Opinião: 25 de Abril: Viva a Liberdade!


Nessa extraordinária madrugada do 25 de Abril que permitiu, finalmente, aos Capitães do então clandestino MFA – Movimento das Forças Armadas – atingir o seu objetivo impossível até aquele momento: a Liberdade ao alcance de todos, a tão esperada liberdade das forças exiladas que se encontravam fora ou dentro do país, e que durante quase 50 anos viveram sob o jugo de um regime ditatorial salazarista, que acometeu sem distinção civis, políticos, militares ou autoridades religiosas, e que nesse dia soaram aos ouvintes da Rádio Emissores Associados de Lisboa às 22h55 com a canção «E depois do Adeus» como um primeiro sopro do renascer democracia portuguesa. O segundo sopro coube na letra de José Afonso por via de «Grandôla Vila Morena», difundida na Rádio Renascença precisamente por volta da meia-noite e vinte minutos e que deu a ordem aos militares e aos seus tanques para avançar sobre Lisboa e outras grandes cidades de Portugal.

A situação no resto do país fica em suspenso. Nesse mesmo dia apesar das expressas e repetidas ordens de recolher obrigatório muito rapidamente assistiu-se ao movimento de desobediência geral dos portugueses daquela noite interminável a nível de expetativas e esperanças: «Fiquem em casa».

Sem medo nem ressentimento algum, o povo português saiu mesmo assim à rua. No meio do povo, a pé, caminha para casa uma ilustre Celeste Caeiro, que vinha de ser despedida do restaurante onde trabalhava porque encerrado devido à ordem que fora dada, e com as mãos repletas de cravos que já não enfeitariam as mesas. Pelo caminho, encontraria tanques e militares armados. Um deles, pediu-lhe um cigarro. Não tinha, mas em troca, deu-lhe um cravo que acabou pendurado na boca da espingarda.

Depois, no Mercado das Flores de Lisboa, tomou posse a rainha da estação e o cravo como símbolo para recusar o sangue que se possa vir a derramar e desse modo reter eventuais balas perdidas ou letais, que assim ficariam domadas e retidas nas próprias espingardas.

Assim nasceu uma verdadeira Revolução popular e pacífica há muito oprimida, não somente e como se possa julgar contra alguns membros mais zelosos «bufos» da PIDE (Polícia de Estado), que acabara por um golpe militar firmado com uma flor.

Ou seja, uma Revolução que terá finalmente devolvido o destino outrora trincado de vários povos europeus ao de uma transformação permitindo a cada um de poder assegurar com as suas próprias mãos as rédeas do seu destino.

Nessa madrugada a frágil situação terá salvo a própria pele, por um fio, imediata e constantemente ameaçada por forças contraditórias. Forças contraditórias, oriundas de diversos partidos recém-criados, mas igualmente de corpos constituídos, bem como de movimentos da sociedade civil com ideologias e visões amiúde perfeitamente opostas, a começar pela criação da JSN-Junta de Salvação Nacional.

Pois a democracia foi abalada no próprio coração da Assembleia Constituinte Provisória. E não foi por menos: oito Governos sucederam-se, para viver uma contrarrevolução, tão grave quanto pouco conhecida, a do 25 de novembro de 1975 (que tantos querem tirar fútil proveito e celebrar hoje em dia). Nesse entretanto, Portugal aproximou-se de forma perigosa de uma guerra civil.

Porém, a libertação do Regime maturou e confirmou que o processo revolucionário era inexorável e naquela noite tão discreta quanto espetacular, culminou mais tarde com a adoção da Constituição, a 2 de abril de 1976, e sua entrada em vigor a 25 de abril de 1976, dia por dia, e fazendo jus ao 1° aniversário do fatídico 25 de Abril.

Eis portanto, a madrugada conturbada que deu lugar aos «3 D», Democratização, Descolonização e Desenvolvimento, tanto quanto aquilo que seria destino comum europeu e doravante com as portas abertas para um futuro digno e mais feliz em Portugal.

Nesse dia bem português, «inicial, inteiro e limpo» [1], a liberdade fez o seu impacto em afirmar-se, aos vizinhos que também se encontravam oprimidos, regimes autocráticos como a Espanha, a Grécia, ou ainda mais longe no continente europeu, na América Latina, sem nos olvidar da cortina de ferro que vigorava na Europa de Leste. Em todos os casos esta Revolução foi uma lufada de ar fresco para levar à sentença de morte muitas das ditaduras ora existentes.

Floriram cravos que traçaram o caminho de uma Europa mais democrática e mais solidária, a Europa atual ainda dos nossos dias, uma Europa onde ainda se mantém em paz, e em que um(a), todos(as) são livres de poder visitar, viver, trabalhar, aprender, inventar e inspirar outras partes do mundo por via das suas virtualidades e designadamente através do nosso modelo social.

