Nuno Gomes Garcia conversa com José Rodrigues: «Eu procuro criar personagens imperfeitas»

“Voltar a ti” é o segundo romance de José Rodrigues, ainda em parceria com a fotógrafa Sara Augusto, cujas fotografias a preto e branco ilustram os capítulos.

Natural de Viseu, antigo oficial do Exército e licenciado em Gestão, José Rodrigues, que é editado pela Coolbooks, começou com “O Rio de Esmeralda” e prepara-se agora para lançar “O tempo nos teus olhos”. Livros que falam de amor e afetos.

Constança, a protagonista de “Voltar a ti”, é uma jovem engenheira que se divide entre a cidade e a aldeia. Na primeira, tem o trabalho e o namorado, Guilherme. Na segunda, esperam-na os pais e o irmão, Luís, que recupera de um desgosto que o deixou abalado.

Um dia, porém, novos desafios profissionais em outra cidade obrigam-na a alterar rotinas e a aumentar a distância que a separa daqueles que ama. Surgem então novos sentimentos que a levam a redescobrir-se.

Entre a tragédia e a perda, o amor e a saudade, o novo mundo de Constança surge de forma intensa, surpreendendo-a a cada passo e a cada incerteza.

 

José, no prefácio à obra, da autoria da Sara Augusto, é citado o padre Mateus Ribeiro, homem de letras do século XVII. A citação é a seguinte: “uma boa história deve entreter o espírito cansado das agruras do trabalho e da ingratidão da vida”. Tu concordas com esta ideia de que a literatura deve essencialmente entreter e de certa forma fazer esquecer as agruras da vida?

Eu acho que sim porque a vida, o nosso dia a dia, tornou-se cada vez mais precipitado, passamos a vida a correr de um lado para o outro. Nem sempre paramos para pensar um bocado acerca da nossa forma de estar, da nossa forma de viver. A literatura ajuda-nos sobretudo a refletir sobre a velocidade a que a vida e o tempo vão correndo. Por isso concordo plenamente com o padre Mateus Ribeiro que a Sara Augusto cita no prefácio brilhante que escreveu, algo que ela já nos foi habituando a fazer. Nós próprios não nos damos muito bem conta de que a vida é um instante e nós vamos esquecendo um pouco as coisas mais importantes. Aliás o que de mais importante na vida temos nem sequer são coisas.

 

Claro, e é por isso tudo que neste romance, Constança, a protagonista, passa por momentos da sua vida que em nada serão estranhos ao leitor: o amor, a perda, a reconstrução. Essa proximidade entre as vidas do leitor e dos personagens provoca uma maior identificação entre eles? Os leitores reveem-se mais nos personagens?

Eu penso que sim. Neste meu livro, “O Voltar a Ti” – tal como no anterior, “O Rio de Esmeralda” – eu procuro criar personagens imperfeitas, com percursos de vida atribulados. É assim que somos nós todos. Acho importante quando lemos um livro, também é isso que procuro enquanto leitor, conseguirmos identificar-nos com os personagens. Talvez até de uma forma mais simples do que nós eventualmente pensamos. Todos nós temos as nossas vidas repletas de temas atuais e pertinentes, como é, por exemplo, a importância das relações familiares, a questão das segundas oportunidades. Nós passamos constantemente o tempo a tentar redescobrir a nossa felicidade, o que é uma constante procura. É isso o que eu procuro quando escrevo e quando leio.

 

Falemos um pouco das fotografias da Sara Augusto. Em que sentido é que elas complementam o romance?

A sara tem uma particularidade muito especial: ela consegue encontrar para cada capítulo, para cada história dentro de cada história, a fotografia mais ajustada, aquela que, no fundo, resume um pouco o conjunto das palavras que são ditas. Ela tem uma capacidade muito própria de conseguir encontrar as fotografias adequadas a cada pensamento, a cada sentimento, momento vivido. Até porque a Sara, além de fotógrafa – a fotografia é um complemento da sua vida – é professora universitária na área da literatura. E a sua formação base, quer em termos de licenciatura, mestrado ou doutoramento, é tudo na área da literatura. Nenhuma outra pessoa se ajustaria melhor à combinação entre a fotografia e a literatura.

 

Mudemos um pouco de assunto. José, tu és muito seguido nas redes sociais e até trabalhas numa empresa que se dedica, entre muitas outras coisas, ao marketing digital. Consideras que hoje as redes sociais, como o Facebook, por exemplo, podem ser um instrumento mais importante para conquistar leitores do que os meios de comunicação tradicionais como a televisão ou a rádio?

Eu sou um bocadinho suspeito para falar nisso porque eu sou daquelas pessoas, aliás tu também, que viveu a época em que as redes sociais eram uma mesa de amigos. Nem sequer havia telemóveis.

 

Vivemos metade da vida sem internet e outra com internet.

É isso mesmo. Eu tenho a opinião que, bem doseadas, as redes sociais ajudam bastante a divulgar os nossos pensamentos, as nossas ideias, os nossos produtos, a nossa forma de estar, a maneira como vemos as coisas… Acho que sim, que ajuda. Apesar de eu ter um bocadinho de dificuldade em acompanhar o ritmo, a velocidade com que isto tudo está a acontecer. É absolutamente alucinante. As redes sociais são uma ferramenta bastante importante para divulgar a nossa obra.

 

Mas há gente que alerta para o excesso de exposição das vidas privadas nas redes sociais que, em última análise, poderá ser contraproducente. Concordas?

Claro que existem alguns riscos. Há sempre prós e contras, como em quase tudo na vida. Se as coisas forem feitas com cabeça, tronco e membros e se soubermos preservar aquilo que nós entendermos que deve ser preservado e divulgarmos aquilo que deve ser divulgado. Prevalece aqui o critério do bom senso. Podemos utilizar as ferramentas tecnológicas de forma muito positiva, quer em termos profissionais quer em termos pessoais.

 

Ou seja, saber dosear é o antidoto para uma eventual sobre-exposição.

Exatamente, o saber dosear é importante. Claro que é tudo muito subjetivo.

 

E consideras que essa interação facilitada com os leitores te ajuda a progredir na escrita?

Eu penso que sim. Há muita gente que ainda pensa que já está a comunicar pelo simples facto de transmitir uma mensagem. Ora eu aprendi que o processo de comunicação só termina quando nós percebemos que quem recebe a nossa mensagem percebe o que queremos dizer. O feedback é uma parte fundamental de uma parte da comunicação. É por isso que é importante eu saber o que os leitores pensam, o que acham. Assim poderei tirar as minhas conclusões se a minha mensagem passou. Não conseguirei saber se ela passou ou não se não me derem o feedback.

 

Entrevista realizada no quadro do programa «O livro da semana» na rádio Alfa, apoiado pela Biblioteca Gulbenkian Paris

Próximo convidado… só depois das férias natalícias e de fim de ano.

 

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LusoJornal