Manuela Gonçalves: Trabalhadores sazonais de Lourdes querem “ano branco” como na cultura

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A situação difícil dos trabalhadores sazonais em Lourdes, que chegam ao fim dos seus direitos, é assunto de preocupação não apenas para a autarquia local, como, agora, também para o Governo português. A Vice-Presidente da Associação dos Trabalhadores Sazonais de Lourdes, Manuela Gonçalves, explica ao LusoJornal que a prioridade é levar este assunto à Ministra francesa do trabalho e da inserção, Elisabeth Borne.

O Maire da cidade recebeu, em agosto de 2020, uma delegação dos trabalhadores sazonais, entre os quais há muitos portugueses, no seguimento de uma tentativa de manifestação que não foi autorizada por razões de pandemia de Covid-19.

“Logo a seguir ao primeiro confinamento, as pessoas começaram a falar através das redes sociais, a perguntar o que íamos fazer porque os direitos estavam a acabar para uns e outros não os queriam perder” explica Manuela Gonçalves numa entrevista ao LusoJornal. “O Maire de Lourdes, no dia 13 de agosto, disponibilizou-se para receber 10 pessoas e uma das quais era eu. Nenhum de nós se conhecia antes, porque aqui em Lourdes há cerca de 2.600 trabalhadores sazonais, de várias nacionalidades”.

O Maire disponibilizou uma sala para se reunirem, mas não pode ajudar mais. “Ele preocupa-se com a nossa situação, mas ele não pode fazer nada, nem promessas pode fazer porque não é ele que decide. Disse que iria fazer tudo o que estivesse ao seu alcance, mas também não nos podia dizer mais do que isto” diz a Vice-Presidente da Associação.

No início era um grupo informal, depois um coletivo e acabou por se oficializar em associação porque a situação tornou-se mais complicada ainda do que se supunha. “Percebemos que havia pessoas em grandes dificuldades, ou porque têm créditos de casa para pagar ou porque os direitos estão quase a terminar e chegaram pessoas em grandes dificuldades. Apercebemos que tínhamos que fazer um bocadinho mais além do que discutir a nossa situação, tínhamos que chegar aos ouvidos do Estado” assegura Manuela Gonçalves.

 

Lourdes é um caso particular

Depois do Vaticano, da Basílica de Nossa Senhora da Guadalupe no México e da Basílica de Nossa Senhora da Aparecida no Brasil, Lourdes é o quarto santuário católico com mais visitantes. A cidade tem cerca de 14.000 habitantes, mas acolhe mais de 6 milhões de peregrinos por ano. Para isso, tem cerca de 150 hotéis e umas 140 lojas de objetos religiosos e recordações.

“Lourdes vive essencialmente do turismo. Claro que temos muitos peregrinos franceses, mas a maior parte vem do estrangeiro. A maior percentagem são italianos, portugueses, espanhóis, ingleses… nós chamamos-lhe a Fátima de França” diz Manuela Gonçalves.

É essencialmente um turismo de grupo. “Chegam excursões com 100, 150, 200 pessoas, de autocarros, de avião,… temos uma grande percentagem de deficientes e depois temos os que nós chamamos de “hospitaleiros”, que são voluntários que vêm ajudar essas pessoas a irem à missa e à procissão. São voluntários que vêm todos os anos, tiram férias para poderem vir para Lourdes ajudar”.

Mas a particularidade de Lourdes é que é uma peregrinação sazonal. Há alguns meses no ano em que está tudo fechado. “Geralmente, na segunda semana de fevereiro, é a grande peregrinação. Durante uma semana trabalha-se, depois volta a fechar tudo e arrancamos com a força toda a partir de abril até novembro” explica.

Trata-se, por isso, de um trabalho sazonal, com contratos de 6 a 7 meses. Nos meses em que está tudo fechado, não há possibilidade de emprego na região. No fim de cada sessão, os patrões dos hotéis dizem aos trabalhadores se os aceitam na sessão seguinte. “É uma promessa oral, não tem mais valor do que isso” diz a Vice-Presidente da associação.

O trabalho sazonal é uma particularidade na agricultura e no turismo. Os empregadores podem fazer vários contratos sazonais com o mesmo trabalhador, de um ano para o outro. Mas Lourdes tem uma outra particularidade: a sessão é longa e dura cerca de 7 a 8 meses. “Isto quer dizer que não podemos ir fazer outro trabalho sazonal, por exemplo na neve ou no verão” explica Manuela Gonçalves ao LusoJornal.