Em Portugal, muitos cravos floriram para ver «Em cada rosto igualdade». Sim, o país perpassou estes últimos cinquenta anos, marcado por grandes progressos de ordem política, económica e social que mexeram com o destino do povo português e mudou-lhe a sina!

No decorrer destes 50 anos, nunca nada pôs verdadeiramente em perigo esta democracia que respeitou o seu Artigo 1°: «Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária».

Todavia, em 2019 e em abono da verdade, registamos a aparição de cravos pretos que recusam o legado do 25 de Abril e que querem derrubar e vencer os valores de Abril. Uma democracia viva, só é viva com quem a faz ser viva. O legado do 25 de Abril exige muito de cada um de nós.

Pintar cravos de preto para resolver os problemas existentes e persistentes do seu país, é um embuste logro. Porém, nestes derradeiros anos, de 1 multiplicaram-se para 50 cravos pretos que berram à toa sem razão e sem solução.

Atenção! O episódio da visita demorada da Troica que ceifou direitos e rendimentos, tudo retirou os sorrisos e o azul que mora em nós e permaneceu uma aflição, contudo muito longe daquela que é a maior ameaça presente nos dias de hoje e hipoteca seriamente o futuro do nosso país.

Estou a falar na Extrema-direita e as suas ideias disfarçadas de preto que vieram para aparentemente ficarem.

Pergunto ao vento que passa notícias do meu país e o meu país (quem vive dentro como fora) tudo me diz: medo.

A palavra em si está pesada de pesadelos que nem sempre corresponde a uma verdadeira melhoria das condições de vida e ainda menos nos aspetos qualitativos da democracia que ainda continuamos a partilhar. O nosso povo ainda tem sonhos e aspirações, anseios de liberdade, e o nosso horizonte ainda o permite.

Que não o pisem nem o escondam com a cor preta de mau augúrio, pretendendo separar, espartilhar-nos uns aos outros, e desistirmos, no fundo, de sermos uns pelos outros.

Antes pelo contrário, quem gosta de cravos vermelhos e da esperança alcançada que trouxe a Portugal, à Europa e ao Mundo inteiro, então que gritem mais alto este nosso lema universal: «Em cada rosto igualdade!», para celebrar a expressão genuína dos sentimentos humanos de partilha de valores comuns.

Isso exige proteger os valores que nos unem e defendê-los a todo o custo: a Liberdade, Igualdade, Fraternidade e Solidariedade.

Não podemos dar por certo esses bens adquiridos, porquanto isso não se faz sem consciência, sem compromisso, sem sacrifício. Para além disso, muito pouco dessa responsabilidade incumbe unicamente e exclusivamente nas organizações políticas, partidos, associações ou centros de reflexão e aliás cada vez mais medíocres aos olhos de quem mais ordena. Eleger e mandatar alguém para nos representar não significa abdicar da sua própria responsabilidade como cidadã, cidadão.

Quem mais ordena pode e deve contribuir para um mundo melhor. Quem mais ordena é chamado a defender o que pelo passado fez de cada um de nós, nos fez seres livres, iguais, criadores de laços imprescindíveis baseado num futuro comum e em comum. Quem mais ordena deverá voltar à lavoura para poder semear cravos vermelhos e dar vida e cor aos nossos sonhos, porque estou em crer que não seria um desígnio para ninguém voltar a querer viver em ditadura. Mas quem ousa pensar domar quem mais ordena? Cravos pretos? Nunca. E nunca será um futuro viável. Porque ao vencer o medo, vamos vencer aquele aperto das patranhas do Chega e dos outros nomes feios que vai propalando por esse Portugal adentro e afora.

Porque vamos cantar Abril, sempre!

Porque também somos filhas e filhos da madrugada, hoje e amanhã, porque:

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«É possível falar sem um nó na garganta

É possível amar sem que venham proibir

É possível correr sem que seja a fugir.

Se tens vontade de cantar não tenhas medo: canta.

É possível andar sem olhar para o chão

É possível viver sem que seja de rastos.

Os teus olhos nasceram para olhar os astros,

Se te apetece dizer não, grita comigo: não.

É possível viver de outro modo.

É possível transformares em arma a tua mão.

É possível o amor. É possível o pão.

É possível viver de pé.

Não te deixes murchar. Não deixes que te domem.

É possível viver sem fingir que se vive.

É possível ser homem.

É possível ser livre, livre, livre».

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Viva a Liberdade! Viva o 25 de Abril! Sempre!

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Notes

[1] Poema 25 de Abril, Sophia de Mello Breyner Andresen

[2] Poema Letra para um hino. O canto e as Armas. Manuel Alegre

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Nathalie De Oliveira

Ex-Deputada na Assembleia da República Portuguesa
Ex-Maire-Adjointe de Metz



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