Opinião: De Semana traiçoeira a Semana das Traições


Quem diria que as eleições europeias iriam resultar na semana louca que estamos a atravessar em França? Claro que já estávamos todos à espera dos resultados desta eleição. Sabíamos que, com maior ou menor percentagem, o resultado do Rassemblement National seria este. Por várias razões, mas essencialmente porque o povo está farto de promessas não cumpridas e, sobretudo, de sofrer na pele as incompetências ou as inércias de quem nos tem governado.

Sabíamos todos que, depois das eleições, iríamos ter uma semana difícil e estávamos todos à espera que a arrogância de quem ganha eleições fizesse passar alguns maus momentos a quem governa o país.

Aquilo que não sabíamos é que íamos viver uma semana plena de traições, dignas de um romance policial, em que uns matam e esfolam, outros deitam-se com estes e com aqueles e onde ainda há tempo para brincar ao ‘bate-e-foge’.

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Primeiro foi Emmanuel Macron quem traiu os seus amigos mais próximos, ao acabar o dia das eleições com a dissolução da Assembleia Nacional. Parece que não tinha informado praticamente ninguém à sua volta, e aqueles que sabiam, não conseguiram demovê-lo da decisão.

Aliás, a traição do Presidente Macron acaba por ser dupla, porque não só traiu aqueles que o apoiam, ao pôr fim à legislatura, mas também traiu o conjunto dos eleitores que têm agora pouco tempo para regressar às urnas, numas eleições que não puderam ser democraticamente preparadas em situação normal.

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O segundo a trair foi Olivier Faure, o líder do Partido Socialista, ao juntar-se à Esquerda radical, contra a vontade de Raphaël Glucksmann.

Ora, Olivier Faure não tem sido aquilo que se possa chamar um líder carismático do Parido Socialista, não lhe podemos atribuir a dinamização do Partido, sobretudo depois dos cerca de 3% históricos obtidos por Anne Hidalgo nas últimas presidenciais.

Neste contexto, Raphaël Glucksmann fez um excelente resultado, colocando a barra do PS nos 14%, acima de qualquer outro partido de Esquerda, mas sempre se opondo à radicalização da Esquerda à qual se associou agora Olivier Faure.

Raphaël Glucksmann é um moderado e vai sentir-se certamente inconfortável ao partilhar a campanha eleitoral com os dirigentes da France Insoumise, por exemplo.

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O terceiro a trair foi Éric Ciotti que, sem dar explicações a ninguém, decidiu infringir o “limite republicano” e aliar-se historicamente ao Rassemblement Nacional.

A posição pessoal do Presidente do LR não admira, aliás há muito que toda a gente sabe que ele estaria mais à vontade politicamente no RN do que no LR. Mas assinar esta aliança histórica e controversa, sem consultar os “seus”, foi um ato impensável de traição colocando o partido numa situação muito delicada.

Já não bastou a “bomba atómica” de Emmanuel Macron contra o PS, deixando o partido de rastos, também agora Éric Ciotti fez explodir o LR por dentro.

Sem estes dois partidos fundamentais na democracia francesa, apenas podemos constatar o crescimento dos radicalismos e dos extremos.

As cenas a que assistimos ontem, com Éric Ciotii e fechar o partido a sete chaves e a Comissão política ter de reunir, sem ele, numa sala emprestada, é uma situação que tem tanto de ridículo, como de impensável.

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Finalmente, vem a traição de Marion Maréchal. Dois dias depois de ter sido eleita à boleia do Reconquête, o partido de Eric Zémmour, onde aliás assumia a Vice-Presidência, disse-lhe adeus e junta-se novamente ao Rassemblement National – agora já vamos poder chamar-lhe novamente Marion Maréchal Le Pen, clarificando ainda mais a posição do Partido de Extrema Direita que estava a “humanizar” demais a sua ação política, ao ponto de muita gente já o considerar um partido do “arco da governação”. A chegada de Marion Maréchal Le Pen mostra que o partido é o que sempre foi, um partido de Extrema Direita.

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Na sua jogada de Poker, Emmanuel Marcron apostou no “sobressalto republicano” dos eleitores. Há 30 anos que este sobressalto tem funcionado e o “Cordão Republicano” tem impedido ao RN de aceder ao poder. Mas quanto tempo vai durar ainda este “cordão”?

E Emmanuel Macron apostava também nos socialistas moderados e no LR para uma convergência ao centro, libertando-se tento da Extrema Direita como da Esquerda Radical.

Resta agora saber como vão reagir os eleitores.

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O que nos esperam as próximas semanas?

Ninguém pode prever. Neste momento, tudo é imprevisível.