Michel Vieira é o maior empresário português em França

Praticamente não é conhecido, nem frequenta os salões parisienses, mas Michel Vieira é certamente o maior empresário português em França. É o CEO do Grupo MDA, com sede em Lozanne, a poucos quilómetros de Lyon, e fatura atualmente cerca de 700 milhões de euros por ano.

Se a compra que tem em curso de uma nova empresa for concluída com sucesso – e não há razões para que não o seja – Michel Vieira vai atingir os mil milhões de euros de volume de negócios em 2025 e entrará, assim, para o círculo reduzido das 300 maiores empresas francesas.

Com 55 anos de idade, o percurso de Michel Vieira é impressionante. Passar de simples eletricista a um dos maiores empresários do país, é obra, e assume que “um português sabe sempre adaptar-se à situação e não está sempre a chorar, é forte e dinâmico”.

Michel Vieira é homem simples, recebeu-nos na sede da empresa, um edifício “estranho” que é, ao mesmo tempo, escritórios e hotel. Nota-se que dá um valor importante à família e interrompeu a entrevista, propositadamente, para ir a casa buscar a mãe. “Ela também pode ser entrevistada” lançou.

Pais vieram de férias e… ficaram

Os pais de Michel Vieira são do Porto, viviam na rua do Amial e chegaram a França no dia 19 de dezembro de 1967. Já tinham carro próprio e vieram de férias para passar o Natal e as festas de Fim de Ano com uns primos de Paris, trouxeram a filha Celeste, com 6 anos e o filho Carlos, com apenas 2 anos de idade. Michel é o único dos três irmãos que já nasceu em França.

“Vim visitar uma prima, mas ela ficou tão emocionada com a nossa surpresa, porque não tínhamos dito nada a ninguém, que lhe deu um ataque e teve de ser hospitalizada” conta ao LusoJornal Fernanda Vieira, a mãe do empresário.

Já que não passavam as festas em família, depois de visitarem Paris, foram para Givors, perto de Lyon, onde estavam outros primos. “O nosso primo perguntou ao meu marido se queria trabalhar para ganhar dinheiro para as férias e ele aceitou”. O pai de Michel Vieira era bate-chapas e começou a trabalhar no dia 26 de dezembro. Uma semana depois, quando se despediu da oficina para regressar ao Porto, “porque a nossa filha já andava na escola”, o patrão já não o deixou sair. Prometeu-lhe um bom salário – “mas afinal nem era um salário lá muito bom, eram 5 francos à hora, mais 50 cêntimos não declarados” ri Fernanda Vieira – e o casal ficou!

Uma vida dedicada à MDA

Michel Vieira começou por tirar um curso de eletricista e começou a trabalhar nas obras. “Mas não me convinha, eu tinha frio, era duro, não era coisa para mim” confessou numa entrevista exclusiva ao LusoJornal. Fez então um ano de aprendizagem na reparação de eletrodomésticos, sobretudo máquinas de lavar e frigoríficos. Teve uma boa nota e teve também várias propostas de trabalho.

Mas Michel Vieira tinha outra prioridade. “Estávamos no verão e eu não queria começar a trabalhar logo, porque tinha de ir de férias a Portugal”. E foi.

Quando regressou, integrou uma empresa que fazia, em subcontratação, o serviço pós-venda e as reparações dos eletrodomésticos da empresa MDA. “A MDA já vendia eletrodomésticos, mas não tinha técnicos na firma, dava esse trabalho em subcontratação. Mas o patrão da MDA gostou do meu trabalho e convidou-me para a empresa”.

Desde então, não teve mais nenhum patrão. Começou como técnico, passou a responsável técnico, depois a comercial, foi promovido a Diretor comercial e finalmente a Diretor Geral da empresa. Quando o patrão quis vender a MDA, foi muito naturalmente que Michel Vieira retomou o projeto, com mais dois associados, familiares do anterior patrão.

“Devíamos pagar a empresa em 7 anos, mas acabámos por pagar em três anos. Foi um negócio espetacular, as equipas estavam connosco e os clientes também”. Em 2007 o grupo pensou comprar uma outra empresa e “em três anos, passámos de 20 milhões para 140 milhões de euros de volume de negócios”.

