Opinião: Festival da Canção, festival da Eurovisão: nem tudo o vento levou

Nos anos 1960, 1970, Portugal parava para assistir ao Festival da Canção transmitido pela RTP. Este sucesso devia-se à pobreza dos nossos programas televisivos ou pela vontade de escolher alguém que nos pudesse representar lá fora na Europa, representar um país com uma ditadura, país no qual nos sentíamos sós, com raros momentos de nos podermos mostrar e mostrar os nossos valores?

Com a chegada da Revolução, os gostos mudaram. O país volta a parar, não por causa das canções, mas sim por causa das Telenovelas brasileiras. Lembram-se de “Gabriela, cravo e canela”?

Teve lugar no sábado passado, dia 2 de março, mais um Festival da canção, momento festivo, momento de recordação.

Bem longe vai o tempo em que António Calvário nos representou no festival da Eurosivão, depois de ter ganho o primeiro Festival da canção, em 1964, com a “Oração”. Sinal de um país católico e sob o domínio da ditadura salazarista. Classificação na Eurovisão desse ano ? O número da sorte : o 13.

Maldita sorte, seguiram-se mais dois 13° lugares logo a seguir, com as canções “Sol de Inverno” e “Ele e Ela” de Simone de Oliveira e Madalena Iglésias. Ele e Ela não se deram lá muito bem, e em 1967 Eduardo Nascimento tenta mudar as coisas com “O Vento Mudou”. O vento não foi lá muito forte: 12° lugar.

Em Portugal, nisto das canções, alguns dos temas favoritos são as estações do ano, a natureza… E vai daí, Carlos Mendes com a estação preferida dos turistas “Verão”, temperaturas baixas : 11° lugar. E porque não experimentar com uma canção que fala do outono? Simone de Oliveira experimenta na sua segunda participação. Com problemas na voz, lá nos canta “Defolhada Portuguesa”.

Sérgio Borges, em 1970, coloca-se uma pergunta essencial com “Onde vais rio que eu canto?”, ganhou o Festival da canção, mas não tendo encontrado resposta à sua pergunta, ficou-se por Portugal, não foi à Eurovisão. Com apenas um quarto de século, mas nascida no dia da mulher, 8 de março, Tonicha dá nas vistas. Ela que é de Beja, cantou “Menina do alto da serra”: bem bom 9° lugar.

Nos dois anos a seguir, as melodias contradizem-se: Carlos Mendes canta a “Festa da Vida”… Fernando Tordo a “Tourada”, pobres bichos… Aproximava-se o fim da Tourada para os picadores do povo.

A 7 de março, Paulo de Carvalho vence o festival com “E depois do adeus”. Adeus à ditadura. No dia 25 de abril de 1974 assiste-se à Revolução dos cravos, a canção “E depois do adeus”, juntamente com “Grândola Vila Morena” dão sinal nas ondas da rádio ao início da Revolução mais pacifica de todos os tempos. E a “Madrugada” de novas vidas cantada por Duarte Mendes em 1975.

Carlos do Carmo, em 1976, canta o amor entre Pedro e Inês com “Flor de verde pinho”. L’amour toujours l’amour, em 1977, Os Amigos dizem, ter “Portugal no coração”.

Com a canção “Dai-li, Dai-li Dou” dos Gemini, que falava de um papagaio, ninguém o terá percebido : 17° lugar. Manuela Bravo foi escolhida para representar Portugal, melhorar e fazer subir a classificação, e assim foi, com “Sobe, sobe, balão sobe”: 9° lugar. E continuou-se a subir com o José Cid. “Um grande, grande amor” ficou em 7° lugar. Que melhor sentimento que o amor? O público gostou, o júri também. O nosso José Cid, continua ainda hoje a dizer, que se representasse um outro país teria nesse ano de 1980 ganho a Eurovisão.

No ano a seguir, Carlos Paião, vinga-se. Já que não fizestes ganhar o José Cid, canto-vos em “Playback”. Como neste tipo de emissões televisivas não é admitido cantar em palyback… 18° lugar. Já que o júri não gosta de playbacks, Portugal decide enviar as quarto bombas do grupo Doce, em 1982, a prova de “Bem Bom” não foi bem sucedida: 13° lugar.

Armando Gama, com “Esta balada que te dou” e Maria Guinot com “Silêncio e Tanta Gente” sentiram-se um pouco intimidados de atuarem perante tanto público e tantas televisões: 13° e 11° lugares.

Adelaide Ferreira e Dora precisam de dois anos, 1985 e 1986 para passarem a mensagem: “Penso em ti” e “Não sejas mau para mim”. E como a inflação subia, de dois passámos para três. Três anos para o Duo Nevada, Dora e Da Vinci nos dizerem: “Neste barco à vela”, “Voltarei” como um “Conquistador”.

