Nuno Gomes Garcia conversa com Jean-Jacques Fontaine: “A classe média branca e os evangélicos são quem apoia Bolsonaro”

Jean-Jacques Fontaine, jornalista suíço com uma longa experiência brasileira, lançou no espaço de poucos meses, entre junho e setembro, dois novos livros sobre a atual conjuntura daquele que é o quinto maior país do mundo. A “Le Brésil de Jair Bolsonaro” seguiu-se “L’Amazonie en feu: état d’urgence”. Se o primeiro consiste num conjunto de crónicas escritas entre abril e maio deste ano, o segundo foi escrito na urgência durante os fogos que devastaram parte da maior floresta tropical do planeta.

Dominando a língua portuguesa perfeitamente, Jean-Jacques Fontaine tem acompanhado de perto a evolução da sociedade brasileira e refletido sobre os seus avanços e retrocessos. Neste momento, a bancada “BBB” – triplo B que significa “bala, boi e bíblia” e se refere respetivamente aos partidos armamentistas, ruralistas e evangélicos – representa quase metade do Congresso brasileiro. Acresce-se a isto uma intensificação de um tipo de religiosidade hiperconservadora. Por exemplo, se em 1970 existia no Brasil 5% de evangélicos, temos hoje mais de 30%. Já a percentagem de católicos diminuiu de 90% para 50%. A tudo isto se junta a perceção (que nem sempre bate certo com a realidade, sendo essa discrepância entre uma coisa e outra, perceção e realidade, quase sempre aproveitada por populistas e demagogos para manipular a opinião pública de maneira a se aproximarem do poder) de uma corrupção generalizada e de um gigantesco índice de insegurança urbana gigantesca.

Perante estes dramas brasileiros, impõe-se então na cabeça de um europeu que vive fora da realidade brasileira a seguinte questão: como é que foi possível, em tão poucos anos, passar-se de um Presidente como o Lula, considerado por muitos uma espécie de ícone da social-democracia, para uma figura fascizante como Bolsonaro?

 

Jean-Jacques começo por uma pergunta muito simples: o Brasil é realmente um país muito mais corrupto do que os outros ou é tudo um grande exagero?

Não, é um grande exagero. O Brasil é um país complicado, muito grande, com muitas culturas diferentes, mas é um país como os outros grandes países.

 

Faça-nos então o retrato do eleitor-tipo de Bolsonaro. A ideia que se tem é que os eleitores de Bolsonaro foram maioritariamente homens brancos da classe média-alta. É verdade?

Temos de distinguir dentro desse universo quem votou em Bolsonaro e quem apoia Bolsonaro. Não é a mesma coisa. Muitos dos que votaram Bolsonaro há um ano fizeram-no por repúdio ao PT, o Partido dos Trabalhadores que estava no poder. Não foi exatamente um voto em Bolsonaro, foi uma contestação, um voto contra o PT. Agora, os que estão apoiando o Bolsonaro, sim, é mais uma classe média branca. Tem até um exemplo interessante: o MBL, Movimento Brasil Livre, que em 2013 foi a cabeça das manifestações de cidadãos que começaram em São Paulo devido ao aumento do preço dos bilhetes dos transportes, nomeadamente dos ônibus. Nessas manifestações pedia-se mais democracia, mais participação cidadã no poder. No ano passado, na campanha eleitoral, o MBL era o testa de ferro da campanha do Bolsonaro. Foi então um momento de clara definição dessa classe média branca. A classe média branca e os evangélicos são quem apoia Bolsonaro.

 

Em relação à operação Lava-Jato, Jean-Jacques, na sua opinião, existiu ou não uma judicialização da política? Acha que o juiz Sérgio Moro, atual Ministro da justiça de Bolsonaro, usou a operação Lava-Jato para ajudar a extrema-direita a chegar ao Poder?

Acho que não é bem assim. Quando o Sérgio Moro era juiz em Curitiba, fez um trabalho normal de juiz, embora trabalhando num assunto muito excecional porque a Lava-Jato era realmente uma coisa muito grande e tinha pouca antecedência jurídica no Brasil. O apoiar-se, por exemplo, nas delações premiadas, inspirado na Itália, foi algo de novo no Brasil. Agora não se pode dizer que nesse momento ele tinha uma opção política de apoiar a extrema-direita. Isso surgiu depois, quando as intenções de voto em Bolsonaro subiram, mas no início acho que o Moro não tinha a ambição de virar Ministro.

 

Em relação à Amazónia. Considera que estes últimos incêndios estão diretamente ligados à promoção dos interesses do agronegócio por parte do Governo Bolsonaro?

Não houve, por parte do Governo Bolsonaro, nenhuma decisão para liberar oficialmente queimadas ou desmatamento na Amazónia. Isso está mais relacionado com o ambiente político. Os discursos de Bolsonaro ao afirmarem que se pretende uma utilização económica da Amazónia ou que o IBAMA – o Instituto Brasileiro do meio Ambiente e dos Recursos Naturais – exerce uma “indústria da multa” liberaram os desmatadores clandestinos e os que pegaram fogo, pois eles acharam que não ia ter mais punição. A responsabilidade do Bolsonaro é mais indireta.

 

E a sociedade brasileira mantém o apoio a Bolsonaro? O mesmo apoio que bastou para o eleger?

O apoio a Bolsonaro tem diminuído e de uma maneira muito rápida logo a seguir à eleição. Passou de 55% de apoio a cerca de 32%. Agora creio que essa percentagem se manterá estável.

 

Entrevista realizada no quadro do programa «O livro da semana» na rádio Alfa, apoiado pela Biblioteca Gulbenkian Paris

Próxima convidada: Maria José Silveira Núncio, autora de “Brincadeiras de Irmãs”

Quarta-feira, 27 de novembro, 9h30

Domingo, 01 de dezembro, 14h25

 

 

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