Michel Vieira conhece o mercado da venda de eletrodomésticos como as suas próprias mãos e surgiu-lhe a possibilidade de comprar uma outra empresa que faturava 500 milhões de euros por ano. “Nunca um autodidata em França, francês ou português, comprou uma empresa assim tão grande” garante o empresário numa entrevista em língua portuguesa. “Foram necessários dois anos de negócio com o vendedor. Era ainda mais complicado porque ele tinha 57 sócios, mas conseguimos”.

Michel Vieira recorda dois momentos “memoráveis” deste negócio. O primeiro foi quando assumiu a compra. “Lembro-me que foi num dia 15 de agosto, eram os anos dos meus pais. Assumi a compra, mas ainda não tinha o financiamento da banca. Ser empreendedor consiste em tomar riscos. Mas este foi um risco muito grande e perigoso. No entanto, em três meses encontramos o dinheiro. Fizemos um negócio extraordinário” conta ao LusoJornal. O segundo momento foi o da assinatura final da compra, feita “com pompa e circunstância” no estádio do Olympique Lyonnais, com centenas de convidados.

Mais de 900 lojas em França

O Grupo MDA detém atualmente cerca de 30 marcas diferentes. “Hoje temos 1.200 colaboradores e somos a empresa na Europa com mais lojas. As diferentes marcas do grupo têm mais de 900 lojas em França, temos a maior central de compras do país, trabalhamos com todas as grandes marcas e também podemos comprar produtos na Ásia, na Polónia e temos produtos também da nossa própria marca” explica Michel Vieira ao LusoJornal “Diretamente e indiretamente fazemos trabalhar cerca de 10.000 pessoas”.

Explica que, com 200 lojas, a MDA “é número 1 em França no ‘discount’ de eletrodomésticos de grande marca. Somos os mais baratos”. Mas evoca também a Pulsar, uma marca com 400 lojas em França, “são verdadeiros técnicos que reparam eletrodomésticos, mas também vendem, quando não podem reparar”. A Fox é uma rede de lojas de fotografia, “para pessoas apaixonadas pela fotografia”. Trata-se da maior marca na Europa, com cerca de 120 lojas em França.

A GPDis e é maior central de compras em França, com 8 entrepostos no país e só esta empresa emprega cerca de 400 pessoas. A lista é grande, mas está clara num painel à entrada da sede da empresa.

Precisamente, a sede do grupo, em Lozanne, está num hotel que Michel Vieira construiu. “O hotel é importante, porque recebemos muitos clientes, recebemos pessoas que vêm cá para se formarem, e temos de receber as pessoas em boas condições. Nós somos mesmo como uma casa portuguesa, os nossos colaboradores fazem parte da casa” diz a sorrir.

O filho jogou na Seleção

Michel Vieira nasceu em França, mas sempre guardou a dupla nacionalidade e confessa-se “orgulhoso” por ser português. “Os Portugueses em França são muito respeitados, somos sérios, trabalhamos muito, as pessoas têm confiança em nós. Na verdade, os banqueiros fizeram-me confiança por eu ser sério, por ser trabalhador, por ser português. Os meus colaboradores também gostam dos Portugueses, porque os Portugueses são pessoas boas”.

Diz gostar de boa comida, de bom vinho, mas também de cinema e de desporto. Patrocinou durante algumas épocas a equipa principal do Olympique Lyonnais e o amplo escritório na empresa está cheio de camisolas do OL.

O filho mais velho de Michel Vieira também gosta de futebol e chegou a jogar na Seleção de Portugal. “Eu comecei a jogar em Saint Etienne e depois em Lyon. Em Lyon há uma grande comunidade de jogadores lusófonos”, mas jogou também em Genebra. “Eu sempre joguei com o passaporte português nas competições, toda a gente sabia que eu era português”. Um dia colocou-se a pergunta se preferia jogar por Portugal ou pela França. “Eu respondi por Portugal e um dia, tive mesmo uma chamada de alguém que me perguntou se eu estava interessado em jogar na Seleção. Eu não hesitei um só segundo e respondi logo que sim”. Foi evidentemente, o orgulho de toda a família. “Foi um orgulho enorme para todos” garante Quentin Vieira ao LusoJornal, pensando nos avôs. “Foi uma linda prenda para duas pessoas que se amavam, que partiram de Portugal e chegaram a um parque de estacionamento em Givors, e viram o neto, 60 anos depois, vestir a camisola da Seleção e cantar o hino de Portugal… foi magnífico”.