Nós que escrevemos este pseudo-artigo, apercebemo-nos que nisto de canções e de mensagens somos fortes. Como é que na Eurovisão ainda não perceberam isso? Eu já estou a perceber um pouco a razão: talvez fosse bom sugerir-se ao júri de classificar Portugal todos os dois ou três anos, as canções completam-se… a mensagem é dada ao conta-gotas. Querem novo exemplo? Em 1990, 1991 e 1992, Nucha, Dulce Pontes e Dina, cantam-nos: “Há sempre alguém” com uma “Lusitana paixão” vivida de “Amor e água fresca”. Ao qual respondem Anabela, Sara Tavares e Tó Cruz, dizendo nos três anos a seguir, preferirem “A cidade (até ser dia)” abrir a rádio para “Chamar a música” e ao mesmo tempo tomarem um pequeno almoço com “Baunilha e Chocolate”.

A melhor classificação na Eurovisão foi a de Lúcia Moniz, 6° lugar com “O meu coração não tem cor”, em 1996. Ainda hoje não sabemos a ideia da Célia Lawson ao cantar “Antes do Adeus”. Será pelo facto de Paulo de Carvalho ter cantado em 1974 “E depois do Adeus”?

Nas canções, um dos temas preferidos no passado, mas esperamos também que assim seja no futuro, é o amor. Quatro cantores – Alma Lusa, Rui Bandeira, Liana e MTM – quarto anos para nos dizerem: “Se eu te pudesse abraçar”, “Como tudo começou”, que belos “Sonhos mágicos”!… “Só sei ser feliz assim”.

Em 2003, 2044, 2005 e 2006 a mensagem precedente quase se repete pelos intérpretes Rita Guerra, Sofia Vitória, 2B e Nonstop, com “Deixa-me sonhar (só mais uma vez)” porque “Foi magia”, “Amar”-te partindo de “Coisas de Nada”.

Segue-se um convite nos três anos que se seguem e pelas vozes de Sabrina, Vânia Fernandes e Flor-de-Lis: “Dança comigo”, “Senhora do Mar” em “Todas as Ruas do Amor”.

Em 2010 e 2011 Filipa Azevedo, talvez sem querer, associou-se aos desinvergonhados Homens da Luta par nos dizerem “Há dias assim” em que “A Luta é Alegria”.

Filipa Sousa, Suzy, Leonor Andrade e Salvador Sobral, tiveram 4 anos para nos dizer: “Vida Minha”, “Quero ser Tua”, embora saiba que “Há um mar que nos separa”, não há melhor que “Amar pelos dois”.

Em 2017 chega-nos o Salvador da Pátria, aliás Salvador Sobral, que nos canta “Amar pelos dois”. Cláudia Pascal responde-lhe em 2018 dizendo que, para amar, o lugar ideal é “O jardim”. Duas canções que tiveram resultados opostos: Salvador Sobral ganha em Kiev, na Ucrânia, o Festival da Eurovisão com um recorde de pontos – 18 países a darem a nota máxima de 12 pontos – enquanto Cláudia Pascal prova que Portugal é um país de extremos, o país mais a Ocidental da Europa, terminará na última posição no Festival realizado em Portugal. Foi a décima terceira canção a passar no concurso… não lhe deu sorte!

Para combinar encontro no “Jardim”, não há melhor que o “Telemóvel”, canção vencedora do Festival da canção de 2019, no sábado passado, dia 2 de março, em Portimão. Em Portugal, que tinha a 1 de janeiro de 2019, 10.183.315 habitantes, possuía nessa data 13,1 milhões de telemóveis a funcionar… normal de se homenagear este instrumento de comunicação. Perguntamo-nos, o intérprete, o cantor Conan Osiris, será que é uma personagem de ficção ou um rei mítico do Egíto antigo?

No dia 18 de maio, dia do Festival da Eurovisão, não façam como o Conan Osiris que começa a canção: “Eu parti o telemóvel a tentar ligar para o Céu…». No 18 de maio, em Israel, valha-nos os Céus ou valha-nos nós que vamos utilizar o telemóvel para votar no Conan Osiris?

Ficaram aqui os intérpretes e canções de todos os Festivais da canção de Portugal. As classificações na Eurovisão não têm sido famosas. Mas, o importante é participar!

Quem diria, contudo, que um dia Portugal ganharia o Campeonato da Europa de Futebol em 2016 e da Eurovisão em 2017? Verdade seja dita, em 2017 o Festival teve lugar a 13 de maio… Não, não foi milagre… e o “dou-te 12 pontos se tu me dás a mesma coisa, tanto mais que somos vizinhos, não foi utilizado: foi uma vitória sem discussão.

Festival da Canção, Festival da Eurovisão, digam o que disserem, ainda é um belo momento: façamos a guerra com canções, não com armas… lembram-se dos Abba sem Napoleão, com a canção de Waterloo? Algumas melodias fizeram parte do nosso consciente e direi mesmo… do nosso subconsciente: “Comme un enfant aux yeux de lumière…”, “meu bem ouve as minhas preces…”.

 

 

LusoJornal