 

Fundo de desemprego não dura sempre

A Associação dos Trabalhadores Sazonais estima que trabalhem em Lourdes mais de 650 Portugueses. Uma parte regressa a Portugal quando tudo está parado, mas a maior parte fica em Lourdes. “Porque moramos aqui, temos aqui as casas, os nossos filhos vão às escolas”.

O fundo de desemprego tem permitido manter um salário entre duas missões. “Temos que referir que os nossos contratos são de 42 horas. Nós trabalhamos mais do que as 35 horas oficiais e temos um dia ou um dia e meio de folga por semana” diz Manuela Gonçalves. “O que quer dizer que, fazendo os cálculos, durante uma sessão nós trabalhamos o equivalente de quase um ano”. Por isso, ganham mais durante o tempo de trabalho, porque trabalham mais horas, só que depois não trabalham o ano inteiro.

Esta situação dura assim há muitos anos e interessava todas as partes. Manuela Gonçalves chegou há apenas dois anos, mas há Portugueses que vivem e trabalham em Lourdes há 10 e 20 anos.

A pandemia veio perturbar esta situação. Chegou antes mesmo de começar a temporada de 2020, pelo que os contratos não tinham sido feitos. Ainda houve três dezenas de hotéis que abriram, mas praticamente sem turistas, acabaram por encerrar também.

Quando os direitos do desemprego acabam, ainda há a possibilidade de receber o RSA. “O problema é que tanto nós como os italianos e os espanhóis, não temos direito ao RSA por tempo indeterminado, como se fossemos franceses” e esta situação preocupa os Trabalhadores Sazonais porque podem ficar sem qualquer tipo de apoio.

Todas as semanas, os dirigentes da associação – que é presidida por uma francesa – vão dar a volta pelo mercado de Lourdes e os comerciantes dão-lhe as sobras que não foram vendidas. Esta ajuda é fundamental para as pessoas que mais necessitam.

 

Importante é chegar ao Governo francês

Manuela Gonçalves decidiu informar a comunicação social portuguesa. O canal de televisão SIC fez uma reportagem, depois a Conselheira das Comunidades, Carolina Amado, deslocou-se a Lourdes para se inteirar da situação e pediu a intervenção do Governo. Também o Deputado Carlos Gonçalves (PSD), eleito pelo círculo eleitoral da Europa, interrogou o Ministro dos Negócios Estrangeiros sobre esta matéria.

A Secretária de Estado das Comunidades, Berta Nunes, diz que está a acompanhar a situação através do Vice-Consulado de Portugal em Toulouse e uma delegação do Posto, chefiada por Miguel Costa, desloca-se esta quarta-feira a Lourdes.

“Durante esta última semana tenho falado várias vezes por dia com o Vice-Cônsul de Portugal, que me deu o número de telefone e disse-me que está à disposição 24 horas por dia e pediu-me para eu lhe ligar se houver alguma coisa que ele possa fazer” confirmou Manuela Gonçalves.

A Delegação do Consulado vai fazer documentos a quem necessite. “Se nós formos no comboio daqui até Toulouse, custa-nos perto de 100 euros. Eu gastava isso num jantar há 2 anos atrás, atualmente 100 euros é uma fortuna para mim, temos que ser realistas” diz Manuela Gonçalves.

Mas acrescenta: “ao contrário do que se possa pensar, o maior desejo de todos nós é voltarmos a trabalhar. Nós não queremos ajudas de ninguém, nós queremos o nosso posto de trabalho, esse é o maior desejo de todos nós” e a associação pede um “ano branco” tal como deu para os intermitentes do espetáculo.

Se o Governo português ajudasse a levar este assunto até ao Governo francês seria “o ideal”. Porque há muitos trabalhadores sazonais portugueses em Lourdes e porque Lourdes tem uma particularidade que não se encontra noutros casos. E também porque há, de certa forma, uma discriminação no tratamento. “São direitos que nós não temos iguais aos franceses” afirma Manuela Gonçalves. “Portugal é o meu país, mas os meus impostos eu pago-os em França, é aqui que está a minha casa, a minha residência, é aqui que existem famílias completas com filhos que nasceram e cresceram aqui, mas estamos penalizados por não termos a dupla nacionalidade. Uma grande maioria nunca tratou disso, porque não era necessário. Ninguém pediu a dupla nacionalidade, mas neste momento fazia-nos falta a todos. Porque se tivéssemos a dupla nacionalidade, tínhamos os mesmos direitos que têm os franceses”.

 

Ver a entrevista completa AQUI.

 

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LusoJornal