“Maria retouches”: história de uma vida, sua instalação, o Covid-19 e as máscaras

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A pandemia de Covid-19 tudo tem perturbado, com consequências sobre todos nós, jovens e menos jovens, a nível pessoal e profissional.

LusoJornal quis saber das repercussões numa profissão pouco falada e que tem em França um certo número de compatriotas que a exercem, como empregadas ou patroas: tratasse da profissão de costureiras.

Questionámos Maria da Conceição Silva Costa, originária de São Martinho do Campo (Santo Tirso), a residir em França desde julho de 2013.

 

Qual a razão da sua vinda, finalmente ainda não há muito tempo, para França?

O motivo da minha vinda para França foi por razões familiares e sentimentais. Conheci o meu marido nas férias, no Algarve, onde eu vivia e ganhava a minha vida, ele vivendo em França desde a idade dos 13 anos. Depois de algum tempo, cansados de fazer viagens para um lado e para o outro, decidimos então que eu fizesse as malas, vindo juntar-me a ele aqui em Lesquin, no Norte de França, em julho de 2013.

 

Que profissão ou profissões exerceu em Portugal?

A minha primeira profissão, comecei-a aos 14 anos, na indústria têxtil, numa fábrica de confeção situada onde nasci, em São Martinho do Campo. Aí trabalhei durante 22 anos, entre 1976 e 1998. Em 1998 decidi mudar de profissão. Recebi uma proposta de trabalho como costureira para fazer modelos da Reebok, da Nike, e da Kookai. Aí trabalhei durante 4 anos. Em 2002 mudei de região, fui viver para o Algarve onde consegui arranjar trabalho de imediato no Hotel Duna Mar, em Monte Gordo. Aí fui chefe de Lavandaria e geri uma equipa composta de 10 empregadas naquele setor. Também tinha o cargo de responsável de todo o fardamento do pessoal do Hotel, que representava 50 empregados. Desempenhava o cargo de costureira quando era preciso ajustar as fardas do pessoal, as quais eram confecionadas fora. O meu trabalho era de ajustar e tirar as medidas em cada farda dos empregados, para além do pessoal estar constantemente a mudar. As toalhas e guardanapos do restaurante do Hotel eram todas confecionadas por mim. Também tinha de confecionar as blusas das rececionistas, assim como as batas, aventais, calças das empregadas de quartos, da lavandaria e da limpeza.

 

Lançou-se aqui em França com um “atelier de retouches”. De onde veio a ideia?

Depois da minha chegada a França, claro que não ia ficar em casa, foi então que andando à procura de trabalho, apareceu a ocasião de arranjar emprego num armazém de alimentação portuguesa que tinha acabado de abrir aqui no Norte de França, mais exatamente em Hellemmes-Lille. Precisavam de uma cozinheira. A primeira pergunta que me colocaram foi se eu sabia cozinhar. A minha resposta foi: sim, sei cozinhar em casa, mas nunca trabalhei numa cozinha de restaurante. A resposta do patrão foi imediata: se sabe cozinhar em casa especialidades portuguesas podia também cozinhar para o supermercado dele. Assim comecei a fazer a ementa que me tinha confiado. O gerente deixou-me à vontade, confecionei alguns pratos, o patrão verificou, provou e olhou para mim com um sorriso e disse: se trabalhou ou não num restaurante não sei, mas sei que pelo que provei e pelo que vejo não vale a pena fazer mais provas, fica com o lugar e com a responsabilidade da cozinha e do serviço “traiteur”. Tratava-se do armazém “O Nosso”. Trabalhei nesta casa até ao fim do meu contrato de 18 meses. Ao fim do contrato, ficando sem emprego, foi então que com o meu marido decidimos instalar-me por conta própria naquilo que sempre fiz e que sempre sonhei fazer, o trabalho de costureira. Também não podemos esquecer que depois dos 50 anos de idade, é muito difícil encontrar trabalho, muitas empresas pensam que já somos velhos demais para dar lucro à empresa, o que nunca foi provado, por vezes a experiência dá lucro e faz falta para formar os mais jovens. Tenho de dizer que não tive medo de me lançar, a vontade de continuar a ganhar a vida foi mais forte que o medo de afrontar um novo objetivo. Hoje mesmo ainda tendo dificuldades no domínio da língua, contudo percebo a clientela e a clientela percebe-me. No princípio foi um quebra cabeças porque foi preciso material e espaço para poder instalar um mínimo de material necessário, as máquinas de costura industriais ocupam muito lugar. Para me poder instalar por conta própria fui obrigada a inscrever-me na CMA (Chambre de Metiers et de l’Artisanat) des Hauts-de-France e seguir uma formação. Não foi muito fácil, contudo tenho de dizer que tive a sorte de encontrar um formador e colegas de formação que foram compreensíveis e que me ajudaram a conseguir o meu objetivo, criando o “Maria retouches” em Lesquin.

