Mundial: Marco Martins diz que Portugal não pode apostar tudo em Cristiano Ronaldo

Marco Martins é jornalista desportivo. Vive e trabalha em Paris, para vários suportes, nomeadamente para a RFI, para o Jornal Record e para o LusoJornal.

É também um especialista de Cristiano Ronaldo já que publicou o único livro em francês sobre a vida do melhor jogador do mundo. «Cristiano Ronaldo: orgueil, gloire et préjugés» foi escrito em parceria com Antoine Grynbaum.

Numa entrevista ao LusoJornal, Marco Martins acredita que Portugal pode vencer o Uruguai, diz que Cristiano Ronaldo pode vir jogar para o Paris Saint Germain e garante que o jogador português vai voltar a ganhar a Bola de Ouro deste ano.

 

Como tem estado a Seleção de Portugal neste Mundial?

Portugal, na fase de grupos, conseguiu o mais importante: que era o apuramento. Teve três jogos, um importante e interessante do ponto de vista do jogo em si, que foi frente à Espanha. Esse empate a três golos em que Portugal conseguiu resistir a um dos favoritos, a Seleção espanhola, conseguiu marcar três golos, soube reagir, estar a vencer, estar a perder e conseguir empatar no último minuto com aquele livre direto de Cristiano Ronaldo. Depois foram dois jogos de sofrimento, frente a Marrocos e frente ao Irão, porque o importante era conseguir marcar pontos e conseguir o apuramento. Muitas vezes, Portugal quando marca primeiro, tem tendência a recuar no terreno e estar naquela espectativa de esperar pelo fim do jogo.

 

E agora frente ao Uruguai?

Este vai ser um jogo diferente. Agora é o mata-mata, como dizia o Selecionador Scolari. Num jogo como os oitavos de final, no fim do jogo tem de haver um vencedor e não se pode estar à espera de um milagre. Muitos dizem aliás que os primeiros jogos foram quase milagres para Portugal. Eu penso que há muitas similitudes em relação ao que se passou em 2016. Três jogos complicados, mas Portugal conseguiu passar e chegou aos oitavos de final, frente a uma Seleção forte. Portugal e o Uruguai têm algumas similitudes: um ataque forte, o Uruguai tem Cavani que joga aqui em Paris e Soarez que joga no FC Barcelona, e depois tem um meio-campo mais fraco, diria eu, dentro daquilo que é o Mundial, e uma defesa também com tendências a vacilar. E é a imagem de Portugal. Portugal tem um ataque forte sobretudo com Cristiano Ronaldo, depois tem um meio-campo que por enquanto ainda não mostrou aquilo que tinha mostrado em 2016, que tenta fazer o seu trabalho, mas que por enquanto ainda não consegue levar a equipa. E a defesa, que todos nós criticámos durante meses, que tem aqueles problemas, que sofreu três golos frente à Espanha, mas que também soube resistir, nomeadamente com Rui Patrício, Pepe, José Fonte. Resistiram frente a Marrocos e frente ao Irão sofreram apenas um golo de grande penalidade. Com estas similitudes entre as duas equipas, eu diria que vai ser um jogo complicado, tudo vai ser resolvido mesmo nos detalhes.

 

Cristiano Ronaldo pode ser decisivo?

A Seleção portuguesa não pode apostar tudo em Cristiano Ronaldo. Cristiano Ronaldo fez o seu trabalho até agora, mas a Seleção tem de aumentar o seu rendimento. A Seleção tem de fazer aparecer outros jogadores. Já vimos aparecer Ricardo Quaresma frente ao Irão, agora estamos à espera de jogadores como André Silva, João Moutinho, um Bernardo Silva forte, um Gonçalo Guedes mais presente,… essa parte ofensiva tem de mudar o ‘chip’, e têm de dizer ‘Cristiano Ronaldo fez o seu trabalho, nós também temos que mostrar porque estamos aqui no Mundial’. Se Portugal for eliminado frente ao Uruguai o que vamos dizer? Que tivemos um Christiano Ronaldo forte, um Quaresma que apareceu, mas o resto da equipa aquem das espectativas. Eu acredito que vai ser esta a mensagem de Fernando Santos.

 

Depois do Europeu de 2016 a França olha de forma diferente para Portugal?

