira que encontrei de me ligar às minhas raízes, ao meu país, ao país dos meus pais”.

“Eu nasci aqui em França, os meus pais não me falaram em português quando eu era criança, e como vê, ainda hoje é difícil para mim falar em português” diz a sorrir.

Ana Bela é profissional da música e desenvolveu uma especialização de música para bebés de 0 a 3 anos. “Acho que é muito importante começar cedo a aprendizagem da música”.

Os pais da artista vieram do Minho. “Os meus pais não ouviam fado em casa. Quando comecei a ouvir fado, já era adulta, não era criança. Descobri um disco de Amália Rodrigues e foi essa música que eu escolhi para estabelecer esta relação com Portugal”.

O programa do ano divide-se em três partes: um momento teórico, onde se explica o Fado, as aulas práticas de Fado e, de vez em quando, um concerto público. “A Ana Bela começa por apresentar um fado, explicar o contexto, a letra, destaca a diferença, por exemplo entre o Fado de Lisboa e o Fado de Coimbra, pode apresentar os artistas, falar, por exemplo de Amália Rodrigues…” explicou Claire ao LusoJornal.

“Eu escolho os fados em função da sua dificuldade, da letra, porque alguns alunos não falam português e se há muitas palavras, vai ser muito mais difícil” acrescenta Ana Bela. “Eu já conheço o Fado, mas não muito. Então acho importante este momento em que se aprende a história do Fado, como se construiu, como se canta…” ilustra Sara, uma das alunas, lusodescendente.

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Alunos lusófonos… ou não

Sara é filha de portugueses, mas nasceu em Paris, sem contacto com o Fado. “Na minha família ninguém canta” confessou ao LusoJornal. Então, aproveitou a mudança para Lyon e um anúncio local para dar o primeiro passo. “É uma forma de me reconectar com as minhas raízes” anuncia.

Com origens em Amarante, assume gostar muito do Fado tradicional e da voz de Amália Rodrigues. “Esta é também uma forma de prestar homenagem aos meus pais, que já voltaram para Portugal, para saberem que eu guardo, aqui, este contacto com as nossas raízes”. Sara ainda está no primeiro ano, mas foi com orgulho que se apresentou diante do público do KoToPo.

Para Filipe, aderir a este projeto foi como uma terapia. “Eu atravessava um momento complicado da minha vida, estava desempregado e à procura de fazer novas coisas. Vi na internet que havia um concerto de Fado aqui no KoToPo, vim ver e ouvi a Ana Bela dizer que procurava novos alunos e eu inscrevi-me” conta ao LusoJornal. “Eu gosto muito dos fados tristes, de Amália Rodrigues e de Herminia Silva”.

Oriundo da região de Santarém, também Filipe não ouvia muito Fado em casa, mas parece apreciar a experiência.

Mas não há só lusodescendentes no grupo, bem pelo contrário. Framboise – é o nome artístico – é lyonesa, já cantava, mas não sabia uma palavra de português quando se inscreveu. “Eu já tive muitas experiências noutros domínios da música, mas sempre gostei de Fado. Quando há dois anos li que havia cursos em Lyon, nem pensei duas vezes” conta ao LusoJornal.

Quando Ana Bela apresenta um novo Fado, Framboise descobre palavra por palavra, primeiro compreende o que o poema diz, antes de começar a cantar. “Mas penso que vou aprender o português” confessou. “O que mais me interessa no Fado é a interpretação” e foi com orgulho, e também algum humor, que interpretou alguns Fados nessa noite no KoToPo.

Clémence também tem uma larga experiência musical, tanto em grupos corais como noutros tipos de música, mas gosta de vozes graves e em particular de Ana Moura, que já viu em concerto. Foi assim que descobriu o Fado. “Cada vez que me lembro que no ano passado eu estava do lado do público e agora estou aqui… depois de um ano de trabalho…” admira-se.

“Eu estava à procura de outra coisa, outro tipo de música para descobrir, mas nunca pensei encontrar aulas de Fado em Lyon” explicou ao LusoJornal. “Aqui estou com gente lusófona, que nos ajuda a perceber as letras e a corrigir a pronuncia. Esta é uma forma de aprender também a língua».

Que ninguém fale a Clémence em cantar Fado em língua francesa. “Cantamos alguns Fados em francês, mas não tem a mesma emoção, não tem a mesma força melódica, prefiro quando é cantado em português” diz.

Framboise nunca visitou Portugal, mas espera um dia lá voltar e Clémence esteve em Lisboa há alguns anos, antes mesmo de começar a cantar Fado. Promete agora lá voltar e percorrer as tabernas fadistas de Lisboa à procura da autenticidade.

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A falta de guitarristas fora de Paris

O grande problema dos Amigos do Fado está nos guitarristas – o eterno problema do Fado fora da região parisiense. “Em Paris tudo é mais fácil, mas aqui é complicado”.

Ana Bela tem um grupo de Fado onde canta acompanhada por Fabian à viola e Jonathan, um guitarrista de Montpellier, mas para as aulas da associação, recorre a Jean-Claude, um outro guitarrista que mora nos Alpes, a cerca de 200 km dali.

Quando a reportagem do LusoJornal passou pelo KoToPo, o guitarrista tinha adoecido, lá estava o fiel Fabian na viola, mas foi Ana Bela quem o substituiu ao… acordeão! “Já tivemos experiências de acompanhamento ao acordeão, ao violino e ao violoncelo, abrimos a outros instrumentos, mas para mim, sem guitarra portuguesa falta qualquer coisa… falta a essência mesmo do fado” confessa Ana Bela.

No quadro do acordo entre Les Amis du Fado e o Centro multicultural KoToPo, a associação pode fazer dois ou três concertos por ano naquele espaço em pleno centro histórico de Lyon. Mas Ana Bela e Claire estão interessadas em estabelecer novas parcerias, com outros espaços, para multiplicarem estas experiências de contacto com o público. “O que eu gostaria mesmo é que daqui a alguns anos houvesse sítios de Fado Vadio aqui em Lyon, para as pessoas que queiram, possam cantar o reportório que aprendem aqui” diz Ana Bela.

As inscrições para a próxima sessão de aulas de Fado já estão abertas. “Temos capacidade para fazermos dois grupos, por isso podemos acolher mais alunos” explica Claire Hazard. “Podemos chegar aos 24 alunos” completa Ana Bela. “Não podemos ir mais longe porque depois necessitámos de tempo para o trabalho individual com cada um deles”.

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Les Amis du Fado

lesamisdufado@gmail.com

06.78.52.27.95

LusoJornal