 

Antigamente toda gente sabia dar uns remendos, encurtar calças, etc. Será que as pessoas esqueceram-se de saber fazer isso, que não têm tempo ou que o trabalho manual está a desaparecer?

Sim, antigamente eram outros tempos, tudo se aproveitava, mal ou bem toda a gente dava o seu toque de costura. Hoje em dia as pessoas não têm tempo ou paciência para aprender e fazer este tipo de trabalho, para além disso há igualmente os preços das roupas, por vezes, são tão baixos que não compensa remendar, fica mais barato deitar fora, dizem alguns. Certos clientes compram roupas baratas cujo tamanho não corresponde ao tamanho da pessoa, nesse caso acontece que vêm ter comigo para eu pôr à medida. Para uma certa categoria de clientes, que compram roupas de marca e de preços mais elevados, compensa virem à costureira.

 

Em que locais exerce a sua atividade?

Para já exerço em minha casa. A minha ambição é de poder desenvolver-me e até poder vir a criar empregos, mas pelo momento não é possível. Vontade e coragem não me faltam.

 

Como atravessou o primeiro confinamento na sua atividade?

Como para outras profissões, não podia receber os clientes, foi uma reviravolta, desapareceram as “retouches” e apareceu a necessidade das máscaras. Fui solicitada para confecionar máscaras para clientes que já me conheciam, depois o boca a orelha, os pedidos de máscaras foram aumentando. Graças a Deus trabalhei sempre sem parar durante esse período. Com a fabricação de máscaras foi também para mim uma maneira de ser abordada por novos clientes, clientes que hoje vêm ter comigo com pedidos de “retouches” ou de novas máscaras. Fui igualmente solicitada para confecionar máscaras para o pessoal hospitalar onde o meu marido trabalha e como são pessoas que estavam no meio de infetados pelo Covid-19 confecionei a pedido dos interessados muitas máscaras. Perguntaram-me qual era o preço por máscara, sem excitação respondi que tinham somente que fornecer o tecido necessários e o fio, a minha mão de obra ofereci-a. É bom sabermos que podemos fazer algo pelos outros. Fui ainda solicitada pela Mairie da cidade onde vivo, Lesquin, para confecionar máscaras que a Mairie distribuiu gratuitamente mais tarde pelos habitantes da cidade. Fiz isto voluntariamente e sem nenhum pagamento, foi a minha contribuição em ajudar a tentar lutar contra esta pandemia.

 

Como se passa no segundo confinamento, sente uma diferença no seu trabalho em relação à primeira vaga? Quais as repercussões na sua atividade? Está atualmente a exercer?

Com a segunda vaga, sim, senti a diferença, porque infelizmente o vírus também entrou em casa sem ser convidado, estive em confinamento total, infetada com a Covid-19. Deixei de receber os clientes e de poder continuar a minha atividade, o que me fez perder o pouco de salário que conseguia ter até ali. Hoje, graças a Deus, já voltei a abrir as portas aos clientes e vou trabalhando respondendo aos pedidos de costura e à confeção de máscaras.

 

Se lhe pedir para me fazer um fato, uma saia, etc. Pode fazer? E para cerimónias, batismo por exemplo, também pode fazer?

Sim, já fiz ocasionalmente saias, vestidos, fatos não, não é que não saiba fazer, mas o fato de trabalhar sozinha não me permite de o confecionar. Um fato ou um vestido, são artigos que levam tempo a fazer. Tenho de respeitar o prazo para entregar os trabalhos que me confiam e o tempo que é necessário para fazer um fato por exemplo não tem nada a ver com o que é preciso para fazer umas bainhas de calças ou até meter um fecho. Se a atividade permitir poderei vir a empregar uma colaboradora para poder responder a esses pedidos, só o futuro o poderá dizer.

 

Maria Retouches

30 rue de la Petite Chapelle

59810 Lesquin

 

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LusoJornal