Home Opinião Opinião: D. Paulino Livramento Évora, mais um grande Caboverdeano no panteão da nossa memóriaDavid Leite·23 Junho, 2019Opinião Os grandes homens morrem, sim! Como os outros… Pequenos ou grandes, a lei da vida é igual para todos. Mas os grandes homens vivem para sempre na nossa memória. O primeiro panteão é a memória coletiva, feita da gratidão e reconhecimento dos que ficam. D. Paulino Livramento Évora, Bispo emérito desde a sua jubilação em 2009, deixa consternadas as suas ovelhas e a nação caboverdeana nesta hora di bai. E como a morte é sempre pretexto para recordar os homens e mulheres que marcaram a sua época, muito já se escreveu e falou sobre D. Paulino, que terminou agora a sua existência neste baixo-mundo, quase a contar 89 primaveras. Ordenado sacerdote em 1962, em Portugal, D. Paulino viria a tornar-se no primeiro prelado nascido em Cabo Verde (nasceu na Praia, em 1931). Foi nomeado Bispo de Cabo Verde em abril de 1975, quando o seu predecessor, D. José Alves Colaço, foi chamado a Lisboa. A sua nomeação levava já o selo da independência iminente que encerra o longo período colonial e abre uma nova era para a Igreja católica nas ilhas. Ao ingressar na sua Diocese, em 22 de junho de 1975, D. Paulino estava consciente que não iria ser fácil exercer o seu ministério numa Igreja em conflito com a sua própria história e com as teses marxisantes do novo poder político instituído pelo Partido único. A coabitação entre o clero e o braço secular chegaram a ser tensas, numa sociedade por demais politizada e com tendência a alienar-se dos mistérios da espiritualidade. Em meio à desconfiança entre a fé e a ideologia reinante, pontificava o perfil conciliador deste sábio clérigo, homem de diálogo e de consenso, sem jamais abdicar dos princípios e valores em que acreditava. De carácter firme, resistiu na fé dos que acreditam numa humanidade acima de crenças e ideologias que dividem famílias e nações. Em janeiro de 1990 os Caboverdeanos mobilizaram-se em torno do seu Bispo numa receção apoteótica ao papa João Paulo II. Em tempo de abertura, Perestroïka e Glasnost “obligent”, a classe política renova, por assim dizer, o seu sufrágio à Igreja católica, e a nação vai-se reconciliando, aos poucos, com a fé, de resto indissociável da sua cultura e vivência sociais. Foi para mim uma bênção ter conversado, em Paris, com o primeiro Bispo do pós-independência. Corria o ano de 1999, há precisamente 20 anos. Como ouvira dizer que D. Paulino se encontrava em visita pastoral a Nice, propus à Embaixadora Luisa Ribeiro convidá-lo para uma gala que o serviço cultural da Embaixada estava a organizar na UNESCO para celebrar a nossa festa nacional. E foi com orgulho que anunciei a presença do nosso Bispo na prestigiosa Sala 1 da UNESCO onde foi muito ovacionado e fez boa impressão. Anos depois, tive a honra de ser recebido por D. Paulino na presença do meu amigo François Yverneau, Frei jesuíta que o hospedava em sua casa em S. Ouen l’Aumône, sobraçando um estudo que lhe apresentei sobre a Comunidade caboverdeana em França. D. Paulino falava com a sabedoria dos humildes. Tenho ainda nos ouvidos esse seu timbre pausado, sereno, mas firme na sua autoridade moral, num mundo movido por ganâncias de poder e interesses puramente materialistas. A sua retórica fazia-me lembrar o escritor António Aurélio Gonçalves, originário, como ele, de S. Nicolau. Impressionante era a simplicidade que irradiava da sua pessoa. A mesma simplicidade na hora da jubilação, em 2009, recolhendo-se na mais humilde discrição, como era seu timbre. Mantenhas da Terra-Longe, 17 de junho de 2019 [pro_ad_display_adzone id=”25427″]