A França tinha uma imagem do jogo bonito de Portugal. Muitos diziam que Portugal era o Brasil da Europa. Jogava bem, tinha bons jogadores, mas não ganhava nada. E mudou a opinião. Portugal joga um futebol menos atrativo, mais defensivo, mas consegue ganhar. Ninguém acreditava em 2016, pelo menos os jornalistas franceses, que Portugal pudesse vencer essa final frente à França. Foi a grande surpresa, sobretudo porque Cristiano Ronaldo saiu muito cedo do jogo por causa de uma lesão, e sobretudo houve aquele golo do Eder que já estava a jogar em França e conseguiu dar essa alegria aos Portugueses. Então a opinião mudou para os Franceses. Começaram a perceber que Portugal pode alcançar títulos e olham muito mais para o futebol português. Nota-se que há cada vez mais treinadores portugueses em França, cada vez há mais jogadores portugueses a chegarem ao Campeonato francês. A perceção mudou.

 

Mesmo assim os jornalistas franceses criticam muito a Seleção portuguesa…

Há o outro lado da moeda, digamos assim: os jornalistas têm mais um pouco de «ódio» – mesmo se não gosto muito da palavra – no sentido em que, durante toda a preparação do Mundial e mesmo já durante o Mundial, estiveram sempre a dizer que Portugal não ia conseguir o apuramento, porque Portugal tem um jogo feio – porque agora Portugal já tem um jogo feio – que Marrocos era mais forte e ia conseguir apurar-se, depois de Marrocos não se ter apurado era o Irão que mostrou grandes aptidões frente à Espanha e que também podia causar problemas a Portugal. Não foi o caso, Portugal conseguiu apurar-se e aí apareceram outras coisas: Cristiano Ronaldo está sempre a atirar-se ao chão, vai ganhando faltas que não são faltas e é por isso que Portugal consegue marcar alguns golos e também os árbitros estão a favorecer Portugal porque não assinalam faltas contra Portugal,… há sempre alguma coisa contra Portugal! Vai ser interessante saber, se Portugal vencer ao Uruguai e a França vencer à Argentina, qual vai ser o tratamento dos meios de comunicação social franceses face a esse possível reencontro das duas equipas nos quartos de final. Recordamos que é uma situação inédita…

 

Inédita porquê?

Portugal e França sempre se encontraram nas meias-finais e a França ganhou sempre. Já foi uma situação inédita terem-se encontrado numa final, por enquanto só houve uma, e Portugal venceu. Agora nos quartos de final seria novamente uma situação inédita. Mas voltando aos jornalistas franceses, eu acho que eles também pensavam que a Seleção francesa fosse mais forte do que é atualmente. Tem alguns problemas também a resolver, como Portugal, é também o que se passa aliás no Mundial. Uma equipa tem sempre que crescer durante uma competição e é o que se espera das duas Seleções.

 

Até quando Cristiano Ronaldo vai continuar a jogar?

Cristiano Ronaldo está num momento de reflexão. Tem de pensar no seu futuro. Já está com 33 anos. Ele bem diz que quer chegar perto dos 40 sempre a jogar, só que o mais alto nível é um nível de muita exigência. Sabe-se que Cristiano Ronaldo puxa muito pelo físico, tem de ter um físico perfeito para estar a 100%. O problema é que, com a idade é mais complicado. Vê-se nos jogos do Real Madrid, em alguns ele passa completamente ao lado e noutros ele é fenomenal. Já não tem talvez aquela regularidade. Os dois últimos anos, nos seis primeiros meses praticamente não se vê Cristiano Ronaldo, mas nos momentos decisivos que é a partir de fevereiro até maio, em que há a Liga dos Campeões, o final do Campeonato espanhol, ele aparece com um físico que impressiona toda a gente.

 

Cristiano Ronaldo pode sair do Real Madrid?

Está a chegar a um momento chave no Real Madrid. O Treinador francês Zinedine Zidade saiu dizendo que não acredita muito que na próxima temporada o Real Madrid ganhe alguma coisa. Ora Cristiano Ronaldo tem de ganhar, precisa de ganhar títulos para ganhar a Bola de Ouro. Este ano ganhou a Liga dos Campeões, foi o melhor marcador da Liga dos Campeões, mas a pergunta é, e para o ano? Sem Zidane, com jogadores que também começam a envelhecer no Real Madrid como Marcelo, jogadores com uma certa idade… ele pode olhar para isto tudo e dizer… bem, talvez seja o momento de ir para outro desafio.

 

Paris pode ser o destino mais provável?

Paris, visto que é uma equipa que está a crescer, pode ser um clube para o qual ele possa ir. E também há o aspeto financeiro. Cristiano Ronaldo, não é querer ser o mais bem pago por ser o mais bem pago, mas quer ganhar mais por ser o melhor jogador do mundo. O melhor jogador tem também de ter o melhor salário. E quando vê outros jogadores a serem bem mais pagos e a jogarem pior do que ele, gera uma certa fustração, que se pode entender. Quando o PSG oferece – pelo menos é o que se diz em Espanha – 45 milhões de euros por ano, acho que é aliciante, tanto o lado financeiro, como o lado desportivo.

