Lina_ canta Camões no Café de la Danse em Paris


A fadista Lina_ atua no dia 23 de outubro, no Café de la Danse, em Paris, depois de ter editado o álbum “Fado Camões”, inteiramente dedicado à lírica de Luís de Camões, cujo quinto centenário do nascimento se celebra este ano. O álbum já foi apresentado em março Studio L’Ermitage, em Paris, e no Rocher de Palmer, em Bordeaux.

A criadora de “O que Temo e o que Desejo” atuou em vários festivais na Europa, da República Checa à Bulgária, passando pela Alemanha, Santa Cruz de Tenerife, Países baixos, entre outras cidades. Depois do Café de la Danse, tem ainda três datas na Bélgica.

Nestes espetáculos, Lina_, além da voz, assume também os sintetizadores e é ainda acompanhada por Pedro Viana, na guitarra portuguesa, e Ianina Khemelik, no piano, sintetizadores e violino, enquanto os visuais são concebidos pela dupla de artistas plásticos Collective of 2, e o ‘design’ de iluminação é da Tela Negra.

Lina_ já tinha editado como Carolina em 2014 e 2017, antes de se juntar ao produtor catalão Raül Refree – que trabalhou com nomes como Rosalía, Lee Ranaldo e Sílvia Perez Cruz -, para mergulhar no repertório de Amália Rodrigues.

Em 2021, Lina_ e Raül Refere editaram a nível internacional um álbum homónimo, elogiado por vários meios internacionais, como a BBC e as revistas Les Inrocks, francesa, e a publicação ‘online’ norte-americana Pitchfork.

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“Fado Camões” marca a estreia de Lina_ como compositora e é inteiramente dedicado à lírica de Luís de Camões: “Camões é um grande fadista”.

“Emocionou-me imenso ao lê-lo, ao redescobrir esta lírica de Camões e ao aprofundar a sua poesia”, afirmou.

A escolha de Camões foi uma “pura coincidência” com o quinto centenário, como aconteceu com o anterior álbum sobre Amália Rodrigues (1920-1999) que coincidiu com o centenário do nascimento da diva.

“A coincidência com os 500 anos foi um puro acaso mesmo, só me apercebi depois de ter adaptado algumas músicas e ter pegado na lírica e adaptado a fados tradicionais”, disse Lina à Lusa, acrescentando: “Esta ideia de cantar e gravar um disco inteiramente de Camões surgiu depois de ler mais e estudar mais sobre Amália, e compreender esse amor que Amália tinha por Camões. Esta ideia surgiu muito ainda antes dos concertos com o Raul Refreë”.

A compositora e autora Amélia Muge, com quem Lina colabora neste disco, é que a chamou à atenção para a coincidência com a celebração dos 500 anos de Camões.

Amélia Muge adaptou “O que Temo e o que Desejo”, que Lina gravou no Fado Triplicado, de José Marques, e “Que Ninguém Me Veja Ver-vos”, interpretado na melodia do Fado Perseguição, de Carlos da Maia, e “Pois Meus Olhos Não Cansam de Chorar”, gravado no Fado Esmeraldinha, de Júlio Proença, tendo ainda musicado “Senhora Minha”.

Lina estreia-se como compositora de fado neste álbum, tendo musicado “Lina Vaz de Camões”, que também adaptou, e “Se de Saudade Morrerei ou Não”.

“Tive a coragem, a ousadia de musicar pela primeira vez um fado, e o Camões foi um desafio e uma grande responsabilidade”.

“Se de Saudade Morrerei ou Não” foi escolhido por ser “um poema lindíssimo, e o tema ser a saudade”, e “Lina Vaz de Camões”, como o intitulou, é um poema escrito em prosa, que não tem estrutura para fado tradicional, mas cada vez que folheava o livro, cruzava-me sempre com este poema. Ele é tão bonito que gostava de o incluir neste trabalho, e por que não ser eu a musicá-lo? E acho que a música veste na perfeição o poema”.

Para este disco, a fadista consultou uma edição da Lírica de Camões da investigadora Maria Vitalina Leal de Matos, ex-professora de Literatura na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

O alinhamento do álbum inclui ainda “Desamor”, na música do Fado Menor do Porto, de José Francisco Cavalheiro Jr., “Quando vos veria? (Saudade Minha)”, no Fado Alexandrino, de Alfredo Marceneiro, “In Labirinto”, interpretado no Fado Bailado, também de Marceneiro, “Desencontro”, no Fado Corrido (popular), “Amor é um fogo que arde sem se ver”, no Fado Versículo, também de Marceneiro, e a canção “Olhos verdes”, numa melodia popular, com adaptação de Lina.

Da escolha feita, a fadista reconheceu que ressoa uma “forte atualidade”, um cuidado seu, “pois em muitos poemas de Camões era difícil serem musicados, havia uma palavra ou outra que não ficava tão bem”, tendo, porém, optado por uma escolha “dentro dos principais temas camonianos, a saudade, a dor do afastamento, o amor não correspondido, a interrogação do mundo, que são temas bastante atuais”.

“Eu acho que quem ouvir estes fados e não souber que são de Camões, à primeira audição, não é algo tão intuitivo assim”, argumentou, considerando que tal “é positivo”, até porque “Camões tem uma renovação a partir das palavras, foi um modernista nas estruturas poéticas que introduziu”.

“Amália também encontrou isso nos sonetos, e, para mim, o facto de me emocionar, torna a poesia perfeitamente atual”, acrescentou.

Os temas camonianos são temas fadistas, realçou Lina, reconhecendo que “há palavras mais cantáveis que outras, sendo algo que se sente automaticamente”.

Lina afirmou que não são os instrumentos que definem o fado.

“Posso cantar um fado sem guitarra portuguesa”, disse, referindo-se ao mais icónico cordofone do fado.

“O fado está primeiramente na palavra, e os instrumentos são o adorno, estão ali para criar o ambiente e enaltecer a poesia, e é importante que a pessoa que canta, sinta aquilo que está a cantar, para poder passar essa mensagem. Apenas somos um fio condutor que tem o intuito de chegar ao outro”, afirmou à Lusa.

“Se não me tivesse emocionado com o Camões, não o teria cantado”, declarou, citando em seguida Camões que escreveu “Segundo o amor que tiverdes, tereis o entendimento dos meus versos”.

A fadista realçou o seu cuidado na escolha das melodias tradicionais que mais se coadunavam ao tema do poema, optando entre melodias em tom maior ou menor”.

Neste álbum, a guitarra portuguesa não está presente em todos os temas, sendo a fadista acompanhada pelos músicos John Baggott (piano, moog bass, sintetizadores, ‘Fender Rhodes’, ‘drum programming’ e órgão), Justin Adams (guitarra elétrica, percussão, ‘frame drums’), Ianina Khmelik (violino), ao quais se juntam os “subtis toque da guitarra portuguesa” de Pedro Viana.

“Eu quis trazer um bocadinho da dinâmica e das sonoridades do disco que fiz anteriormente com o Raul [Refreë], não queria perder essa linguagem porque acabo por me sentir mais livre, em vez do ritmo certo do fado tradicional, da guitarra portuguesa e da viola; quis continuar esta dinâmica e esta linguagem que possibilitam ser mais livre quando canto”.

“Fado Camões” é o segundo álbum da fadista em nome próprio.

LusoJornal