Nuno Monteiro: o notário da inovação a quem disseram que nunca havia de ter Cartório

Nuno Monteiro é Notário e tem Cartórios em Saint-Maur, em Paris e em Toulouse. Vivia precisamente em Saint-Maur (94) quando começou a estudar Direito. “O meu pai teve um grave acidente de mota, quando eu tinha 14 anos e o meu dia a dia era ir ver o meu pai ao hospital e aos Centros de reeducação durante vários anos” começou por explicar ao LusoJornal. “Mais tarde, decidi fazer estudos de Direito para poder fazer uma especialização em vítimas de acidentes de circulação”.

No quarto ano de Direito optou pelo Direito dos Seguros, só que “no meu primeiro estágio, ao fim de alguns dias, eu vi logo que aquilo não batia certo. O que eu tinha imaginado em criança não tinha nada a ver com o que eu estava a fazer” confessa. “Um dia estávamos em reunião, à volta de uma mesa e eu estava a pensar nessa vida de estar fechado num escritório a fazer reuniões o dia todo. Estávamos em La Défense, já tinha um ordenado fantástico, tinha 15 dias na universidade e 15 dias na empresa, mas naquele momento vi o meu percurso de vida pela frente, pedi desculpa e disse que ia sair. Perguntaram-me se havia algum problema e anunciei que ia acabar com o estágio, queria fazer outra coisa”.

“Disseram-me que nunca iria ser notário”

Foi nessa altura que um professor se propôs de o ajudar a fazer as escolhas que se impunham. Nuno Monteiro sabia que não queria trabalhar num escritório, preferia estar mais perto das pessoas, no terreno, aconselhar. Disse ao professor que gostava de vendas imobiliárias, do direito da família, do direito internacional…

“Há uma profissão que seria fantástica: notário” disse o professor. “Mas para ti não dá. Tu chamas-te Nuno Monteiro, neste momento, os Cartórios estão-se a passar de pai para filho ou de tio para sobrinho. Há poucas oportunidades e vai ser muito, muito difícil para ti conseguires ser notário. Com certeza vais conseguir o diploma e serás um bom funcionário, mas nunca vais ter um Cartório no teu nome” disse-lhe. “As pessoas não estão prontas para ver o nome de Nuno Monteiro numa placa de Cartório notarial”.

“Eu lembro-me que naquele momento sorri para o professor e disse-lhe: ok, muito obrigado. O senhor acaba de me convencer. E decidi, naquele momento, fazer direito notarial, que eu não conhecia ainda”.

Nuno Monteiro confirma que foi difícil, foi necessário ter muita resiliência e muito rigor, mas alguns anos depois foi sócio de um Cartório notarial. “Fui o notário mais jovem de França. Não mudei de nome e isso é o meu melhor orgulho”.

Quando acabou de estudar, começou a trabalhar num Cartório muito antigo, “que já existia antes da Revolução Francesa”. Ficou lá uns 5 anos, de 2007 a 2012. Em 2012, passou a ser sócio da empresa. Para tal, teve de pedir a nacionalidade francesa. “Eu lembro-me que no início eu recusei a nacionalidade francesa, porque eu sentia-me só português. O que está aqui no meu sangue, nas minhas veias, são os meus antepassados, os meus pais, os meus avós, é tudo português. Eu sinto-me português, sou um português que reside em França” explica ao LusoJornal. “Mas quando eu decidi ser notário, tive de pedir a ser nacionalidade francesa e hoje tenho a dupla nacionalidade”.

“Estive 5 anos em Toulouse”

Em 2018, Nuno Monteiro decidiu vender as cotas que tinha na sociedade onde era sócio. Na altura, queria ter mais peso na empresa. Um dos sócios tinha 50% do capital, outro tinha 33% e ele tinha apenas 17%. “Mas eu estava a produzir com a minha equipa mais de 70% do que estávamos a faturar no Cartório” explica. “Os meus sócios disseram-me que não. Disseram-me que tinham refletido e que a situação estava correta. E acrescentaram: Tu não podes esquecer que és português. Tu já deves estar contente com o que tens, 17% com a tua idade e sendo português já é muito bom, contenta-te com isso”.

Foi este episódio que o levou a sair da empresa, vender as ações e abrir a sua própria rede de Cartórios intitulada “Mon Notaire Conseil”. Abriu três cartórios ao mesmo tempo: um em Toulouse, outro em Paris Nation e um terceiro em Chennevière, que, entretanto, se mudou para Saint Maur La Varenne.

“Estive cinco anos em Toulouse, uma cidade fantástica, com uma Comunidade portuguesa muito importante, até abrimos lá uma delegação da Câmara de Comércio e Indústria Franco-Portuguesa (CCIFP). Mas ao fim de 5 anos senti a necessidade de voltar para Paris, porque obviamente aqui a Comunidade portuguesa é muito mais importante e também senti a falta e o carinho da minha família que ficou aqui em Paris. Decidi então instalar-me aqui nessa cidade, porque para mim, historicamente, tendo feito aqui os meus estudos e tendo ouvido que não era possível ser notário, é um orgulho ter aqui um Cartório em Saint-Maur-des-Fossés”.

Mon Notaire Conseil tem 4 sócios e integra uma equipa de cerca de 30 pessoas.

A clientela portuguesa é importante

Uma parte importante dos clientes de Nuno Monteiro é portuguesa ou de origem portuguesa. “Nós acompanhamos clientes nos momentos importantes da vida, para compras, doações, sucessões e divórcios. Obviamente, sendo eu lusodescendente, tendo o nome do Nuno Monteiro, rapidamente as pessoas dizem sempre que sou ‘o notário português’. Afinal, aquilo que o meu professor pensava ser uma dificuldade, tornou-se o meu maior trunfo” diz a sorrir.

