Livro sobre a Comuna libertária da Luz (Alentejo) foi editado em França

O jornalista belga Jean Lemaître acaba de editar, nas Editions Otium, de Ivry-sur-Seine (94), o livro “La Commune des lumières, une utopie libertaire” sobre a experiência vanguardista de uma comuna anarquista no Alentejo.

Este livro conta um episódio da história alentejana, que teve lugar no início do século passado, entre 1916 e 1918, no Baixo Alentejo, no concelho de Odemira, onde foi criada uma comuna libertária. “Foi a primeira comuna anarquista deste tipo criada em Portugal e provavelmente até uma comuna pioneira a nível europeu” contou Jean Lemaître numa entrevista ao LusoJornal.

“Nessa altura, no início do século passado, o Alentejo estava cheio de miséria, sobretudo durante a primeira Guerra Mundial 14-18, o povo trabalhador do Alentejo tinha fome, morria de fome. A ideia da Comuna da Luz – o nome, ‘da luz’, já é uma linda imagem – era de juntar cerca de 15 sapateiros, com as respetivas famílias, numa herdade de 4 quilómetros quadrados, perto da aldeia do Vale de Santiago, e criar uma cooperativa de forma a vender os sapatos mais baratos. Foi uma surpresa para mim saber que nessa altura, os trabalhadores rurais andavam sem sapatos, não tinham dinheiro para comprar sapatos” explica Jean Lemaître.

Jean Lemaître é casado com uma alentejana de Aljustrel. Gosta imenso de Portugal e sobretudo do Baixo Alentejo. “Gosto de falar com os outros, costumo ir às tabernas, gosto de falar com os velhotes, bebendo um bom vinho branco fresquinho e ouvir contar histórias” diz o jornalista agora aposentado.

 

António Gonçalves Correia

Foi assim que ouviu contar histórias de um homem com cabelo comprido e barba grande, que toda a gente conhecia. “No tempo do fascismo, ele tinha o hábito de comprar gaiolas com passarinhos na feira, e depois libertava os passarinhos e gritava: ‘Viva a liberdade’, ‘Viva a liberdade’. Toda a gente sorria, claro, porque dizer ‘Viva a liberdade’, naquele tempo, era uma maneira de dizer Não ao fascismo, Não ao Salazar”.

Esta história interessou Jean Lemaître. E este homem era precisamente o fundador da Comuna da Luz. Chamava-se António Gonçalves Correia. “Era uma pessoa extraordinária”.

“O que era lindo, na minha perspetiva, é a maneira de trabalharem juntos, o dinheiro era partilhado por todos, em montantes iguais, não havia patrões, não havia mestres, era verdadeiramente uma experiência coletiva” conta o autor.

António Gonçalves era comerciante, andava de aldeia em aldeia a vender coisas, era autodidata, mas tinha uma cultura profunda, escrevia muito bem, falava muito bem, e lia muitos livros sobre anarquismo. “António Gonçalves era um homem de cultura internacional muito grande. Naquela altura não havia rádio, não havia televisão, não havia filmes, não havia internet nem redes sociais, no entanto, as pessoas, de um lado e de outro da Europa, correspondiam-se com cartas, simplesmente. E António Gonçalves inspirou-se de um exemplo de uma comuna libertária em França, a norte de Paris”.

 

Comuna da Luz

Jean Lemaître apaixonou-se por esta história, pesquisou, visitou o sítio onde estava situada a Comuna da Luz, uma herdade fora da aldeia de Vale de Santiago. “Eram terras sem nada, só um poço, a primeira tarefa dos membros da Comuna foi de cultivar a terra para terem alimentos para comer”.

O autor destaca o “envolvimento social da Comuna e a sua relação com os trabalhadores rurais do Vale de Santiago. “Os trabalhadores iam dar uma ajuda nos trabalhos agrícolas da Comuna, e em troca, quando havia excedentes de legumes e de batatas, os membros da Comuna davam esse excedente às pessoas da aldeia” contou ao LusoJornal.

Era uma Comuna inovadora e ecologista, que dava muita importância à educação popular. “Para libertar as pessoas, mudar a sociedade, precisamos de jovens, de adultos, com capacidade de pensar livremente” diz Jean Lemaître. Na Comuna da Luz havia uma escola “inspirada na pedagogia de Francisco Ferrer em Espanha. Uma escola para os filhos dos sapateiros, que não tinham a possibilidade de ir à escola e dentro da herdade havia uma espécie de barraca, com bancos, cadeiras, para desenvolver uma pedagogia emancipadora, uma pedagogia ativa, como se diria hoje”.

 

Um fim inesperado

A Comuna durou cerca de dois anos. Terminou em novembro de 1918, mas o autor do livro garante que “não foi por ter falhado a nível social ou económico”.

No dia 18 de novembro de 1918 “houve em Portugal uma greve geral para fazer baixar os preços dos produtos de primeira necessidade, mas na verdade a greve geral falhou. Só no Alentejo teve um sucesso e durante quatro dias os trabalhadores rurais do Vale de Santiago, com os amigos da Comuna da Luz, não tinham notícias da greve, e decidiram continuar a greve” conta Jean Lemaître.

“Como havia falta de farinha, eles foram roubar sacos de farinha a um celeiro de um grande latifundiário para partilhar com a população que tinha fome. Quatro dias depois, a GNR chegou por causa do roubo da farinha, 30 trabalhadores rurais foram presos e foram deportados para Angola durante meses e meses de trabalhos forçados, aliás, um deles morreu”. António Gonçalves Correia também foi preso durante alguns meses, em Lisboa, “sem qualquer julgamento”. E a Comuna foi destruída pela GNR. Os membros foram obrigados a dispersar.

Alguns anos depois António Gonçalves Correia criou, com mais dois companheiros, uma nova Comuna, perto de Sintra, que se chamava Clarão, “mas esta Comuna não durou muito tempo”.

Um século depois, Jean Lemaître continua maravilhado com a experiência da Comuna da Luz. “Há ingredientes na Comuna da Luz que têm uma pertinência, uma atualidade, muito forte. Como ligar economia social, respeito pela natureza, igualdade entre mulheres e homens – porque era também um objetivo da Comuna da Luz – pedagogia e ensino alternativos, emancipadores, porque necessitamos de cidadãos ativos, com uma cultura ampla… e tudo isto era reproduzido num pequeno território com cerca de 4 quilómetros quadrados no fundo do Alentejo”.

Para Jean Lemaître “temos de tomar lições muito positivas desta experiência, não é só contar a história pela história, é uma história para compreender o presente e, compreendendo-o bem, tentar mudar o futuro”.

Jean Lemaître já publicou vários outros livros, um deles sobre o 25 de Abril e outro sobre Cristóvão Colombo, defendendo a tese que o Grande Navegador era de origem portuguesa e nascido na localidade de Cuba, no Alentejo!

 

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LusoJornal