 

É efetivamente muito dinheiro…

E depois há o fisco espanhol, que pediu contas a Cristiano Ronaldo. Aparentemente ele vai ter de pagar 18 milhões de euros e ele não gostou muito do tratamento do próprio clube. O Real Madrid não o apoiou tanto como o Barcelona fez com Leonel Messi. Barcelona pagou aliás a dívida de Messi e ele queria que fosse a mesma coisa com o Real Madrid, só que o Real Madrid por enquanto diz que não paga essa dívida porque diz que é uma dívida do Cristiano Ronaldo. A esses fatores todos, acrescenta-se a falta de apoio do Real Madrid que talvez prefira agora uma estrela mais jovem e não está para pagar mais a Cristiano Ronaldo. Barcelona não é hipótese, porque é o rival do Real Madrid e ele é uma lenda do Real Madrid. Na Inglaterra, o Manchester, onde ele começou, poderia ser uma hipótese, mas o treinador é José Mourinho e eles tiveram relações complicadas no Real Madrid, o único clube que pode oferecer um salário destes é o PSG e o PSG está de braços abertos para o receber.

 

Porquê escrever uma biografia não autorizada do Cristiano Ronaldo em francês?

É uma biografia, mas também é um inquérito jornalístico no sentido em que fomos falar com várias pessoas que estiveram em contacto com Cristiano Ronaldo, quando ele era jovem, menos jovem, no Real Madrid, e esta ideia surgiu do facto de em França haver o mau-da-fita, o Cristiano Ronaldo, e o bom-da-fita, o genro ideal, o jogador humilde que é o argentino Leonel Messi. Eu e o meu coautor Antoine Grynbaum tivemos a ideia de mostrar aos Franceses que não é bem assim, que não há um mau-da-fita e um bom-da-fita. Os dois são iguais. Há partes mais escuras da personalidades deles e também há partes boas. Em termos futebolísticos, Cristiano Ronaldo é um dos melhores jogadores da sua geração, como Messi e Cristiano Ronaldo também tem tido atos sociais interessantes, para crianças para a sua própria ilha, a Madeira. Quando houve incêndios ele fez uma doação, abriu lá um museu, deu o nome ao aeroporto, ele implica-se realmente na vida da ilha da Madeira e de Portugal, apoia com o que ele ganha, com doações. E nós queríamos mostrar esse lado e que Cristiano Ronaldo não é só aquele que de vez em quando é um pouco arrogante. O que é importante é o que ele é como ser humano fora do futebol, queríamos mostrar esse lado, e se ele é um pouco arrogante dentro das quatro linhas é porque também faz o trabalho para o qual é pago. Pedimos a Cristiano Ronaldo que ele marque golos e é aquilo que ele faz todos os anos. Foi o nosso objetivo ao escrever este livro: queríamos dar outra imagem de Cristiano Ronaldo. Será que ele precisava? Não sei se ele precisava, mas dizemos o nosso trabalho, para mostrar que não é sempre ele o mau-da-fita, que não é sempre ele o jogador detestável. Pode haver aspetos detestáveis, mas também há outros aspetos: tem bom coração, ajuda a família, é um pai de família e é uma pessoa respeitável.

 

Então vai mesmo voltar a ganhar a Bola de Ouro este ano?

Não sei como lhe poderia escapar. Até aqui, as Bolas de Ouro são sempre dadas àquele que vencem a Liga dos Campeões, aqueles que são mais decisivos na Liga dos Campeões. Quando se é o melhor marcador da Liga dos Campeões, quando se ganha a Liga dos Campeões pela terceira vez consecutiva, o que é histórico,… Ele já tem 5 Bolas de Ouro, eu acho que o Mundial não vai fazer assim tanta diferença porque se Portugal vencer o Mundial – e acreditamos que sim – a Bola de Ouro não pode escapar a Cristiano Ronaldo. Se Portugal não vencer, não há assim mais nenhuma Seleção que tenha individualidades que sobressaem por enquanto. Nem Neymar, nem Messi, este Mundial tem sido aquem das espectativas para eles, enquanto Cristiano Ronaldo já tem 4 golos o que é incrível. Para muitos não será, mas para mim é, porque em três Mundiais ele marcou 3 golos (um em média por cada Mundial) e neste Mundial já vai com 4 golos. Está a fazer um excelente Mundial e não vejo como é que a Bola de Ouro pode escapar novamente a Cristiano Ronaldo. Será a sexta. Ele queria 7! Vamos ver se consegue chegar a esse número.

 

 

LusoJornal