Quentin Vieira integrou as Seleções de Sub-18 e Sub-19. “A nossa geração foi Campeã da Europa” diz com sorriso, lembrando que jogou com Rafael Leão, com Diogo Costa, com Diogo Dalot, “e com outros que hão de chegar”.

O filho de Michel Vieira fascina-se porque Portugal tem “um número impressionante de troféus por número de habitantes” e evoca o melhor jogador do mundo nos últimos 20 anos, Cristiano Ronaldo, e as várias Bolas de Ouro de jogadores portugueses.

Expandir a empresa para Portugal

Tal como o pai, também Quentin Vieira é um admirador de Portugal. “Qualquer pessoa que vá a Portugal é bem acolhida, porque é a natureza dos Portugueses. Somos assim”. Por isso, diz que recebeu valores do pai, que já os tinha recebido dos avôs e que ele também quer partilhar com os seus próprios filhos.

Fernanda Vieira já perdeu o marido e confessa que “foi difícil”. Mas assume que “tenho 3 filhos adorados, a Celeste, o Carlos e o Michel. São adoráveis. O meu filho preparou-me uma casa onde estou muito bem instalada. Nada me falta. Pode-me faltar é um bocadinho de saúde” diz à nossa entrevista.

“Tenho orgulho dos meus filhos… e de mim também, porque os criei assim, porque os criei bem. Hoje são grandes homens. Só posso ser feliz. Já tenho três bisnetos. Tenho uma família feliz” diz emocionada.

Michel Vieira também tem investido em Portugal. Sobretudo em imobiliário, “mas também gostava de instalar as minhas empresas em Portugal. Tudo o que fazemos aqui era bom para o país, porque nós temos a solução para vender eletrodomésticos baratinhos, e propor financiamento rápido e gratuito. Temos muitas coisas que seriam boas para os nossos amigos portugueses. A nossa primeira internacionalização terá de ser em Portugal, claro” garante ao LusoJornal.

“Para mim, é mais fácil expandir a empresa para Portugal. Portugal está bom para negócio, mas o nosso sonho seria de partirmos, depois, para outros países da Europa”.

Transmitir a empresa aos filhos

Outro dos sonhos de Michel Vieira seria de transmitir a empresa aos três filhos. Um deles ainda tem poucos meses, mas o mais velho, Quentin Vieira, já integrou o grupo e criou a MDA Cuisines.

“Isto não se faz do dia para a noite, faz-se naturalmente” garante Quentin Vieira. “Temos a mesma visão sobre muitas coisas. A minha ideia era entrar na empresa trazendo qualquer coisa. Trouxe a venda de um novo produto que são as cozinhas. A MDA vende eletrodomésticos há cerca de 40 anos, o meu pai mergulhou dentro deste negócio desde muito cedo, ele conhece este negócio muito bem, e eu queria trazer algo mais, mas na continuidade do que já fazemos. Ora, onde se colocam os eletrodomésticos? É na cozinha! E foi assim que cheguei à empresa, na ponta dos pés e fazendo um pouco de tudo, com o meu pai e os seus associados, tenho a sorte de ser um bebé MDA e ter no sangue a ADN desta empresa e criei então a MDA Cuisine”.

Trabalhar na mesma empresa do pai “não é fácil, mas é verdade que há coisas bem mais complicadas na vida” diz o ex-jogador de futebol. “Tenho de seguir os passos do pai. Ele tem a sorte de conhecer o caminho e de me dizer onde estão os obstáculos, depois sou eu que tenho de os evitar e dar o meu toque pessoal”.

“Não podemos estar sempre de acordo, claro, mas pelo menos falamos. Eu tenho a sorte de ter um pai que é muito duro, mas também muito pedagogo. Ele aprendeu no terreno e é isso que nos ensina. Quando estamos face a um problema, não o vamos delegar a ninguém, vamos arregaçar as mangas, resolvemos o problema e depois avançamos” diz Quentin Vieira.

LusoJornal