Home Comunidade O maior falsário da história portuguesa: Domingos dos Santos de Morais Sarmento e as relações com o regime de NapoleãoLusojornal·6 Novembro, 2020Comunidade [pro_ad_display_adzone id=”46664″] Natural do Fundão, Domingos dos Santos de Morais Sarmento, é ainda hoje considerado o maior e mais requintado falsário conhecido da história portuguesa. Foi, entre outros, professor de francês, fez à pena cinco bilhetes de boas festas em que descrevia algumas das façanhas militares de Napoleão, que ofereceu ao General Junot, durante a primeira Invasão francesa. Para uns foi um artista inigualável, para outros, um criminoso, um falsário. Condenado à morte com amputação das duas mãos, mais tarde a pena foi comutada para prisão perpétua devido ao seu talento e conhecimentos, e ao papel do seu brilhante advogado, Dr. Joaquim José Caetano Pereira de Sousa. Os documentos que conhecemos são todos de uma beleza extraordinária, feitos à mão, no Forte do Bugio, sem grandes meios, onde o Coronel francês Vincent o encontrou em prisão fechada, preso de Estado, em 1807, onde já estava desde 1801, e o transferiu para o Limoeiro, em Lisboa. Domingos Sarmento era “curto da vista” como então se designava a miopia e fez dessa sua condição, a sua ferramenta para, com a visão apurada ao perto, desenhar com tal minúcia e criatividade que surpreendeu o mundo das artes do seu tempo. Não se conhece se tirou algum proveito por ter imitado as “Apólices do Real Erário”. Ficou célebre, não só pelo crime que cometeu e que iria marcar a sua vida até à morte. Este fundanense deveria figurar na toponímia da cidade porque por coisas de menor porte, ficou por exemplo João Brandão, na sua terra natal, com nome seu na Biblioteca Municipal de Tábua. Domingos dos Santos de Morais Sarmento era filho de Domingos dos Santos de Morais, natural desta freguesia do Fundão e de Cecília Maria, natural da Aldeia de Joanes. Nasceu a 4 de maio de 1767, batizado aos 24 dias do dito mês. Faleceu com 47 anos, na cadeia do Limoeiro, onde cumpria prisão perpétua, a 9 de fevereiro de 1814, e foi sepultado na Igreja de S. Martinho em Lisboa. Era casado com Maria Rita e tinham uma filha. Estudou já depois de adulto, por convite do Bispo de Coimbra. Ensinou mais tarde as primeiras letras no Fundão, como mestre de leitura. Filho de um alfaiate da sua vivência no Fundão, sobre ele dedicou quatro páginas José Germano da Cunha nos “Apontamentos para a História do Fundão”. Chegou a ser professor do Real Colégio da Feitoria, por ordem do Rei, ao qual mais tarde se dirigiu a pedir clemência, mas de pouco lhe valeu. Mesmo preso, foi autorizado a dar aulas na prisão do Limoeiro, tal não era o valor do seu ensino como professor. Fez mais que um pedido ao Rei e à Rainha a quem se dirigia como pessoa bem conhecida de suas altezas, confessava a eles abertamente o seu crime, para assim, em favor dos seus serviços, lhe aliviassem um pouco a forma violenta que era o viver na enxovia daquela prisão. Contam-se algumas histórias, mas este “Aviso” publicado na imprensa Régia de Lisboa antes do crime de falsificação, a 29 de janeiro de 1796, mostra bem até que ponto ele era considerado no mundo das artes: “Aviso Domingos dos Santos de Morais Sarmento, da Vila do Fundão, escreveu a 23 do corrente à vista de mais de 30 discípulos e outras pessoas, em um 4° de papel, o seguinte: 4 regras de letra inglesa, 3 de redonda de simples e debuxada, 3 de bastardilha, 1 de francesa, 1 redonda e inglesa finíssima, alguns lançados de gosto moderno, tendo um deles o seu nome em letra gótica, e finalmente uma ave voando, de cuja boca se vê pendente um círculo 7 vezes menor que um cruzado novo em ouro, dentro do qual se lê perfeitamente todo o Padre-nosso por extenso, e o nome do autor. Este quadro se pode ver na loja de louça e fazendas da China de Paulo Nunes da Serra, no 4° quarteirão da rua Augusta, à direita vindo do Rossio. Se alguém quiser apostar 12.800 reis, em como há de fazer com pena outro semelhante quadro, em tudo com a mesma perfeição, na mesma loja poderá depositar a dita quantia, contra outra igual, fixando-se 4 meses para esse fim, contados desse dia do depósito. O sobredito professor continua a trabalhar na sua Arte d’Escrita, que se propõe fazer estampar em Inglaterra”. Produziu também um documento de tal minúcia, enviado à Rainha D. Maria l, na tentativa de mostrar o que o país perdia com a sua prisão. Esse documento foi mais tarde oferecido ao Major General inglês Sir George Allan Madden por D. Francisco de d’Almeida de Lisboa. Esta curiosidade, oferecida no ano de 1809, foi levada para Londres pelo Major e figura no Catálogo do ano de 1853, Manuscritos Portugueses Existentes no Museu Britânico, Biblioteca Egertoniana nº 6.911 Fol. 31. Assim como a coleção de postais com os feitos