Esta dupla nacionalidade de Nuno Monteiro, fez com que desenvolvesse uma especialidade bem particular. “Hoje, somos o Cartório notarial com o melhor acompanhamento para processos transfronteiriços entre França e Portugal”.

Para evitar que os utentes tenham de esperar algum tempo até ter uma vaga no Consulado, o Cartório de Nuno Monteiro faz procurações. “Por exemplo, para um processo de sucessão, um processo de herança, as pessoas têm um prazo de 90 dias para cumprir as obrigações fiscais. Neste momento, uma pessoa não consegue uma procuração em três meses no Consulado. Isso faz com que as pessoas vão ter atraso no momento do processo de sucessão e pode trazer até coima. Então nós temos, por exemplo, tudo online, a possibilidade de fazer procurações à distância e acompanhar diariamente muitas pessoas para fazer essas procurações para tratar dos processos em Portugal”.

Para além dos três escritórios em França, Nuno Monteiro trabalha com parceiros em Portugal.

“Fomos os primeiros a fazer assinaturas à distância”

Mas Nuno Monteiro tem uma missão que o persegue: é necessário inovar esta profissão tão antiga em França, trazer as novas tecnologias para o direito notarial, “para ajudar ainda mais as pessoas, estar mais perto das pessoas, para facilitar as coisas” explica com motivação.

“Por exemplo, nós fomos o primeiro Cartório a fazer assinaturas eletrónicas à distância. Isso quer dizer que antigamente o cliente tinha de se deslocar ao cartório notarial para assinar qualquer escritura. Hoje em dia já não é preciso. O que temos de mais raro, de mais precioso no nosso património, é a saúde, a família e o tempo” diz ao LusoJornal.

Assinar documentos à distância é muito mais cómodo e faz-nos ganhar muito tempo. Atualmente, é uma prática corrente na maior parte dos Cartórios em França. “Qualquer escritura pode ser assinada pelo cliente em qualquer sítio do mundo. Nós temos diariamente pessoas que estão em qualquer parte do país ou até fora do país e que podem escriturar, que sejam escrituras para processos em França ou para processos em Portugal”.

Nuno Monteiro orgulha-se de dizer que afinal, o jovem a quem disseram que nunca seria notário, está agora a ser inovador em França. “Nós temos a sensação que o mundo evolui sempre e nós também temos de evoluir. O notariado, mesmo sendo uma profissão antiga e muito importante, também tem de evoluir para estar em conformidade com a evolução do mundo e com a necessidade dos clientes” afirma sem complexos.

“Fomos os primeiros a fazer transações imobiliárias pagas em criptomoedas”

Os portugueses são conhecidos por sempre terem investido no imobiliário “porque é um valor refúgio, é um valor muito importante, mesmo em caso de crise, a pedra é sempre pedra e fica”, mas Nuno Monteiro está consciente que existem outros tipos de património: património financeiro, património empresarial… “e há um património novo que existe agora que é tudo à base de blockchain e de criptomoedas. E fomos então o primeiro Cartório notarial a fazer uma transação com um valor pago diretamente em criptomoedas. Tivemos que inventar a escritura, porque não existia. Foi tudo inventado de A a Z, completamente” afirma.

O jovem notário explica que se trata de um ato “que foi muito difícil a fazer”, assume que a equipa trabalhou durante vários meses para conseguir, “mas depois disso já fizemos outras transações em criptomoedas”.

Há um brilho nos olhos quando Nuno Monteiro diz que “ninguém fez isso antes”.

Quando lhe perguntamos se é possível ainda evoluir mais, responde que “a única coisa que não vai parar é a evolução”!

Agora tem estado empenhado em reforçar a profissão de notário com as competências da inteligência artificial. “A IA tem de ser um aliado” afirma.

Necessidade de trabalhar em rede

“Eu acho que ser português é o nosso melhor triunfo e temos de trabalhar em rede e nos ajudar uns aos outros” diz numa longa entrevista ao LusoJornal. “Tenho muito orgulho em ser português, muito orgulho em ajudar os meus compatriotas no dia a dia e isso torna-se um trunfo importante para cada empresário, qualquer que seja o tipo de trabalho, qualquer que seja a área de trabalho. O que vejo é que essa conexão que existe naturalmente entre os portugueses pode ser ainda otimizada”.

O jovem empresário diz que outras Comunidades conseguem trabalhar ainda mais em rede do que os Portugueses. “Dar uma mão não custa nada, temos de nos ajudar e eu acho que ainda temos muito progresso a fazer sobre isso, ainda há muita evolução possível”.

O papel do notário em França e em Portugal é muito diferente. “Em Portugal o notário vai intervir muitas vezes no final da escritura, na escritura final. Por exemplo, em Portugal o notário não é obrigatório para assinar uma escritura de compra e venda, pode ser feita, por exemplo, num advogado. Aqui em França o notário tem o monopólio das transações imobiliárias, que seja para compra e venda ou para doações. Tudo o que é escritura com um bem imóvel tem de ser feito num notário”.

É por isso que o acompanhamento do notário em França é mais amplo “porque vai tratar as partes civis, mas também fiscais do acompanhamento, das consequências fiscais das escrituras. O notário tem aqui um papel de dever de informação que também traz uma responsabilidade, se o dever de informação não for bem cumprido. E o acompanhamento, a confiança que os clientes têm no notário em França é muito mais importante e nós devemos ter consciência disso para ter um nível de exigência, um nível de competência sempre ao nível da confiança que os clientes têm no notário em França” explica.