militares franceses dedicados a Napoleão, tudo indica que ainda hoje se encontra em algum dos Museus franceses. Eis o conteúdo de um dos documentos levado para Londres: “Fol.31 – Petição original, em português, de Domingos dos Santos de Moraes Sarmento, professor de escrita, aritmética, latim e francês, dirigida a Sua Majestade a Rainha D. Maria I, expondo que havendo ele sido prezo por ter contrafeito trinta e tantas Apólices de 20.000 réis, confessa a sua culpa e ao mesmo tempo oferece a Sua Majestade um plano para um novo feitio de Apólices que ele inventara, e confessando-se arrependido, pede a sua liberdade, etc. Sem data alguma. Acha-se junto o referido plano, que tem este título: ‘Plano do feitio que devem ter as Apólices do Real Erário, Domingos dos Santos de Morais Sarmento oferece a V. Majestade para segurá-la e a toda a Nação portuguesa do receio de poderem ter falsificados para o futuro por pessoa alguma’. Além disso, há também uma Apólice feita à pena segundo o plano do inventor, por ele mesmo, com a seguinte legenda por baixo: ‘Para Vossa Majestade ver. Domingos dos Santos de Morais Sarmento intentou e pintou com a pena esta Apólice, estando metido n’hum Segredo do Limoeiro’. A petição e o plano são escritos em letra itálica, para imitar a de imprimir; são de uma perfeita execução, e constam de 4 páginas compactas. Mas a execução da apólice é de uma tal beleza que seria impossível de a distinguir de outra feita por imprensa, e só se pôde saber pela declaração já referida. O plano era de tornar transparentes os selos da Apólice”. A seguir publicamos um apontamento da Universidade de Coimbra: “- Maria Luísa Lemos Secção de Manuscritos da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra 1974 Ms 3.163 A última peça é constituída pela defesa de um advogado a favor do réu (Manuel) Domingos dos Santos Morais e Sarmento. Professor e calígrafo de Aldeia Nova das Donas (*), muito hábil no desenho à pena, foi condenado à pena de morte por ter imitado as Apólices do Real Erário, acabou ele por morrer no Limoeiro em 1814, onde se ocupou a copiar, entre outras coisas, um exemplar das poesias de Tolentino, três exemplares do ‘Hissope’ e uma ‘Nova miscelânea curiosa’. Haverá qualquer relação entre esta ‘Miscelânea curiosa’ de 1819, também ilustrada com desenhos à pena, e a do malogrado artista?” (*) Por mais que uma vez aparece erradamente dado como natural das Donas e aqui mais uma vez, também com erro junto do nome. A sua fama de copista era tal que, segundo se diz, Junot, que o deve ter conhecido quando esteve em Portugal como Embaixador, antes das Invasões e de novo em Portugal em 1807, o convidou a ir para França. Parece que isso só não aconteceu porque a mulher do próprio Junot o não aceitou. Laure, Duquesa de Abrantes, ditava muita coisa ao General. O próprio Sarmento manifestou mais que uma vez, até no julgamento, que teve oportunidade de fugir do país e não o fez. Ainda na tentativa de agradar a Junot, fez à pena cinco bilhetes de boas festas em que descrevia algumas das façanhas militares de Napoleão. Estes bilhetes foram oferecidos a Junot que os enviou ao Imperador e devem achar-se nos arquivos das Belas Artes, em Paris, para onde Napoleão os mandou. Numa carta, segundo Germano da Cunha, que enviou para um seu parente no Fundão para se desculpar do seu silêncio, diz: “dirigi uma carta ao meu protetor, o Capitão inglês Huil, que só a primeira letra me levou oito dias a fazer…” Considerado um génio na arte da caligrafia e desenho minucioso, fez da sua condição de míope desde criança, a chave do êxito que o leva a professor de escrita, aritmética, latim e francês no Real Colégio da Feitoria, em Lisboa, e a ser conhecido até pelo Imperador Napoleão que o desejou levar para França. Está referenciado ainda hoje em muitas bibliotecas, como se vê nos Anais de Bibliotecas e Arquivos. Na Biblioteca de Coimbra há uma cópia do Verso d’Hissope feita por Sarmento em 1795, já professor de escrita. Segundo ainda os anais das bibliotecas e arquivos, foi também autor de uma arte de escrita inglesa. Morreu em Lisboa, a cumprir prisão perpétua, de nada lhe valeu todas as suas tentativas, algumas bem desesperadas, mas também as da sua família e alguns influentes amigos, como a que fez o General Junot ao Rei, ou ainda ao Capitão inglês Huil, para se libertar do Limoeiro, onde morreu. Antes do Limoeiro, esteve encerrado no ainda mais terrível Forte do Bugio. De tudo tentou, até à sua morte, para sair daquela miserável enxovia. Durante a ocupação francesa em Lisboa, não se sabe se foi ou não libertado. Há no entanto um documento de 12 de maio de 1809, feito por ele, em agradecimento ao General português D. Miguel Pereira Forjaz, certamente por o ter libertado. Diamantino Gonçalves [pro_ad_display_adzone id=”37510″]